Uma coisa é um senador receber por mês R$ 3.800 como auxílio-moradia – mesmo morando em apartamento funcional, residência oficial ou imóvel próprio. É ilegal. Outra coisa é não pedir o auxílio-moradia, mas ganhar assim mesmo, por um “equívoco”. E a terceira coisa é não saber – não ter ideia – que há um ano esse valor é depositado em sua conta corrente. Dá um total de R$ 45 mil. Não sei o que é mais embaraçoso, mais difícil de explicar ao brasileiro comum.
O erro não aconteceu apenas com o presidente do Senado, José Sarney, como foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo. Os senadores João Pedro (PT-AM), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Gilberto Gollner (DEM-MT) também recebiam o auxílio-moradia, apesar de viver em apartamentos funcionais cedidos pelo Senado. Todos prometeram cancelar. Sarney, que vive em imóvel próprio, mas tem direito a residência oficial, prometeu devolver.
Seria interessante que essa quantia pudesse ser doada a dezenas de milhares de brasileiros que perderam suas casas devido às chuvas e enchentes. Não seria um uso nobre e adequado para algo que se chama auxílio-moradia?
Dois casos revelam enorme cara de pau. Os senadores Gerson Camata (PMDB-ES) e Valdir Raupp (PMDB-RO) recebem auxílio-moradia do Senado de R$ 3.800, mesmo tendo casa própria. O.k. Só que suas mulheres, deputadas, também recebem auxílio-moradia de R$ 3 mil da Câmara. Não é sensacional? Vamos todos fazer uma vaquinha para ajudar deputados e senadores a morar com estilo em Brasília.
Sarney pediu desculpas na quinta-feira por ter “passado informação errada” aos jornalistas. Ele tinha garantido dois dias antes que jamais recebera o auxílio-moradia. Depois admitiu que estava enganado. Ele afirmou que não teria sido adequadamente informado por sua equipe de assessores.
“Eu nunca pedi auxílio. Por um equívoco, a partir do meio de 2008, verificaram que realmente estavam depositando na minha conta. Mas eu já mandei dizer que retirassem, porque nunca requeri e tinha a impressão que não estava recebendo. Eu dei uma informação errada e peço desculpas”, disse.
Aos 79 anos, Sarney é um dos políticos mais experientes, hábeis e poderosos do Brasil, muito admirado pelos pares por suas qualidades de articulador. Foi aliado de FHC, hoje é aliado de Lula. Raramente se altera. Ex-presidente da República, é imortal da Academia Brasileira de Letras pelos poemas e livros que cometeu. Também foi imortalizado em seu Estado.
Para nascer, no Maranhão, há a maternidade-referência Marly Sarney. Sarney dá nome a vilas, escolas. Os maranhenses pesquisam na Biblioteca José Sarney. O Tribunal de Contas foi batizado de Palácio Roseana Sarney. Existe a Ponte José Sarney. Avenida, rodoviária, fórum levam o sobrenome da família. Tamanha homenagem em vida reflete a popularidade do senador em seu Estado e no país.
Quem o senador punirá por ter enfiado em sua conta-corrente – e, segundo ele, a sua revelia – um dinheiro a que não tinha direito? As desculpas de Sarney não apontam autor, o sujeito é indeterminado. Quem “estavam depositando”, quem “verificaram”, quem “vão retirar” o benefício irregular? Ficamos sem saber de quem partiu o equívoco. Quem, afinal, teria sido mais realista que o rei?
Estamos, felizmente, no Brasil, onde a imprensa pode se manifestar com liberdade – e não na Venezuela censora de Chávez, onde jornalistas que criticam o regime são perseguidos e onde o escritor peruano Vargas Llosa é retido por uma hora no aeroporto. Por isso, aí vai uma sugestão aos políticos: verifiquem suas contas-correntes. Conversem com seus assessores para entender quanto os senhores estão ganhando por mês e a troco de quê. Essa barafunda de verbas indenizatórias e auxílios e benefícios não ajuda a polir a imagem do Congresso.
A transparência – um esforço louvável – fará vir à tona mais e mais casos. Não tem jeito. Melhor mesmo é não ter de pedir desculpas.
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