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Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo
Por onde andam os mais badalados oncologistas do país, aqueles que atendem os políticos, as celebridades, os ricos? Até o início da semana estarão todos no mesmo lugar: em Orlando, na Flórida. É lá que acontece a reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO). Esse é o mais importante congresso mundial sobre câncer. Trinta mil especialistas se reúnem para acompanhar os resultados das mais recentes pesquisas no tratamento da doença.
O tema deste ano é a personalização do tratamento. Várias sessões vão tratar dos avanços na busca de testes que permitam identificar qual paciente vai se beneficiar de qual remédio. A evolução do conhecimento sobre a genética dos tumores tem levado ao surgimento de testes capazes de indicar se os medicamentos trarão ou não algum benefício ao paciente com determinado perfil genético.
É uma boa forma de evitar que o doente faça um tratamento, enfrente os tantos efeitos colaterais e, no final, não tenha nenhum benefício. Esses testes evitam também gastos desnecessários com remédios caríssimos. Imagine o que é ter de se desfazer dos bens conquistados numa vida inteira para pagar remédios que custam mais de R$ 10 mil por mês e depois descobrir que eles não fizerem efeito nenhum. Atualmente, estão disponíveis poucos testes desse tipo. Mas essa é uma área que deve crescer muito e trazer grandes vantagens.
Serão divulgados também estudos que confirmam o benefício da incorporação de remédios da classe chamada de terapia-alvo (aqueles que atacam as células do câncer e poupam a maioria das células sadias) ao tratamento tradicional.
Um deles demonstra que as mulheres com um tipo de câncer de mama conhecido como HER2 negativo, já em estado de metástase, vivem mais tempo se forem tratadas com a droga Avastin (bevacizumabe), além da quimioterapia convencional.
Outro estudo que será apresentado durante a reunião confirma o benefício do Tarceva (erlotinibe) após a realização de quimioterapia em pacientes com câncer de pulmão metastático.
Esses benefícios, porém, não representam a cura nem o ganho de anos de vida. Em geral, o benefício verificado nesses estudos significa dois ou três meses de vida a mais - ao custo de milhares de reais.
A reunião da ASCO é uma grande vitrine do câncer. Um lugar onde estudos iniciais com drogas experimentais são apresentados, uma janela para o futuro. É um congresso considerado imperdível pela maioria dos oncologistas. É também uma arena de frustração.
Muitos dos médicos brasileiros que comparecem a esse congresso têm uma dupla militância: atendem a classe média e os ricos nos consultórios particulares e os pobres nos bons centros universitários que aceitam pacientes do SUS. Diante dos avanços apresentados a cada ano, a angústia se repete: "Fico feliz por saber que há avanços e frustrado por perceber que não poderei oferecê-los aos meus pacientes, principalmente os do serviço público", diz o oncologista André Murad, da Universidade Federal de Minas Gerais. "A distância que separa nossa oncologia real da oncologia "virtual" apresentada nesses congressos internacionais se agiganta a cada ano", afirma.
Segundo Murad, os medicamentos empregados no tratamento do câncer há 20 anos eram os mesmos tanto na clínica privada quanto no serviço público. A chegada das novas drogas e o aumento dos custos criaram um abismo. "As restrições de gastos com combinações modernas de medicamentos aumentaram radicalmente as diferenças entre a terapêutica pública e privada", diz.
Estive várias vezes nesse congresso e sempre tive a mesma sensação de Murad. De certa maneira, a reunião da ASCO é uma espécie de Disneylândia, um reino da fantasia onde se admiram as maravilhas da inovação e do avanço científico. Mas o encantamento acaba no aeroporto, antes das doze badaladas da meia-noite.
Em 2009, devem surgir no Brasil 466 mil novos casos de câncer. E 141 mil famílias perderão um parente para a doença. A multiplicação de descobertas sobre a doença enche a sociedade de esperanças. Mas o combate ao câncer exige persistência, disposição e recursos.
Poucos brasileiros podem bancar as mais variadas tentativas de prolongar a vida. Um deles é o vice-presidente José Alencar, que nasceu pobre e tornou-se milionário às custas de muito trabalho. Ele está em Houston, no Texas, para o início de um novo tratamento experimental. Vai encarar, com a objetividade de sempre, mais uma tentativa de controlar o sarcoma (câncer que ocorre em tecidos como músculo, gordura, nervos) que teima em ressurgir a cada vez em que é removido.
Torço por ele e por todos os brasileiros que vivem a experiência do câncer. No início desta semana, pensei muito em Alencar e nos enormes desafios que o Brasil enfrenta no combate à doença. Tive a honra de vencer pelo segundo ano consecutivo o Prêmio de Jornalismo do Instituto Nacional de Câncer (INCA). A matéria Câncer: por que a luta ainda é tão difícil foi considerada a melhor reportagem sobre a doença publicada em todas as revistas brasileiras em 2008. Ela traz revelações sobre o convívio de José Alencar com o câncer e um balanço das vitórias e dos desafios da ciência na luta contra a doença. Agradeço, de coração, aos leitores que se interessam pelo que escrevo e que me incentivam a seguir em frente. Agradeço, imensamente, a Alencar pelas lições de vida que não vou esquecer.
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