A trilha da volta
O GLOBO - 29/05/09
Há sete meses, a bolsa brasileira bateu no ponto mais baixo dos últimos anos. De lá para cá, já subiu 80%. Só este ano, subiu 41%. Ainda está longe do ponto máximo que aconteceu em maio do ano passado, quando o Brasil parecia estar longe da crise. Há contradições entre o brilho da bolsa e a vida real. Ele é um sintoma de volta à realidade, mas não estão afastados os riscos de novos sustos.
Em maio de 2008, o índice Ibovespa disparou para 73 mil pontos. Naquela época, o país crescia a taxas acima de 6%, o desemprego estava em queda, a renda e o crédito estavam crescendo, o tão sonhado grau de investimento havia sido conquistado. A previsão dos economistas de mercado para o PIB brasileiro em 2009 era de 4,6%. Hoje, a estimativa é de -0,53%. E no começo do mês que vem o Brasil saberá o tamanho do tombo do primeiro trimestre. O Bradesco calcula que o PIB tenha caído 3,1% em relação ao primeiro trimestre de 2008, e 2,2% em relação ao último trimestre do ano passado.
O grau de investimento veio no dia 30 de abril. Naquele pregão, o Ibovespa disparou 6,3%. Até o dia 20 de maio, subiu mais 15,2%, batendo no pico de 73 mil. A melhora na classificação de risco adicionou 10 mil pontos à bolsa.
De acordo com o economista Álvaro Bandeira, da Ágora Corretora, depois de maio, os sinais da crise financeira começaram a ficar evidentes. A crise atingiu também bancos ingleses e japoneses. Isso provocou uma redução de cerca de 20 mil pontos no Ibovespa, que caiu para a casa dos 50 mil.
“No início de 2008, o mercado calculava que o tamanho do rombo dos ativos ligados ao subprime era de US$ 150 bilhões. Em maio, essa estimativa já havia saltado para US$ 500 bilhões, com as suspeitas se espalhando por vários bancos do mundo”, explicou.
Em setembro, houve o pânico. O marco foi dia 15, quando quebrou o banco de investimentos americano Lehman Brothers. A bolsa brasileira afundou nos meses seguintes até bater em 29 mil pontos.
Descobriu-se então que o rombo não era de US$ 500 bilhões, como sonhava o mercado. Mais de US$ 4 trilhões foram despejados no sistema financeiro em ações coordenadas por vários bancos centrais. Tudo para impedir que os bancos quebrassem. Do ponto mais baixo, em outubro, até o fechamento de ontem, o índice Ibovespa ganhou cerca de 23 mil pontos, voltando aos 53 mil. Isso significa que a bolsa levou sete meses para recuperar a metade do que perdeu.
Segundo o economista Bruno Marinho, da Prosper Corretora, o que mudou do final do ano passado para o início deste ano é que o sistema financeiro não quebrou. Isso fez com que as expectativas dos economistas para 2009 fossem refeitas para melhor.
“Olhando para frente, são duas as principais variáveis que vão definir o futuro da bolsa: a própria crise financeira mundial, que ainda não está resolvida, e os efeitos que ela terá sobre a rentabilidade das empresas, ou seja, como a demanda menor e o crédito menor vão afetar a lucratividade de cada uma”, explicou Marinho.
Parte dessa retomada também é fruto da volta dos investidores estrangeiros. Para se ter uma ideia, em janeiro, entraram R$ 544 milhões na bolsa. Em fevereiro, esse montante subiu para R$ 1,44 bilhão, saltando para R$ 3,77 bilhões, em março.
“Quando veio a crise, esses investidores correram para comprar títulos do Tesouro americano. Agora, eles estão voltando ao mercado de renda variável. O Brasil se beneficia porque está melhor que outros países em desenvolvimento e também porque tem juros muito altos”, explicou o economista-chefe da Ativa Corretora, Arthur Carvalho.
Álvaro Bandeira acha que as ações subiram agora porque as previsões para as empresas em 2009 foram feitas no final do ano passado, quando o pessimismo era maior. Mas, o fato é que, olhando para a economia real, as luzes amarelas ainda estão acesas no painel. O setor imobiliário, por exemplo, sofreu um baque em plena temporada de lançamentos. Inúmeros lançamentos continuam suspensos, mas Rogério Chor, da Ademi, dá um bom sinal da melhora recente: “Neste segundo trimestre, por exemplo, minha empresa voltou a conseguir antecipação de recebíveis, que tinham secado no final do ano passado e no início deste ano”, explicou Chor.
O setor siderúrgico acumula fortes altas em 2009. A CSN disparou 65%; a Usiminas, 37,85%; a Gerdau, 29,1%. Mas o setor enfrenta dois problemas: a concorrência com o aço chinês, que está chegando ao país mais barato que o produzido aqui, e os estoques elevados, que mantêm altos-fornos parados.
“A tonelada do aço laminado importado, por exemplo, custa aqui no Brasil cerca de R$ 1,2 mil. Já o aço produzido aqui dentro sai por R$ 1,7 mil. Podemos dizer que temos uma liquidação de aço chinês e croata chegando”, afirmou Marinho.
A ação da Vale, no pico, era vendida por R$ 55, chegou a R$ 19 e ontem estava em R$ 32. Melhorou, mas está longe do que já foi. A Bovespa como um todo ainda está longe do que foi. A alta dos últimos meses e a volta do investidor estrangeiro são bons sinais, só não podem ser vistos como o fim da crise.
Com Leonardo Zanelli e Alvaro Gribel
Nenhum comentário:
Postar um comentário