Blindagem econômica
Um dos dados mais interessantes da pesquisa “Os ministros da Nova República — Notas para entender a democratização do Poder Executivo”, da cientista política Maria Celina D’Araujo, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (Cpdoc/FGV), é o que mostra que nesse período desde 1985, embora o ministério tenha sido um espaço para as negociações políticas entre as forças que se coligam para sustentar os governos, áreas como a econômica têm sido blindadas pela escolha predominante de técnicos.
A escolha para o ministério obedece a certos critérios básicos, onde se destaca a experiência política. Os dados da pesquisa mostram que se trata de um grupo com alto grau de envolvimento na vida políticopartidária: do total de 329 ministros identificados, quase 50% tiveram experiência no Parlamento (em algum dos três níveis da federação), 22% exerceram cargos eletivos no Executivo (governador e prefeito) e 76% passaram por cargos no Executivo federal, estadual e municipal.
Fica evidente, comenta Maria Celina D’Araujo, que o grupo que chega ao ministério tem ampla trajetória política com forte enraizamento em cargos executivos estaduais e municipais.
“O ministério vai se configurando, por nossos dados, como um espaço de experiência política acumulada.
Os cargos de ministros são distribuídos entre pessoas com mais experiência política e com faixas de idade superiores aos do corpo de profissionais que ocupam os cargos de DAS/NES”.
É expressiva a presença de pessoas entre 61 e 70 anos nos ministérios, e se comparados com os ocupantes de cargos de DAS/NES, o estudo mostra que o gabinete tem indicadores etários bem superiores.
Mais da metade dos ministros tem mais de 50 anos (228 de 328) enquanto mais da metade das pessoas de nossa amostra de DAS/NES estão abaixo de 50 (351 de 484).
O estudo associa a experiência a taxas significativas de educação: na média, apenas 4,5% dos ministros não têm formação universitária, a maioria se formou em direito, e 54% fizeram algum curso de pós-graduação majoritariamente em áreas como economia, administração e ciências sociais.
“Embora a literatura ressalte o espaço do ministério como um campo mais propício ao clientelismo, vemos que os padrões de instrução para o recrutamento têm sido significativos conectando o governo com o avanço da pós-graduação no país”, comenta Maria Celina D’Araujo, que destaca que a área econômica foi a que recebeu ministros mais titulados, “demonstrando que certos setores do governo são tratados com mais cuidado técnico. Ou seja, se o clientelismo é moeda política importante, há áreas que são preservadas numa espécie de insulamento”.
A pesquisa constata que estas áreas “protegidas” estão sempre relacionadas às atividades monetárias, fiscais e de arrecadação de recursos, isto é, as que propiciam a capacidade extrativa do Estado.
“Em termos da capacitação de pessoal, ela é maior quando se trata de arrecadar do que quando se trata de gastar”, nota ironicamente a cientista política.
Na comparação entre a qualificação dos ministros e a dos DAS/NES, vê-se que há “uma complementação em termos de graus de instrução”.
Quando há ministros mais fracos academicamente, os quadros de DAS/NES são mais qualificados.
A área de Justiça, por exemplo, que teve apenas 7,4% de ministros doutores, tem 34,5% de dirigentes com essa titulação.
No decorrer dos anos, a formação dos ministérios mostra que a área econômica é a que recebe mais ministros qualificados, tendo nada menos que 52% dos seus ocupantes com título de doutorado.
É nela também onde há mais profissionalização entre os assessores de nível DAS/NES, e um menor percentual de sindicalizados e de filiados a partidos.
O estudo trata o ministério como “uma estrutura estável” no geral, com uma forte representação de ministros da região Sudeste. Ao lado dos requisitos partidários, a lógica federativa preside as escolhas dos ocupantes das pastas.
O que é identificada no estudo como “super-representação da região Sudeste” fica patenteada no fato de que apenas no governo Itamar essa região ficou com menos de 50% das pastas. Em segundo lugar vem o Nordeste (20,1%) e, em terceiro, a região Sul (15,3%).
Norte e Centro-Oeste não chegam a ocupar 5% das vagas.
O estudo da FGV constata que essa distribuição “não é proporcional ao PIB, mas o é em relação à população”, o que faz sentido do ponto de vista eleitoral.
Cerca de 80% dos ministros do período analisado vêm de carreiras políticas bem sucedidas, na definição de Maria Celina D’Araujo, “pessoas experientes na vida política com for te enraizamento em atividades parlamentares e executivas em todos os níveis de governo”.
Ao contrário das críticas mais comuns, a pesquisa chega à conclusão de que o cargo de ministro, quando destinado a um político, é um “prêmio” para uma trajetória de sucessos nas urnas e nos partidos, tornando-se o ministério “um espaço importante para a experiência comprovada”.
Segundo Maria Celina D’Araujo, a análise da evolução dos ministérios nesse período de quase 25 anos permite identificar avanços formais na democracia que, no entanto, não garantem mais conteúdo e mais qualidade da democracia.
“Para isso, o país, a exemplo de outras nações, teria que aumentar seus controles internos e externos sobre as agências de governo e sobre seus governantes e teria que romper com práticas corporativas pérfidas e com a impunidade. Isso sem falar em políticas de desenvolvimento que efetivamente possam promover crescimento com equidade”.
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