Talvez seja aceitável que o presidente da República prefira não participar publicamente da indignação generalizada na opinião pública em relação à farra das passagens aéreas no Congresso.
Ele teria o direito de alegar, por exemplo, que não se pronuncia porque precisa respeitar a independência dos Poderes da República.
Poderia também dizer que, antes de conhecida a dimensão do abuso nas viagens de senadores, deputados, parentes e cupinchas, não comentara o assunto por ignorar a dimensão do problema. E, depois do escândalo estourado, nada precisava dizer porque a simples repercussão acabaria com o abuso.
Nada disso. O primeiro pronunciamento de Lula sobre o problema, sexta-feira passada, no Rio, foi, única e simplesmente, uma crítica às notícias na mídia a respeito. Embora o tom fosse quase cordial, chegou a falar em hipocrisia, "porque sempre foi assim", e argumentou que os meios de comunicação "dão dimensão demais a uma coisa que pode ser resolvida pela própria Mesa (da Câmara)".
Na opinião do presidente da República, portanto, o abuso das viagens de congressistas sempre existiu, mas vai acabar por decisão espontânea dos próprios viajantes. Pelo visto, a mídia noticiou a existência e as dimensões da farra das passagens por falta de fé num milagre como esse.
Mas, como milagres desse tipo são bastante raros, foi Lula quem errou, num pronunciamento gratuito que ninguém lhe cobrara.
E sem a menor necessidade. O próprio Congresso esboça uma tentativa de limpar a sua ficha, com a criação,, na Câmara, de uma comissão para tratar da "modernização da estrutura do mandato parlamentar". Poderia ser batizada também de Comissão da Vergonha na Cara, mas não vamos pedir tanto. Se "modernizar"servir como sinônimo para "tentar acabar com o uso de dinheiro público para mordomias pessoais", será grande progresso.
De qualquer maneira, o início de uma possível tentativa de eliminar o problema das passagens não torna dispensável a vigilância da mídia - e, reconheça-se, de uma quantidade razoável de congressistas.
Por outro lado, é sabido que ímpetos moralizadores na área pública que nascem como resposta a denúncias de escândalos são muitas vezes sepultados assim que a indignação dos cidadãos arrefece, por falta de fatos novos. Isso certamente pode acontecer com o escândalo das passagens e outras mordomias. Mas a denúncia da farra das viagens não é tempo perdido nem hipocrisia, como Lula chegou a dizer. Há esperança de que um certo grau de moralização pode estar vindo por aí. Apesar das opiniões do presidente a respeito. |
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