"Quem quer ser um milionário?" é um filme obrigatório por vários motivos, não só porque ganhou o Oscar, e se torna ainda mais chocante se você está num voo para Dubai e para a própria Índia, o que potencializa o desconforto. Mas o pior foi uma imagem fixa, obsessiva, competindo com as cenas de crianças em bueiros de fezes, com os olhos queimados por azeite fervente ou assistindo ao assassinato brutal da própria mãe. Mais que uma imagem, uma paisagem paulistana: um menino de 7, 8 anos, largado numa calçada do largo do Arouche, entre restaurantes finos, hotéis razoáveis, loja de flores. No Brasil, como na Índia. Era quarta-feira, e ele estava ali, com os ossinhos aparentes das costelas, corpo imundo, crostas nos pés descalços, cor indefinida, cabelos indescritíveis. Dormia profundamente, apesar do sol forte, do trânsito intenso e das pessoas apressadas às 13, 14, 15 horas. Jamal, do filme, cresce entre dejetos, fugindo da polícia quando criança e sendo torturado por ela já adulto. Mas sobrevive. O nosso Jamal, o da vida, cresce como dejeto, abandonado pelo Estado e por toda a gente. O quanto viverá? Jamal, do filme, dá golpes em turistas, rouba tênis e carteiras e acaba virando um bom moço milionário e dançando com a moça que esperou a vida inteira, como nos contos de fada. Mas o nosso Jamal, o da vida, terá sorte se repetir o irmão do Jamal do filme, que queima o rosto de um agressor, mata a tiros um outro e vira assassino profissional até quando dá. Como o bandido das nossas favelas, valente aos 16 e presunto aos 20. No filme, o protagonista é bonzinho, apaixonado e sonhador com direito a final feliz. Mas o melhor personagem, por mais real, é o irmão capaz de qualquer coisa para sobreviver. Matar ou morrer. Matar até morrer. Como morrerão os nossos pequeninos coadjuvantes jogados às ruas, ao sol, à indiferença. Sem nenhuma chance |
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