Ele transformou a impunidade em discurso, em plataforma
O Brasil tem uma dívida com o deputado Edmar Moreira. Não do mesmo tipo dos débitos que o parlamentar tem com o Brasil, é verdade. Ele deve à Previdência Social, por contribuições recolhidas de seus empregados e nunca repassadas ao Tesouro Nacional. Nós temos com ele uma dívida de gratidão. Ao tentar alçar um voo mais alto e eleger-se corregedor da Câmara dos Deputados, ele nos ofereceu uma chance rara de ver como funcionam as engrenagens do corporativismo no Congresso brasileiro. O tipo de coisa que os políticos tentam manter embaixo do tapete e só aparece quando alguém faz besteira. Como o deputado Edmar.
O parlamentar faz parte de uma categoria relativamente comum no Congresso, a combinação de empresário e político. Também está longe de ser uma aberração que os negócios registrem problemas com o Fisco ou que suas empresas tenham contratos com o setor público. A diferença, no caso dele, está na proporção. Edmar Moreira é um exagerado. Para ostentar riqueza, construiu um castelo no interior de Minas Gerais. “Um sonho de lugar”, como descreve a página do empreendimento na internet. Nunca ficou claro com que intenção ele ergueu a fortaleza. Se a ideia era fazer um hotel, um cassino ou simplesmente um monumento ao poder acumulado.
Edmar também é um exagerado nas declarações. Fez parte do Conselho de Ética da Câmara, no período em que a maioria dos réus do caso do mensalão foram absolvidos. A maior parte de seus pares atuou discretamente, salvando a pele dos colegas mas sem se expor à opinião pública. Não o deputado mineiro. Ele transformou a impunidade em discurso, em plataforma. Algo que pode não soar bem ao país, mas é música para os ouvidos dos parlamentares. Votou pela absolvição de nove dos acusados. Cinco deles do PT.
O deputado usufruiu do saldo de sua popularidade interna ao concorrer à Segunda Vice-Presidência da Câmara, cargo que equivale ao de corregedor da Casa. Justamente o encarregado de denunciar colegas envolvidos em malfeitorias. Rejeitado pelo seu partido, o DEM, lançou-se como candidato avulso. Obteve 283 votos. Para se ter uma ideia do que isso significa, Michel Temer (PMDB-SP), que concorreu à Presidência com o apoio de 14 partidos, do Palácio do Planalto e da oposição, teve 304.
Ninguém imagina que os parlamentares votaram por desconhecimento. Que não soubessem dos rolos com a Previdência Social. Essas histórias já circulavam pelo Congresso. Eles votaram em Edmar por quem ele é. O escolheram para o cargo com a firme confiança de que ele pensaria 20 vezes antes de encaminhar o nome de um colega para o Conselho de Ética. Eleito, o exagerado Edmar não se conteve. Lançou, no mesmo dia, a proposta de que o Congresso parasse de julgar seus integrantes. Se alguém tivesse de responder a processos, que fosse apenas na Justiça, onde os julgamentos se arrastam por anos.
Nesse momento, sem saber, ele começava a dar sua contribuição ao país. A desfaçatez das declarações fez com que o deputado se destacasse entre os colegas da Mesa Diretora da Câmara. Entrou na mira da imprensa. Não demorou para que o jornal Estado de Minas apresentasse ao país as fotos de seu castelo. O efeito foi fulminante. Submetido ao exame do país, Edmar desmoronou. No início, tentou salvar-se com a mesma tática usada pelos colegas que ajudou a escapar no Conselho de Ética. Primeiro, deu uma entrevista na qual jurou que o Castelo não era dele, porque o repassara aos filhos. Logo depois, enchia a boca, para descrever o local como “minha propriedade”. Alegou que não estava sob julgamento, mas não resistiu. Entregou a corregedoria para tentar salvar o mandato. Afinal, sabe-se lá. O próximo corregedor pode não ser tão camarada. E a turma do Conselho, não necessariamente tão solidária.
O DEM vestiu-se com a roupa da moralidade e da indignação. Lembrou que o deputado costuma votar contra o partido e a favor do governo Lula. Fez questão de dizer que ele não era o candidato da bancada à corregedoria. Deixou de lado um detalhe constrangedor. Edmar entrou no partido em 2005, quando ele ainda se chamava PFL. Na época, estava em seu terceiro mandato e já ia para a quinta sigla. O castelo já existia. As dívidas com o fisco também. Mesmo assim, entrou como convidado na legenda que hoje se indigna com sua existência.
O grande mérito de Edmar foi colocar luz sobre questões como essa. Eu sei que ele não queria, mas mesmo assim, é de bom tom agradecer. Obrigado, deputado Edmar. |
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