Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal criou jurisprudência, ou algo parecido, sobre o momento em que uma condenação à prisão começa a ser cumprida. Decidiu que, mesmo depois de uma sentença ser ratificada em segunda instância, os réus ficam em liberdade enquanto recorrem a tribunais superiores.
À primeira vista, parece óbvio. Existe a presunção de inocência até que a Justiça dê sua palavra final. Mas não é bem assim. Só tem acesso ao retardamento da decisão definitiva um grupo de cidadãos bastante limitado. São aqueles com recursos - ou seja, muita grana - para financiar o apelo a todos os níveis do Judiciário.
Na prática, o réu miserável tem direito a assistência gratuita apenas na primeira instância. E o cidadão remediado precisa hipotecar a alma para recorrer à segunda. Dali não passa.
Mas quem tem fortuna sólida - em muitos casos, graças aos crimes de que é acusado -- encontra aliado poderoso na lentidão do sistema judiciário.
O processo que provocou a decisão do STF é bom exemplo: trata-se de um fazendeiro condenado a sete anos e meio de prisão por tentativa de homicídio duplamente qualificada. Ele está em casa desde 2004, graças a uma decisão liminar - ou seja, provisória - de um ministro do tribunal. E vai continuar no bem-bom até que o tribunal arrume tempo para decidir o seu destino.
Nenhum membro do STF ignora que essa lentidão de lesma cansada funciona unicamente a favor do réu endinheirado.
Alguns ministros, que criticaram a decisão da maioria, deixaram isso bem claro. "Estamos criando um sistema penal de faz-de-conta", disse Joaquim Barbosa. E Ellen Gracie definiu como inconcebível a tese de que a prisão só deve ocorrer depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso.
Palpite de leigo: não seria possível especificar casos em que é justa a liberdade antes da condenação definitiva? Posso estar propondo uma heresia jurídica, mas, por exemplo, não dava para tratar de forma diferente o réu do crime passional e o acusado de latrocínio? O ladrão de galinha e o ladrão de bilhão?
Palpites à parte, é sintomático que a decisão do STF tenha sido recebida com palmas dos advogados e críticas de representantes de promotores e juízes.
O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República definiu-a como um "instrumento a mais para a impunidade". O da Associação dos Juízes Federais do Brasil condenou "um sistema insano em que nunca se chega a uma condenação definitiva". O próprio presidente da Ordem dos Advogados - que considerou a decisão "correta no mérito" - lembrou a necessidade de reformas urgentes para aumentar a rapidez dos julgamentos.
Resumindo, até quem apoiou a medida reconhece que sozinha ela não fica em pé. Seria coerente e justa apenas se existisse dentro de um sistema de agilidade impecável e minimamente afetado pelos recursos financeiros dos réus.
Enquanto essa agilidade não existir, o sistema judiciário brasileiro continuará torto: implicitamente generoso com poucos, friamente implacável com a maioria. |
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