Em 2005, a Agência Nacional de Energia Elétrica, Aneel, deu prazo de 180 dias para que a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA, empresa pertencente ao governo estadual) apresentasse um plano de recuperação. Motivo: a CEA estava quebrada e tecnicamente irregular.
Muito depois do prazo, em 2007, nada tendo acontecido, a diretoria da Aneel propôs ao Ministério de Minas e Energia a caducidade da concessão da CEA. Com isso, a concessão voltaria ao governo federal, que deveria licitá-la novamente.
A CEA devia nada menos que R$338 milhões à Eletronorte, estatal federal da qual compra a energia, e mais R$230 milhões em tributos e contribuições sociais. Além disso, não cobrava a energia entregue a prefeituras, órgãos públicos e clientes especiais.
Acontece que o Ministério de Minas e Energia e a presidência da Eletronorte, há muitos anos, pertencem ao senador José Sarney, maranhense eleito pelo Amapá. Ao saber da posição da Aneel, Sarney foi ao encontro do presidente Lula e resolveu a parada.
Em notícias e artigos no Diário do Amapá, Sarney disse ter a garantia de Lula de que a CEA não seria privatizada, nem perderia a concessão. Disse que Lula "mandou" o ministro de Minas formar uma comissão para solucionar os problemas "politicamente". Nada de tratar o assunto como "questão apenas contábil" ou com "concepção monetarista". Tudo seria resolvido com base na "função social da estatal", que não pode se preocupar apenas com o lucro. (E nem com o prejuízo, acrescentamos nós, quando tratamos do assunto, em julho de 2007.)
Saltemos para fevereiro de 2009. Sarney continua mandando no setor e nada mudou. Quer dizer, hoje a CEA já deve R$546 milhões só para a Eletronorte e há um novo problema: o programa Luz para Todos está interrompido no Amapá. Ocorre que o programa depende de dinheiro federal, mas a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o governo de financiar uma estatal inadimplente. Além do mais, a Aneel já enviou outra recomendação de caducidade da concessão.
Mas o que é a lei para Sarney e o pessoal do PMDB? Já estão em movimentação para arranjar R$150 milhões novinhos para o programa. Portanto, caro ou cara contribuinte que efetivamente paga seus tributos, prepare seu bolso. Toda vez que ouvir falar em solução política, pode sacar a carteira.
Essa argumentação - segundo a qual o social prevalece sobre o econômico - é, na verdade, um expediente para passar a conta para o contribuinte do lado. A energia pode ser, como diz Sarney, "condição fundamental para vida civilizada", não devendo ser considerada "apenas uma commodity".
O.k., mas, sendo isso, sai de graça?
Sendo óbvio que não, a verdadeira questão é outra: quem vai pagar a conta? No caso, Sarney e seu pessoal querem empurrar a conta para o governo federal, a viúva, que vive do dinheiro dos contribuintes. Mais claro ainda: o consumidor de energia elétrica do Amapá manda a conta para o contribuinte nacional.
Isso exige outra argumentação social: o Amapá é pobre, precisa do apoio do resto da nação. Ocorre que outros estados também são pobres e, ademais, há pobres nos estados ricos. A pretexto de atender todos esses clientes do estado, aumentam-se o gasto público e, claro, os impostos.
No final dessa história, temos uma carga tributária que tira a competitividade das empresas formais - aquelas desgraçadas monetaristas, que vivem para o lucro e assim conseguem pagar a conta, a dela e a dos outros. De quebra, temos um conjunto de estatais a serviço dos políticos - de determinados políticos.
Eis por que uma economia estável e equilibrada depende de marcos regulatórios firmes e, em seguida, de agências independentes capazes de implementar as regras. Desde seu início, o governo Lula manifestou seu desagrado com esse sistema. A tese era que o governo eleito perdia poder político.
Acabarão arranjando um meio de dar mais dinheiro para a CEA. Afinal, é pouca coisa. Ainda nesta semana, o presidente Lula refinanciou uma dívida de R$14 bilhões que prefeituras tinham com o INSS, sob o argumento de que o prefeito atual não pode ser engessado pela dívida do antecessor. O que significa dizer aos atuais que não precisam pagar suas contas.
É fazer política com o dinheiro dos outros. |
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