quinta-feira, setembro 08, 2016

O saneamento que avança - CELSO MING

ESTADÃO - 08/09

A recuperação da Petrobrás está sendo encaminhada pela diretoria; depende agora de decisões do governo federal



A Petrobrás deverá fechar nesta semana a venda de até 90% de participação de uma de suas malhas de gasodutos, a Nova Transportadora do Sudeste (NTS), para um fundo de capitais canadenses, o Brookfield. A operação deverá alcançar US$ 5,9 bilhões (cerca de R$ 19 bilhões), que faz parte de seu plano de venda de ativos.

A NTS tem grande interesse econômico na medida em que é por seus mais de 2,5 mil quilômetros de gasodutos que se escoa a maior parte da produção de gás natural do Brasil.

A meta deste ano é desfazer-se de US$ 15,1 bilhões. Já foram vendidas participações na Argentina e no Chile e 66% dos direitos à exploração e produção do Campo de Carcará à estatal norueguesa Statoil, por US$ 4,6 bilhões. A Petrobrás também negocia a venda de sua participação na Companhia Petroquímica de Pernambuco para a mexicana Alpek.

A novidade indica que está andando o programa de ajuste da Petrobrás cujo objetivo é tornar sustentável a dívida líquida de R$ 332,4 bilhões (balanço de 30 de junho), a maior de uma empresa no mundo. Nas próximas etapas deve ser negociada a transferência dos ativos da malha Nordeste de gasodutos (Nova Transportadora do Nordeste), da Transpetro e da BR Distribuidora.

A gritaria dos sindicatos e associações corporativas contra essas vendas deve aumentar. Protestam contra o que chamam de privatização fatiada da Petrobrás, mas até agora não se opuseram nem sequer protestaram contra a megaoperação de corrupção e de saques dos ativos da Petrobrás montada e mantida ao longo dos governos do PT.

O saneamento das finanças da Petrobrás começou com o reconhecimento de perdas (impairments) de R$ 44,6 bilhões no balanço de 2014, que se estenderam nos balanços seguintes . A diretoria vem reescalonando o vencimento de parcelas da dívida, colocou em marcha o seu programa de desenvestimento e está negociando um amplo programa de demissões voluntárias que alcança 12 mil funcionários.

A recuperação da Petrobrás começou com a administração de Aldemir Bendine em 2015 e se aprofunda agora com a de Pedro Parente, que está fazendo sua parte. Depende agora de decisões do governo federal.

O projeto de lei de autoria do então senador José Serra, que flexibiliza a exigência de que a Petrobrás entre com pelo menos 30% dos recursos de exploração de áreas do pré-sal e seja a única operadora, tem agora de passar pela Câmara. Por meio dele será possível amealhar mais capitais para a produção do pré-sal.

O governo terá, também, de agilizar o leilão de novas áreas e fechar negociação de projetos de unitização (que englobam jazidas que avançam para além das áreas sob concessão). Para deixar a Petrobrás em condições operacionais plenas, a União terá também de fechar definitivamente os contratos de cessão onerosa que darão as condições para produção nas áreas concedidas em 2010 por ocasião do aumento de capital da empresa.

A solução de problemas do setor de petróleo é a chave para a retomada do crescimento econômico e para o aumento do emprego. O governo Temer não pode vacilar nesse campo.

CONFIRA:

Bora e Fora
Se não é fácil emplacar o Bora Temer, também é tremendamente complicado o Fora Temer. No caso do Fora Temer, o que contaria seriam as Diretas Já, ou seja, a escolha de um presidente por eleição direta. Mas, para isso, seria necessário que, até o fim deste ano, fosse convocada eleição.

Com que instrumento?
São apenas dois os instrumentos disponíveis: o plebiscito, que exigiria aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), ou, ainda, outra PEC que decidisse a convocação de eleição direta. Uma PEC, já se sabe, teria tramitação complicada: aprovação pelas duas Casas do Congresso, em dois turnos, por 3/5 dos votos. Mais ainda, isso levaria tempo.

Indireta
Se for depois (a partir de janeiro), por dispositivo constitucional a eleição de um novo presidente teria de ser indireta pelos mesmos políticos que tiraram a Dilma. Mas, afinal, tanto contorcionismo político-eleitoral para escolher um novo presidente apenas para um mandato-tampão, de pouco mais um ano?

Os erros de cada lado - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 08/09

A saída de Dilma resolve um problema do PT. É muito mais fácil fazer manifestação contra do que a favor, até porque é indefensável um governo como o de Dilma. A truculência da polícia paulista dá ao PT o argumento definitivo para sustentar a “narrativa” de que há no país uma luta entre democratas e golpistas. A atitude do governo Temer de subestimar os protestos completa a festa petista.

Os atos radicais dos black blocks não legitimam o comportamento da polícia paulista que, entra secretário, sai secretário, só consegue ir para a rua se for para, a certa altura, bater em quem vê pela frente. Em outros estados, também há relatos de violência policial desnecessária, mas em São Paulo são mais frequentes. São incontáveis os jornalistas que já sofreram nas mãos de policiais, mesmo exibindo os seus crachás de imprensa brasileira ou estrangeira. Haver um grupo desordeiro em um protesto não justifica a reação violenta contra todos. O Estado tem o poder de polícia para usá-lo na defesa do cidadão, e não o contrário. Um coronel achar engraçado uma jovem de 19 anos perder a visão de um dos olhos é revoltante.

O MST foi para a rua contra a reforma da Previdência afirmando que ela trará prejuízo para os trabalhadores e nada disse sobre o fato de que trabalhadores e aposentados das estatais estavam sendo roubados pelo governo que acaba de cair. É notável também o silêncio da CUT diante das revelações da Operação Greenfield. Que parte o MST e a CUT não entenderam? Vale talvez explicar de novo: dirigentes de fundos de pensão, nomeados pelo Partido dos Trabalhadores, em cumplicidade com grandes empresários, roubaram o patrimônio dos trabalhadores e dos aposentados das estatais. Simples assim.

Uma crise é uma crise é uma crise. Nela, o mau humor das pessoas fica em alta porque a compra mensal é mais cara a cada mês, os empregos somem, as empresas quebram, os empréstimos são negados, o lazer não cabe no orçamento, o futuro se torna sombrio. Neste ambiente, aumenta a raiva. Contra quem? O governo, ora. É disso que o PT escapou com a transformação de Dilma Rousseff em ex-presidente. Quando ela pegou seu avião e despachou seus quatro caminhões para o Rio Grande do Sul estava resolvendo um problema que parecia insolúvel. Seu governo criou uma crise de grandes dimensões, mas poderá agora dizer que tudo é culpa daqueles que supostamente usurparam o poder.

O governo Temer não é aquele pelo qual alguém se disponha a ir para a rua em defesa. Os milhões que se vestiram de verde e amarelo e cantaram o hino nacional nas ruas do Brasil várias vezes desde 2013 estavam contra o governo de então, o PT, a corrupção, a crise econômica. Não voltariam às ruas para gritar “Bora Temer”. Podem ser chamados a voltar apenas para mostrar mais uma vez que são contra o PT e suas práticas, mas agora, que o partido está fora do Planalto, há muito menos interesse.

O pior que o governo Temer pode fazer ele já fez: subestimar manifestação. A política ensina que simplesmente não se faz isso. Antes, a máquina governista, os sindicatos e movimentos financiados pelo governo tinham que ser mobilizados para defender Dilma. Agora é mais fácil conseguir a adesão de quem não tem nada com isso, apenas está irritado com o ambiente hostil da economia. Se o governo diz que só há 40 pessoas nos protestos, e a polícia paulista comete seus costumeiros excessos, fica ainda mais fácil convencer os jovens de que eles vivem uma luta de resistência heroica, como a do passado.

A recessão continuará colhendo suas vítimas nos próximos meses e a melhora será lenta porque a economia afundou demais durante o governo Dilma. Quem herda o governo, paga o preço. Adiantará pouco Temer dizer que está cortando em programas sociais porque o dinheiro do orçamento é curto e mostrar que os cortes haviam começado no tempo da sua antecessora. A verdade é a primeira vítima em época de radicalização.

Os petistas perderam, na saída do poder, as muitas sondas pelas quais extraíram dinheiro do Estado, das estatais, dos fundos de pensão para se financiar e encher muitos bolsos. Mas estão na confortável situação de jogar pedras contra as vidraças nas quais eles estavam até recentemente e criticar a crise que eles mesmos criaram.

Frio de morte nas importações - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 08/09

Frio de morte nas importações indica ainda recessão profunda; para piorar, real sobe



Despioras mínimas à parte, a economia brasileira ainda está em coma, apesar das piscadelas recentes, sinais de uma possível volta à vida. Pelo termômetro do comércio exterior, faz um frio de morte, o mais gelado de que se tem registro comparável, em cerca de 60 anos.

Para piorar, o custo dos produtos brasileiros "em dólar" cresce desde o início do ano, graças à combinação de real em alta e inflação, o que prejudica as exportações. Quando elas crescem mais do que as importações, o PIB cresce algo mais.


O real se valoriza na mesma onda das moedas de países sujeitos de modo semelhante às andanças do dinheiro grosso do mundo. Desde junho, uns 80% da valorização parecem se dever a fatores externos, digamos. No ano, uns 50%.

A fim de contrabalançar essa maré, seria preciso baixar juros, o que depende de ajuste fiscal, o de sempre. O Banco Central se desfaz rapidamente das intervenções (swaps) excessivas para conter a alta do dólar em anos passados. Deve zerá-las até o final do ano. Faz coceira no câmbio.

O comércio exterior vinha dando mãozinha considerável à economia. Evitava queda maior. Mas o estrago não se deve apenas à alta do real. O exportador lida com uma taxa de câmbio maluca, que vai de R$ 4 para R$ 3,20 em oito meses.

Alguns economistas fazem troça do lobby dos empresários em favor de um real desvalorizado. Para o industrial brasileiro, diz a piada, o real está sempre 30% mais caro do que deveria.

Decerto é uma solução mais fácil e rápida para ganhar competitividade do que aumento de eficiência. Mas é besteira não se preocupar com esse preço, óbvio, e suas variações excessivas –com a volatilidade da taxa de câmbio.

Quando o real se desvaloriza, empresários podem dar desconto para ganhar clientes e mercados no exterior. Mas, se a moeda volta a se valorizar rápido demais, a empresa perde rentabilidade. O exportador se retrai, desiste de organizar o empreendimento para vender mais no exterior. Difícil trabalhar assim.

Seja qual for o problema, preços, câmbio, produtividade ou qualidade, vai caindo a participação do país no comércio mundial, que tem crescido muito devagar, mas cresce.

O comércio exterior do Brasil ainda está em colapso. O valor das exportações cai ainda mais de 9% ao ano (chegou a cair quase 18%, em setembro de 2015). Mas é nas importações que se nota o quanto a economia ainda vegeta no sono das profundas das recessões.

O valor total das importações cai em ritmo acelerado: baixou mais de 30% nos últimos 12 meses. Apesar de tímida melhora no início do ano, a queda na importação de bens de capital (máquinas, equipamentos etc.) é de 27%. Matérias-primas e bens de capital levam 70% do valor das compras: importamos para produzir mais e melhor. Colapso na importação é, claro, sinal de desgraça.

De colapso se trata, tanto em termos de volume como do valor das importações. Houve outros, em geral associados a desgraças ou traumas políticos e econômicos: 1964-65, início da ditadura militar; 1981-85, grandes desvalorizações e recessões do final da ditadura; na desvalorização do real de 1999; na transição de 2002-2003.

Nada, porém, se compara ao choque de agora nas importações.


Corrupção miúda, roubo graúdo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 08/09

No governo em geral e nas estatais, soma de roubo e incompetência resulta do aparelhamento promovido nas gestões de Lula e Dilma


Havia desde muito uma desconfiança de que era exagerado o gasto do INSS com auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. A direção do órgão resolveu fazer um teste em Jundiaí, cidade no interior de São Paulo. Resultado: metade desses benefícios foi cancelada. Os beneficiários podiam, sim, trabalhar. Estavam apenas “encostados na caixa”, como se dizia antigamente.

Essa notícia saiu no mesmo dia em que a Polícia Federal e o Ministério Público desfechavam a Operação Greenfield, para apurar roubos nos quatro maiores fundos de pensão de estatais. Neste caso, há suspeita inicial de desvio de R$ 8 bilhões

Já no caso do INSS, parece dinheiro pequeno. Benefícios de um salário mínimo, dois, três mil reais mensais, se tanto.

Nos dois casos, porém, nos pequenos e nos grandes desvios de dinheiro público, a história tem a mesma origem: uma combinação de fraudes e má gestão. Foi assim também no caso da Petrobras e das demais estatais quebradas, como a Eletrobras: roubo e pouco caso com o dinheiro dos outros.

A gente até pode entender o dilema pessoal de um médico-perito do INSS, bem intencionado. Ele sabe que a pessoa pode trabalhar, mas, caramba, são apenas R$ 800, nada para o governo, uma baita ajuda para o beneficiário.

Mas, guardadas as proporções, enormes, e ainda no campo das boas intenções, é parecida a situação do gestor de um fundo de pensão que arrisca um bilhão de reais numa ação de rentabilidade duvidosa.

O que há por trás disso, antes de se falar em corrupção? A falta do “sentido da coisa pública”. O cliente do INSS acha que não tem nada demais cavar um auxílio-doença. O médico, apressado, com uma fila enorme para atender, vacila, mas, vá lá.

O operador do mercado financeiro acha que não tem nada demais cavar um bilhãozinho com o colega gestor de um fundo estatal para turbinar uma ação de terceira. O gestor vacila — mas quem sabe dá certo, não é mesmo?

Está aí o ambiente perfeito para o desenvolvimento da corrupção. Se não tem responsabilidade pública, se a gestão é frouxa, se parece que ninguém está ligando a mínima, por que não botar a mão na grana de verdade? Tudo considerado, dá numa enorme subtração de dinheiro público.

O INSS gasta mensalmente pouco mais de R$ 1 bilhão com auxílio-doença pago há mais de dois anos e R$ 3,6 bilhões com aposentadoria por invalidez também por mais de dois anos. Ora, se metade disso está irregular, como se verificou em Jundiaí, pode-se chegar a uma economia de R$ 2,3 bilhões/mês. O déficit mensal do INSS, neste ano, está na casa dos R$ 10 bilhões, de maneira que seria expressivo o ganho com o cancelamento dos benefícios irregulares.

Na história dos grandes fundos de pensão (Petros, dos funcionários da Petrobras; Previ, do Banco do Brasil; Postalis, dos Correios; e Funcef, da Caixa), a fraude inicialmente estimada chega a R$ 8 bilhões. Mas o rombo dessas quatro instituições investigadas está em torno dos R$ 50 bilhões.

Aqui, como no governo em geral e nas estatais em particular, essa soma de roubo e incompetência resulta do aparelhamento promovido nas gestões de Lula e Dilma. E não apenas o aparelhamento do PT, mas a entrega de pedaços da administração para os partidos aliados e para os capitalistas amigos.

O discurso do PT sustenta que as elites deram um golpe para acabar com os direitos do povão. Mas a LavaJato e seus similares estão apanhando expressivos representantes das elites antes amigas e beneficiárias do governo. E não se pode dizer que cancelar benefícios irregulares seja tirar direitos.

Por outro lado, entende-se por que tanta gente quer melar as investigações. A corrupção espalhou-se dos pequenos aos grandes negócios.

Ainda nesta semana, no mesmo pacote da avacalhação nacional, o Tribunal de Contas da União encontrou indícios de irregularidades em um terço das doações feitas por pessoas físicas para as eleições de outubro. Casos mais frequentes: mortos e beneficiários do Bolsa Família doando dinheiro vivo.

Costuma-se dizer pelo interior, a respeito de empreitadas que acertam todas: cada enxadada, uma minhoca. Pode-se dizer na era tecnológica: cada cruzamento de dados, uma corrupção.

Por isso que não é nem pouco exagerada a proposta de legislação anticorrupção apresentada pelo Ministério Público. Exagerada foi a roubalheira.

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Contra vento e maré, as reformas prosseguem - RICARDO VÉLEZ RODRIGUEZ

ESTADÃO - 08/09

O desmonte da era lulopetista completa-se com a efetivação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em que pesem os protestos da militância, que só revelam a sua capacidade de fazer barulho e de depredar bens públicos e privados, configurando um caso de polícia.

Mas a decisão está tomada e foi sacramentada conforme o rito prescrito pela legislação em vigor. Apesar da inoportuna e monocrática “pedalada togada” do ministro Ricardo Lewandowski – que presidiu a memorável sessão do Senado Federal em 31 de agosto. Que decerto será corrigida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já provocado por várias ações que questionam o fatiamento hermenêutico do artigo 52 da Constituição, que reza: “Compete privativamente ao Senado Federal: I – Processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República nos crimes de responsabilidade (...). Parágrafo único. (...) funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que só será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício da função pública (...)”.

Consolida-se, assim, a nova etapa para o desenvolvimento da sociedade brasileira, que abarca duas exigências preliminares. Em primeiro lugar, o afastamento definitivo do governo e do Estado das práticas sistemáticas de corrupção, que tornaram inviável o governo de Dilma e a gestão petista em geral. Em segundo lugar, o abandono do modelo estatizante que foi posto em marcha pelo PT ao longo dos últimos anos e constituiu evidente retrocesso quanto à escolha do caminho que deveria ser seguido para o desenvolvimento do País.

O estatismo ao redor da hipertrofia do Executivo e da escolha de “campeões de bilheteria” entre os empresários que se chegaram à mesa do poder (que fora também a característica marcante do modelo econômico posto em marcha no governo do general Ernesto Geisel) era um caminho que já tinha sido abandonado quando o País efetivou, no final da administração de Itamar Franco e nos governos de Fernando Henrique Cardoso, o combate à inflação e o saneamento das contas públicas, medidas que foram postas em prática ao ensejo da adoção do Plano Real.

O PT pareceu dar continuidade, em 2003, a essa política, mas, como todos sabemos, o caminho assinalado pela Carta ao Povo Brasileiro foi sendo abandonado progressivamente a partir do mensalão, tendo-se agravado a índole estatizante do modelo nos governos de Dilma Rousseff, em decorrência das distorções criadas na economia pela prática sistemática da corrupção, desvendada e combatida pela Operação Lava Jato. O PT comprometeu a durabilidade das suas propostas de desenvolvimento ao adotar o esdrúxulo sistema de arrecadação de fundos proveniente do saque sistemático das empresas estatais, para financiar a hegemonia partidária e a permanência indefinida do partido do governo no poder, contrariando a prática sadia da alternância que parecia ter sido aceita quando da chegada de Lula ao poder.

As coisas tornaram-se insustentáveis com a série de decisões erráticas no terreno econômico e no plano político, dada a ausência de abertura de Dilma na tomada de decisões, o que a indispôs com sua base aliada e com o Congresso em geral. O impeachment, não apenas pelas “pedaladas fiscais”, mas também pelo que se denominou “conjunto da obra”, era questão de tempo.

O governo do presidente Michel Temer consolida-se, assim, como escolha adotada pelo povo brasileiro, a partir da decisão soberana e constitucional do Senado no passado dia 31. Agora é tempo de pôr em prática a rota traçada, que visa a sanear a economia dos entraves estatizantes colocados pela gestão petista e se dirige, também, a elevar a credibilidade do Brasil no plano internacional, a fim de atrair investidores. O País precisa avançar célere nas reformas propostas na fase de interinidade do atual governo, que se situam, no meu entender, ao redor de cinco grandes exigências: 1) Aprovação do limite para o gasto público; 2) adoção da reforma previdenciária; 3) efetivação da reforma trabalhista, com vista a destravar a economia e tornar possível a rápida geração de empregos; 4) avanço numa reforma política que garanta o aperfeiçoamento da representação e o aumento da credibilidade do nosso Legislativo; e 5) aceleração das reformas necessárias para melhorar a infraestrutura do País, seriamente comprometida por décadas de descaso. A retomada das privatizações apresenta-se, aqui, como medida essencial, que ajudará a financiar o atendimento à melhoria da infraestrutura.

O vento e a maré das manifestações dos insatisfeitos com a saída de Dilma da Presidência não poderão comprometer as expectativas dos brasileiros nesta importante quadra da nossa História. Compete ao PT se situar, dentro da legalidade, na sua condição de partido de oposição, renunciando à prática do anarquismo e da arruaça sistemática, que o empurrarão para a ilegalidade.

O primeiro passo nos novos tempos já foi dado pelos países que se fizeram presentes na reunião do G-20 na China, quando reconheceram a legitimidade do novo governo e passaram a negociar com o presidente Temer as urgentes medidas que alavancarão a economia mundial nos próximos anos.

O Supremo Tribunal Federal, ao abordar, nos próximos dias, a questão do fatiamento do artigo 52 da Constituição dará o segundo passo, ao garantir a segurança jurídica das nossas instituições e consolidar definitivamente a decisão do impeachment com as exigências legais que a acompanham. Os nossos magistrados saberão tomar a decisão correta, como, de fato, já tomaram no caso de outras de igual vulto em circunstâncias anteriores.

Pela porta dos fundos - DEMÉTRIO MAGNOLI

O GLOBO - 08/09

A China que flexiona seus músculos nos mares do Oriente, atemorizando seus vizinhos, parece uma potência insatisfeita



Na tarde de sábado passado, Barack Obama desembarcou pela porta dos fundos do Air Force One na capital provincial chinesa de Hangzhou para a reunião de cúpula do G-20. Logo circulou, a partir da imprensa americana, a narrativa de uma afronta milimetricamente calculada pelo governo chinês de Xi Jinping. Exceto em lugares sujeitos a prementes restrições de segurança, o presidente dos EUA costuma assomar pela porta da frente da aeronave, acenando de cima de uma escada móvel.

Desta vez, os chineses teriam recusado o aparato, impondo o uso da escada do próprio avião para reduzir o líder da superpotência à estatura de um visitante comum. A história verdadeira é um tanto nebulosa, muito menos brutal — mas, paradoxalmente, ainda mais reveladora da tensão que marca a ascensão da China numa ordem mundial edificada pelos EUA.

Em Hangzhou, as autoridades chinesas mantiveram os jornalistas credenciados pela Casa Branca distantes da aeronave presidencial. O gesto áspero foi interpretado pelos jornalistas no contexto do incomum desembarque de Obama — e, daí, surgiu a narrativa da afronta. De fato, os chineses rejeitaram a solicitação americana de que a operação da escada fosse supervisionada por oficiais militares da comitiva do presidente, entregando-a aos cuidados de aeroportuários que não entendem inglês. A segurança de Obama reagiu, decidindo que o presidente usaria a porta traseira. Tarde demais, após a aterrissagem, os chineses recuaram, admitindo a presença dos oficiais americanos.

“É o nosso aeroporto, no nosso país”, exclamou uma autoridade local. “Elegante como sempre, China”, replicou um tuíte irônico, devidamente eliminado em poucos minutos, no site do Departamento da Defesa. Obama reclamou do tratamento dispensado aos jornalistas, invocando os “valores americanos”, mas minimizou o incidente, reconhecendo a carga para o anfitrião representada por uma comitiva presidencial americana, com seus “diversos aviões, helicópteros, automóveis e seguranças”. No fim, sobrou a cena estranha, junto com as frases perdidas no ar, fragmentos de um mundo em desordem.

O Japão e a Alemanha do início do século XX eram potências insatisfeitas, que ingressavam no sistema internacional arrombando portões. Os mesmos Japão e Alemanha derrotados em 1945 ascenderam na ordem ocidental da Guerra Fria como potências satisfeitas, aceitando suas instituições e regras em troca de um lugar ao sol. O que é, nesse quadro de referências, a China da aurora do século XXI?

A China que celebrou nas ruas, em meio a fogos de artifício, sua admissão à Organização Mundial de Comércio, em 2001, parecia uma potência satisfeita. Já a China que flexiona seus músculos nos mares do Oriente, atemorizando seus vizinhos, parece uma potência insatisfeita. Os rótulos polares simplificam uma equação complexa, pontilhada de ambiguidades. De um lado, o desenvolvimento chinês e sua estabilidade interna dependem da estrutura institucional que sustenta a globalização. De outro, o regime chinês não compartilha os valores das sociedades abertas e contesta aspectos relevantes do envelope geopolítico da “Pax Americana”.

O “nosso aeroporto”, no “nosso país”. O regime chinês apela ao curinga do nacionalismo desde que, na prática, descartou o maoísmo. Mas o recurso não é um expediente circunstancial, pois toca num nervo social profundo: a memória dos “tratados iníquos”, as intervenções estrangeiras que aceleraram o colapso do Império do Centro e se concluíram pela invasão japonesa. Ao contrário da antiga URSS, a China não tem um modelo político a exportar. Contudo, suas definições do interesse nacional transbordam do leito da economia, espraiando-se pelas várzeas estratégicas e militares. Na relação crucial com os EUA, a China toca as músicas contraditórias da parceria e da rivalidade. Xi Jinping pretendia estender um tapete vermelho para Obama, mas nos seus próprios termos.

Anos atrás, num seminário sobre segurança global, um alto funcionário australiano fez uma experiência com seus colegas americanos, pondo-lhes três questões sucessivas. “Os EUA devem tratar a China como uma potência igual se o poder chinês crescer até igualar-se ao dos EUA?”. Recebeu, invariavelmente, um “não” como réplica. “Nessa hipótese, a China aceitará algo menos que ser tratada como uma igual?”. Novamente, as respostas foram sempre “não”. “Então, como EUA e China conviverão?”. A terceira pergunta ficou sem respostas. O incidente menor na chegada de Obama a Hangzhou é uma evidência de que o sistema internacional navega por mares desconhecidos nessa transição sem precedentes históricos.

Há uma década, os dirigentes chineses cunharam a expressão “ascensão pacífica” para assegurar ao mundo que não contestam os fundamentos da ordem existente. Depois, a China engajou-se em programas de modernização militar, investindo em mísseis balísticos, no desenvolvimento de uma marinha oceânica e em tecnologias de comando, controle e comunicações. A reação do governo Obama veio sob a forma do “giro estratégico para a Ásia”, que abrange tanto a projetada Parceria Transpacífica (TPP), um mega-acordo de comércio e investimentos, quanto uma coleção de acordos de cooperação militar entre os EUA e os países da orla marítima chinesa.

“A diplomacia do sorriso chegou ao fim”, diagnosticou Richard Armitage, vice-secretário de Estado no governo de George W. Bush, um neoconservador americano que enxerga na China uma potência insatisfeita. Não é bem assim: o Obama que desembarcou pela porta dos fundos foi fotografado junto com um sorridente Xi Jinping quando ambos anunciaram a adesão simultânea dos EUA e da China ao Acordo do Clima de Paris. A única nota positiva de uma cúpula do G-20 marcada por tensões e discórdias resultou da ação daquilo que já vem sendo denominado G-2: a parceria entre a superpotência global e a potência asiática ascendente.

Demétrio Magnoli é sociólogo

Tudo pela negociação - CIDA DAMASCO

ESTADÃO - 08/09

O presidente Michel Temer desembarcou no Brasil, depois do encontro do G-20, no meio de um cabo de guerra em relação ao calendário mais indicado para pôr em marcha as reformas da Previdência e trabalhista, eleitas pelos empresários como prioritárias para destravar a economia. Uns querem que Temer se apresse, enquanto outros preferem que ele vá mais devagar. Tudo isso dentro de um cenário de turbulências ampliadas pela volta da oposição às ruas.

A decisão de encaminhar a proposta da Previdência antes das eleições, anunciada por Temer nesta semana, é resultado de pressões do PSDB, mercado financeiro e setor produtivo. Mas está sendo vista como algo mais simbólico do que efetivo, já que, durante a campanha, os parlamentares costumam fugir de temas polêmicos para não espantar eleitores. Não há nenhuma segurança de que a outra banda dos aliados, do próprio PMDB e do DEM, se empenhará para discutir e votar as reformas no menor tempo possível.

Nesse puxa-estica, fica encoberto o debate essencial sobre quais as mudanças que atendem a necessidades mais permanentes do País, e não apenas imposições do momento econômico. No caso da reforma trabalhista, essas nuances ficam ainda mais visíveis. É óbvio que a CLT, dos anos 40, não responde mais à realidade do mercado, sacudido pela revolução tecnológica. A questão é o que pôr no lugar da velha senhora CLT. O governo já se manifestou a favor de uma reforma que privilegie a livre negociação entre empregados e empregadores em lugar da rigidez da legislação. Mas essa premissa é muito pouco para definir como vão funcionar, na prática, as novas diretrizes. Ainda mais quando se leva em conta o desequilíbrio de forças entre empresas e trabalhadores, em tempos de recessão.

A própria Constituição já permite flexibilizar itens como jornada de trabalho, banco de horas e redução de salário - e isso tem aparecido, por exemplo, em acordos fechados pelas grandes montadoras com os sindicatos de metalúrgicos. Se vingar a proposta que circula no Planalto, a negociação poderia ir bem além, alcançando também benefícios como 13.º salário e férias, além do próprio FGTS. Há ainda a intenção de criar novas modalidades de contrato para jornadas parciais ou temporárias, com salários proporcionais.

Enquanto esse debate continua disperso, o governo decidiu acelerar a tramitação do projeto de terceirização, aprovado pela Câmara no início de 2015 e estacionado no Senado. O objetivo é entregar alguma coisa aos empresários, que insistem na urgência da redução dos custos trabalhistas. O projeto prevê a terceirização para qualquer tipo de atividade profissional - da chamada atividade-meio à atividade-fim.

Quem defende o projeto argumenta que as mudanças tecnológicas tornaram praticamente impossível separar atividade-fim de atividade-meio. Quem ataca diz que tudo vai acabar na precarização das relações de trabalho. Os dois lados têm suas razões, até porque o que importa não é se o trabalhador é ou não terceirizado, mas qual é o padrão de contratação da mão de obra.

Mais complexa fica a situação, diante da aparente insegurança do governo em assumir o alcance das mudanças. O próprio Temer prefere escapar da questão “manter ou não os direitos trabalhistas”, insistindo em que o objetivo da reforma é “criar empregos”. O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, já garantiu que os direitos não serão eliminados, mas “aprimorados”.

É inegável que ser mais explícito nesses temas pode incendiar o debate logo de saída. Afinal, enquanto fala em flexibilizar direitos trabalhistas, o governo continua enredado no imbróglio dos reajustes salariais prometidos aos ministros do Supremo Tribunal Federal, visto por muitos como mais um privilégio para o topo da pirâmide. Sempre resta o argumento de que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. A conferir se Temer e sua equipe terão condições de baixar a temperatura e organizar as negociações.

Próximo da cassação - MERVAL PEREIRA

O Globo - 08/09

Com 260 deputados federais declarando o voto pela cassação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, três a mais do que o número mínimo necessário, sua sorte parece estar selada inapelavelmente. Como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já disse que, ao contrário do que fez o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, vai deixar que o plenário decida sobre eventuais destaques ou emendas ao parecer favorável à cassação, tudo indica que não haverá espaço para que os defensores de Cunha encontrem uma brecha para alterar esse veredito.

Mas, como vimos na decisão de Lewandowski, nunca se sabe o que está para sair do bolso do colete de nossos representantes. A explicação repetida por assessores do STF e do Senado de que o presidente do Supremo apenas seguiu o que já havia feito na etapa anterior, isto é, acatar destaques, um direito de todo parlamentar ao analisar uma proposição, serve apenas para dar um ar de legalidade ao que foi uma manobra de bastidores combinada com bastante antecedência.

Se foram aceitos destaques no parecer do relator Antonio Anastasia na ocasião da pronúncia, não quer dizer que o presidente Lewandowski fosse obrigado a aceitá-los na fase final do julgamento, até mesmo porque ali se tratava de um texto da Constituição, e não de um parecer ou de uma proposição.

O raciocínio de Fernando Bandeira de Mello Filho, secretário‐geral da Mesa Diretora do Senado, explicitado no programa “Entre Aspas” de Mônica Waldvogel na GloboNews, de que a Lei do Impeachment de 1950 falava em duas penas, e não em uma como diz o artigo 52 da Constituição de 1988, é de um contorcionismo jurídico espantoso, pois nenhuma lei ou regimento interno está acima da Constituição. Essa parte da lei simplesmente não foi recepcionada pela Constituição.

Em seu parágrafo único, está expresso no artigo 52: “Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

Ele alega que esse “limitando-se a condenação” dá margem a que os juízes, ou seja, os senadores, fizessem uma dosimetria, aplicando apenas a perda do cargo, e não a inabilitação. Mas não é isso o que está escrito no artigo 52, pois a preposição “com”, como bem define o professor Evanildo Bechara da Academia Brasileira de Letras, um dos maiores gramáticos do país, estabelece uma relação de conjunto que não pode ser separada.

Seu sentido é fixado pela conjunção de todos os elementos que ela une. Como exemplo, ele lembra que a preposição “com” é mais forte do que “e” na ligação de dois elementos, coisas ou pessoas, e indica ação: corta-se o bolo com a faca. Sem a faca, o bolo não pode ser cortado, assim como a perda do cargo prevista na Constituição não pode se dar sem a inabilitação para a função pública.

No caso da cassação do mandato de um deputado, não existe a possibilidade, por maior que seja o contorcionismo, que seja aplicada uma pena mais branda, como querem seus defensores. A pena mais branda de suspensão, em vez da perda do mandato, simplesmente não está prevista no regimento, mas sempre é possível que, através de uma emenda ao parecer do relator, se tente a amenização do castigo.

A consequência da perda de mandato é tornar-se inelegível devido à Lei da Ficha Limpa. Já a pena de suspensão dará a Eduardo Cunha a chance de se candidatar novamente em 2018. O clima político não parece favorável a uma benevolência como essa, e o fato de que a maioria dos deputados federais consultados pelos jornais demonstrou disposição de estar em Brasília na próxima segunda-feira para cassar o mandato de Cunha indica que eles já sentiram em suas bases que qualquer outra atitude não será bem aceita pela sociedade.

Correção
Na coluna de ontem escrevi que uma maioria simples derrubou a inabilitação para função pública da presidente cassada Dilma Rousseff. Na verdade, a maioria votou pela inabilitação, como mandava a Constituição, mas como não foi alcançado o quórum de 2/3 de votos, Dilma foi liberada.


Os excessos do MPF - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 08/09

Com essa omissão, o MPF parece conceder imunidade aos manifestantes, como se eles não violassem a lei, o que as próprias imagens da televisão desmentem


Na terça-feira, dia 6, o Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, informou aos governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, que vai monitorar as próximas manifestações contra o governo de Michel Temer para averiguar a ocorrência de possíveis excessos na ação das polícias estaduais.

O ofício ao governador de São Paulo informa que “servidores e membros do Ministério Público Federal estarão coletando informações, imagens e áudios das manifestações e da conduta das forças policiais, com o objetivo de analisar se a atuação do Poder Público atende aos parâmetros nacionais e internacionais de uso moderado e proporcional da força pelo Estado, assim como estão sendo observadas as normas do devido processo legal pela polícia judiciária”.

Chama a atenção o fato de que o MPF admita apenas a existência de possíveis excessos na atuação da polícia. Por que não agir da mesma forma com os manifestantes? Com essa omissão, o MPF parece conceder imunidade aos manifestantes, como se eles não violassem a lei, o que as próprias imagens da televisão desmentem. Na semana passada, por exemplo, manifestantes contrários ao impeachment de Dilma Rousseff depredaram patrimônio público e privado, destruíram uma viatura da PM e bloquearam avenidas, transtornando o trânsito em amplas áreas da cidade. Nada disso, porém, parece importar ao MPF. Estaria ele interessado apenas nos direitos de uma das partes?

Os manifestantes parecem merecer do MPF ampla compreensão, como se as ações destes sempre se pautassem pelo respeito à ordem jurídica, o que não é exatamente o que ocorre, tendo em vista o histórico de violência de muitos deles. Já em relação à polícia, o MPF admite que pode haver excessos em sua atuação, o que o levou a propor um monitoramento preventivo para evitar abusos.

Essa desigualdade no tratamento do caso pelo MPF sugere a existência de preconceito incompatível com sua missão constitucional. O art. 127 da Carta Magna é expresso: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Como se vê, o MPF existe para defender a ordem jurídica e o regime democrático. Sua atuação deve primar, portanto, pela mais absoluta isenção. Toda vez que o Ministério Público assume previamente um posicionamento favorável a um dos lados, ele se põe fora de seus limites institucionais.

É o que pode estar acontecendo com a anunciada atuação preventiva do MPF nesse caso. Mais do que ninguém, o MPF deve saber que a lei e a democracia existem para a defesa dos direitos de todos os cidadãos, indistintamente. Vige no País o princípio da igualdade. Não se pode privilegiar a atuação de alguns em detrimento de outros. Tal modo de proceder é especialmente grave quando feito justamente por quem deveria zelar pela igualdade de todos perante a lei.

Ao pressupor que apenas os órgãos de segurança pública podem estar cometendo excessos, o MPF corre o risco de alimentar uma grave discriminação em relação a essas instituições públicas. Além de injusto – pois a imensa maioria dos policiais tem tão somente a meritória disposição de que a lei seja cumprida e se mantenha a paz –, esse comportamento pode levar à conclusão de que a violência praticada por alguns manifestantes é tolerável, como se ela fosse simplesmente uma proporcional reação a abusos policiais. Seria lastimável que a iniciativa do MPF tivesse como consequência conferir certo ar de legitimidade à violência de black blocs e companhia.

É mais que hora de agir com prudência, serenidade e isenção, dentro dos estritos limites da lei. Isso vale para todos – para a polícia, para os manifestantes e para o Ministério Público Federal.

Reformas impopulares - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - RS - 08/09

Mesmo contrariando parte de sua base parlamentar e até companheiros de governo, o presidente Michel Temer optou por encaminhar ao Congresso o projeto de reforma da Previdência até o final deste mês, resistindo à pressão de políticos e partidos que preferiam deixar a discussão do polêmico tema para depois das eleições municipais. Ainda que tenha tomado a decisão por exigência do PSDB e depois de sua assessoria de comunicação ter lembrado que ele próprio prometera encaminhar a PEC da Previdência antes das eleições, a decisão não deixa de ser acertada. O país já não suporta estelionatos eleitorais de candidatos que mudam de ideia depois de eleitos, ou de assumirem outros cargos, como é o caso do vice-presidente levado à Presidência pelo impeachment da antecessora.

Será um grande desafio para o governo Temer fazer passarem no Congresso duas medidas impopulares que vem anunciando como essenciais para o reequilíbrio das contas públicas: a PEC do Teto de Gastos e a reforma da Previdência. Ambas já vêm sofrendo críticas e boicotes por parte tanto dos opositores do novo governo, que torcem contra tudo o que for proposto por ele, quanto por parte de apoiadores temerosos de enfrentar o desgaste com suas bases eleitorais e também daqueles que serão diretamente atingidos pelas mudanças.

Agora mesmo, no momento em que anuncia o envio do projeto da Previdência, o governo provoca surpresa e contrariedade de um aliado importante, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que preferia deixar o exame do assunto para depois do pleito — e tem poderes para estabelecer o cronograma de tramitação da matéria.

Significa que o governo só conseguirá implementar as reformas de que o país necessita se conjugar diálogo e firmeza, pois certamente não conseguirá agradar a todos.

As elites do governo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 08/09

Não se questiona o direito dos funcionários públicos de lutar por reajustes, mas o governo age de forma irresponsável ao conceder aumentos como se tudo estivesse bem



A palavra “elite” – que nos dicionários significa “o que é mais valorizado e de melhor qualidade” – entrou para o imaginário popular pela boca de Lula e do PT com conotação negativa, em referência a grupos sociais detentores de privilégios e vantagens. É uma contrafação semântica, que serve a interesses eleitorais, mas não à realidade dos fatos. No sentido original da palavra, os atletas que ganharam medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro são a elite de seus respectivos esportes – ou seja, são os melhores.

Considerando a distribuição da renda nacional por classe, os ganhos salariais, a estabilidade do emprego e o valor das aposentadorias, as elites – no sentido dado por Lula e o PT – estão fortemente presentes em alguns segmentos do setor público. Segundo o IBGE, o desemprego atinge atualmente 11,5 milhões de pessoas, contra 5,1 milhões no fim de 2014. Sobre a cabeça de todo brasileiro que trabalha no setor privado paira a ameaça do desemprego, como provam os 6,4 milhões de pessoas que perderam o emprego nos últimos 18 meses e foram se juntar aos 5,1 milhões que já estavam sem trabalho um ano e meio atrás.

Os trabalhadores que perderam seu emprego ou são obrigados a aceitar recolocação com salários menores, pois a lei da oferta e da procura é implacável, ou passam a amargar a angústia do salário zero e as consequências dessa que é uma tragédia social: o desemprego prolongado. Ademais, aqueles que estão na faixa de salários mais altos têm de enfrentar as agruras de brutal queda de renda quando se aposentam, em face do teto do INSS.

Nos momentos de crise aguda em que também a receita tributária do governo despenca, os funcionários públicos – especialmente aqueles que já recebem vencimentos bem acima da média de mercado – poderiam dar um mínimo de contribuição para evitar a falência financeira do governo e ajudar o país a sair da crise. Mas, infelizmente, Executivos e Legislativos Brasil afora colaboram para que ocorra o contrário, concedendo ao funcionalismo mais aumentos salariais e benefícios.

No momento em que a meta do déficit primário do governo federal em 2017 (receitas menos gastos, antes do pagamento dos juros da dívida), em fase de aprovação no Congresso Nacional, é anunciada em R$ 139 bilhões, uma avalanche de aumentos salariais é concedida a funcionários públicos como se o Tesouro Nacional não estivesse quebrado. Apenas os aumentos já sancionados pelo presidente da República para militares e mais 40 categorias do Executivo e do Legislativo devem custar R$ 69 bilhões de 2016 a 2018, além de mais R$ 22 bilhões em aumentos dados ao Poder Judiciário e Ministério Público. E ainda está no Senado o reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que terá efeito cascata em todo o país.

Buscar aumentos salariais é um direito legítimo de qualquer trabalhador, seja do setor público ou privado. E é preciso reconhecer que há categorias do funcionalismo público que têm aguardado por um reajuste há alguns anos. Não é isso que está em questão, e sim a irresponsabilidade de um governo que, sem dinheiro em caixa, concede aos funcionários públicos, que já não correm o risco do desemprego, aumentos de seus ganhos como se tudo estivesse bem, enquanto o trabalhador privado paga pela recessão com demissões, redução de salários e aposentadorias insuficientes.

Um preço dessas medidas pode ser a incapacidade da economia em sair da recessão por causa da explosão dos déficits públicos e do descontrole da dívida do governo, situação que pode ter outro efeito deletério para a sociedade: a volta da inflação.


Maduro encurralado - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 08/09

No Brasil, a crise resultou em contração do PIB de 3,8% em 2015, e se espera queda de 3,5% neste ano. Isso contribuiu para remover Dilma Rousseff (PT) do poder, na forma da lei e de modo relativamente pacífico. Já a Venezuela não deve seguir o mesmo roteiro, embora os protestos dos últimos dias tenham ocorrido sem distúrbios.

Ali, a economia encolheu 10% em 2015 e deve diminuir mais 8% neste 2016, mas não há sinais de que o presidente Nicolás Maduro esteja prestes a perder o cargo. A inflação deve bater em 720% neste ano, e o deficit fiscal, em 20%.

Mais que abstrações, esses números se traduzem em pobreza crescente e desabastecimento generalizado, que se fizeram acompanhar do aumento na violência. Só no ano passado, os salários reais caíram em torno de 35%.

A redução da miséria, uma das principais bandeiras do chavismo, virou história. Estima-se que 76% da população esteja abaixo da linha da pobreza hoje, contra 55% em 1998, antes de o socialismo bolivariano entrar em cena.

Além de itens básicos de higiene e alimentação, já não se encontram remédios no comércio. Água e eletricidade também são um problema, o que obrigou o governo a encurtar a semana do funcionalismo público para dois dias. Boa parte das companhias aéreas deixou de operar no país, pela dificuldade de comprar combustível.

É verdade que a queda do preço do petróleo contribuiu para o colapso, mas o maior responsável por ele foi o populismo econômico. Nos anos de bonança, Chávez distribuiu riqueza dentro e fora da Venezuela, mas nada fez para tornar a economia menos dependente da commodity. Para piorar, o aparelhamento da PDVSA, estatal de petróleo, a transformou num poço de ineficiência.

Como a resposta do governo à inflação que disparava foi controlar preços e taxa de câmbio, chegou uma hora em que empresas não conseguiam mais produzir —daí mais desabastecimento e inflação.

Maduro aferra-se a um discurso delirante que atribui o descalabro à "guerra econômica" por empresários desleais e potências estrangeiras. A população deu à oposição eloquente vitória no pleito parlamentar de dezembro.

O mandato de Maduro vai até 2019, e o chavismo foi hábil em aparelhar estruturas de Estado. O presidente vem conseguindo frustrar as iniciativas legais da oposição para reduzir-lhe o poder e o mandato, como um referendo popular.

Maduro não parece disposto a ceder, e não se podem descartar desfechos violentos para a crise.


quarta-feira, setembro 07, 2016

A arte de fatiar - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 07/09

Um motivo pelo qual nunca me atrevi a cozinhar foi por me julgar incapaz de desempenhar uma das funções da especialidade: fatiar certos ingredientes. Se a culinária se resumisse a pratos com presunto, salaminho, pastrami, mortadela ou queijo-bola, seria fácil — bastaria pedir ao rapaz do açougue que tirasse 250 gramas de cada um na máquina de cortar frios. Mas ninguém será um cozinheiro de verdade se não dominar a fina arte de fatiar.

Vide o carpaccio. Como extrair de uma posta de filé ou lagarto aquelas lâminas diáfanas, quase transparentes? O truque é deixar a carne durante horas no congelador antes de seccioná-la. Já com os sashimis, o fatiamento é mais difícil, porque se dá com o peixe ao natural — o esmero estará na mão de quem corta e na precisão da faca, equivalente à das espadas dos samurais. Falando nisso, São Paulo perdeu há pouco o samurai dos sashimis: o inesquecível Tanji, que, em 50 anos de Liberdade, fatiou um oceano de salmões e atuns.

Fatiar uma pizza já não tem tanto mistério. Para dividi-la em oito pedaços, aplica-se uma carretilha em cruz à cobertura e à massa; depois, uma nova cruz em diagonal; e pronto — é só levantar as fatias com um garfo e servi-las. Mas, na única vez em que me aventurei a isto, devo ter aplicado muita força à carretilha, porque cortei também o fundo da caixa em que viera a pizza, com papel-manteiga e tudo.

Já cortar um bolo, torta ou pudim em fatias também exige "savoir faire", para que ele não se desfaça, despenque ou transborde da espátula até o prato. E, com isso, eu julgava ter esgotado o assunto.

Mas, agora, há um novo produto a ser fatiado. É a Constituição brasileira. Depois que Renan, Lewandowski e outros inauguraram esta prática, não há porque não continuar dividindo-a em fatias, a gosto do cliente.

Pelo fim da unicidade sindical - SÉRGIO AMAD COSTA

ESTADÃO - 07/09

Reforma trabalhista seria melhor ainda se viesse acompanhada de uma reforma na estrutura sindical


Caso a reforma trabalhista aconteça, ela será muito bem-vinda. Porém, melhor ainda será se ela vier acompanhada de uma reforma na estrutura sindical. Isso pelo fato de que dar prevalência ao acordado nas negociações coletivas, em relação a regras dispostas na legislação, é um grande avanço. Mas sua real eficácia acontecerá caso haja mudanças na sistemática que rege a organização dos órgãos de representação profissional.

Faz-se necessária a modernização do sindicalismo no Brasil, tornar os sindicatos mais representativos das reais aspirações de seus representados. Para isso é fundamental, além do fim dos tributos sindicais, dar cabo ao monopólio da negociação trabalhista, que é também uma viga mestra desta estrutura autoritária e pouco representativa.

Quanto aos tributos sindicais, já fiz minhas críticas em outras oportunidades. Vou me ater à questão do monopólio das negociações trabalhistas, garantido no País pelo princípio da unicidade sindical. Esse princípio é mais antigo no Brasil do que o malfadado “imposto” sindical. Essa regra surgiu com Getúlio Vargas, por intermédio do Decreto-lei n.º 19.770, de março de 1931, e está presente em todas as nossas Constituições, desde aquela época até os dias atuais. Com ela fica garantida a existência de apenas um sindicato, numa mesma base territorial, para uma determinada categoria de empregados, sustentando, assim, o monopólio da representação profissional.

O trabalhador, neste contexto, quando ingressa numa empresa como empregado, é automaticamenteenquadrado no sindicato da sua categoria profissional. Para a entidade, o profissional pagará os tributos sindicais sem saber, não raro, quem realmente o representa e como são negociadas as questões trabalhistas em seu nome. Portanto, esse princípio da unicidade sindical é uma afronta à liberdade de escolha dos representados.

Mas, além de tolher a liberdade de escolha, a unicidade sindical gera a ineficiência na maioria dos órgãos de representação profissional. Ela é provocada por um acomodamento dos sindicalistas, à medida que, prestando ou não um bom serviço aos seus representados, eles não têm de concorrer com outras entidades. Além disso, estão sustentados pelos tributos sindicais, que todos os empregados – gostando ou não do seu sindicato – são obrigados a pagar.

Há dirigentes trabalhistas que realmente acreditam que é importante manter o princípio da unicidade sindical, tendo como argumento a necessidade da unidade do movimento. Estão equivocados. Parecem confundir unicidade com unidade. Unicidade sindical é a obrigatoriedade de haver apenas um sindicato da categoria profissional na base territorial, enquanto unidade sindical é a possibilidade de haver um único órgão de representação profissional por vontade e livre escolha dos próprios representados. Ou seja, motivados por interesses de ações e procedimentos, a unidade é gerada pela fusão de vários sindicatos. É assim que ocorre nos países onde há o pluralismo sindical e que ratificaram a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Esse documento da OIT, denominado Convenção relativa à liberdade sindical e à proteção do direito de sindicalização, datado de 1948, não obriga a existência de mais de um sindicato por cada categoria profissional. O que ele garante é a possibilidade da existência da pluralidade de entidades quando for o desejo dos representados. Mais de 150 países ratificaram tal convenção, mas o Brasil, por pressão de sindicalistas que não querem perder o monopólio da representação, não é signatário dela.

Torcendo por uma reforma trabalhista que fortaleça as negociações coletivas, insisto também na necessidade da reforma sindical. Pois a possibilidade da existência do pluralismo dos órgãos de representação profissional trará uma sensível melhoria na qualidade das negociações. Este é o caminho para encontrar pontos de equilíbrio entre as reivindicações dos empregados e as reais possibilidades das empresas.

*É professor de Recursos Humanos e Relações Trabalhistas da FGV-SP

Ueba! Dilma vira síndica! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 07/09

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Manchete do "Sensacionalista": "Vizinhos temem que Dilma vire síndica do prédio onde vai morar no Rio".

Imagine ela explicando uma cobrança de 30%: "Não se trata de 30%. É 27,5% de 12%. Portanto 30% não é 30%".


E o subsíndico não pode ser do PMDB, senão vai ter golpe!

Rarará!

"Piauí Herald": "Temer e Serra fazem escala na Transilvânia".

O Serra parece um zumbi! De vampiro virou zumbi, deu um upgrade no mundo do terror!

Rarará!

E hoje é Dia da Pátria! Dom Pedro 1º levantou a espada e gritou: "Fora, Temer".

Rarará!

E o chargista Fred: Dom Pedro 1º levantou a espada e gritou: "Vai Dar Merda!". Não deu outra. Aula de história: Dom Pedro 1º levantou a espada e comeu a marquesa de Santos!

E um amigo meu levantou a espada e gritou: " Sexo ou Morte".

E afanaram a carteira do Suplicy na passeata. Cem mil pessoas e vão afanar justo a carteira do Suplicy! Do Groselha! Foi um black bloc!

Rarará!

Eu acho que foi a carteira que roubaram na Virada e ele só percebeu agora! Rarará!

Quando ele não perde, dão um jeito de perder as coisas dele. Eu acho que ele esqueceu a carteira roubada em casa!

Rarará!

Protesto Kids!

Na Paulista tinha uma menininha segurando um cartaz: "Fora, Michelzinho". Sobrou pro Michelzinho.

E quando eu era pequeno tirei zero na aula de música porque não sabia cantar o Hino Nacional.

E tô vivo até hoje!

É mole? É mole, mas sobe!

A Galera Medonha! Candidatos!

De Volta Redonda (RJ): "DIBRUÇO! Mude de posição! Vote Dibruço". A melhor posição pra votar é dibruços mesmo, porque já sabe que vai levar ferro!

E de Marechal Deodoro, Alagoas: "Plinio, o Corno". Se todo corno do Brasil votasse nele em solidariedade, virava presidente!

Rarará!

E direto de Curitiba: "Pirulito Cowboy". Deve ser assistente do Moro! Caçar petista a cavalo!

Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Roteiro para o fracasso - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 07/09

Se o governo de Michel Temer quiser fracassar, é fácil. O roteiro é: tirar qualquer direito de acesso ao FGTS em pleno mar de desemprego, dar novos aumentos ao topo do funcionalismo público, mandar mensagens ambíguas sobre o ajuste fiscal, adiar a reforma da Previdência e acreditar que a aprovação do teto para as despesas resolve todos os problemas fiscais.

Começando pelo mais perigoso: este jornal publicou no sábado que o governo pensa em mudar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para torná-lo de fato uma poupança de longo prazo. A questão é como fazer isso. Na equipe econômica, a explicação que se dá é que o Ministério da Fazenda vai abrir licitação para recolher opinião de especialistas que têm tratado do tema, para refletir sobre vantagens e desvantagens das propostas.

Isso não é hora nem tema de exercício acadêmico porque vai provocar muito ruído. Cada ideia enviada vai ser tratada como uma ameaça concreta e pode provocar aquilo que se tenta evitar, que é o excesso de rotatividade para se ter acesso ao fundo.

A ex-presidente Dilma acusou no plenário do Senado o governo Temer de querer impedir o acesso aos saques do FGTS. A resposta do Planalto foi uma miscelânea de negativas que não dava a devida ênfase à acusação mais grave. Qualquer movimento do governo Temer nessa área será entendido como a confirmação da acusação de Dilma e vai alimentar mais reação contra um governo que já não é popular. O governo Temer será ferido de morte se criar obstáculo ao acesso ao FGTS.

Com o Fundo, o único caminho é ampliar direitos e não diminuir. Direito de portabilidade e de maior remuneração. O detentor da poupança deve ter a liberdade de decidir em que banco seu dinheiro ficará aplicado, para que assim possa negociar uma rentabilidade mais alta do que os atuais TR mais 3%. Se for isso, e só isso, que seja explicado de forma bem clara. Não se aceitam ambiguidades e disse-me-disse quando o assunto é a poupança das pessoas. Em outros países em que existe poupança compulsória no estilo do FGTS não há um monopólio de banco público como gestor do dinheiro, como é a Caixa Econômica no Brasil, nem uma limitação da remuneração abaixo da inflação. Hoje o cotista do Fundo é sub-remunerado, e o dinheiro dele serve para subsidiar empresas. É um Robin Hood às avessas. O único caminho de mudar é o de aumentar direitos, e não tirar, de garantir maior remuneração para o capital do trabalhador.

A reforma da Previdência é um tema árido, mas necessário. Há fortes argumentos para defendê-la. A reação contra ela existe, mas o governo deve travar a batalha de mostrar que não podemos deixar tudo como está quando os benefícios previdenciários consomem 55% das receitas em um sistema que tem privilégios e aposentados precoces. O presidente já havia me adiantado que mandaria a reforma antes das eleições, mas a pressão da base é grande para que ela fique para depois. O adiamento seria a repetição do truque de deixar a má notícia para o fechamento das urnas. Será que alguns governistas não entenderam o caso recente? Dilma Rousseff deixou para depois das eleições o tarifaço de energia, o aumento da gasolina, e escondeu o rombo fiscal fazendo empréstimos em bancos públicos. Hoje ela é ex-presidente.

Este governo recebeu uma herança pesada na área econômica e terá muita dificuldade de tirar o país da crise. A situação é grave. Um dos erros que já cometeu foi o de ceder tão completamente às exigências do funcionalismo público e aprovar aumentos que contrariam a lógica. Uma pessoa no início da carreira de defensor público ganhará 85% do que recebe a pessoa que está no topo da carreira. Não é assim em lugar algum do mundo. É difícil consertar isso, mas o caminho fácil de ir aprovando os reajustes com medo das greves vai inviabilizar as contas públicas federais. O reajuste para os ministros do STF, se for concedido, vai acabar de quebrar os estados.

O teto para as despesas públicas é um dos projetos para deter o aumento constante dos gastos acima da inflação, mas não é a panaceia. Não há o remédio universal para uma situação tão difícil quanto a brasileira. Quem subestimar essa crise será derrotado por ela.

Desde 2005, salário médio de servidor sobe mais que no setor privado - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 07/09

Os reajustes dos servidores federais vão custar uns R$ 62,7 bilhões para o governo nos anos de 2016, 2017 e 2018. Nessa conta, passa também o aumento dos ministros do Supremo Tribunal Federal —e seus impactos—, já aprovado na Câmara, mas não no Senado.

É muito? Em relação ao quê? A esta altura, o governo federal investe "em obras" R$ 48,3 bilhões por ano (despesas reais do PAC nos últimos 12 meses).

É um dinheiro considerável, em especial porque não existe. Os recursos sairão de outras despesas (dos investimentos?) ou virá mais dívida pública, que cresce sem limite.

No entanto, não é possível deixar o funcionalismo sem reajuste, sem mais.

Na exposição de motivos do Ministério do Planejamento, a despesa federal com os servidores não tem crescido muito: 0,8% ao ano além da inflação (ou seja, em termos reais) desde 2009. Nos Estados, essas despesas, ainda segundo o governo federal, cresceram 4,7% ao ano. Uma disparidade enorme, um fator da falência de muitos Estados.

Note-se de passagem que a variação da despesa não diz necessariamente nada sobre a variação dos salários dos servidores (pode ter havido variação do número total de servidores e dos salários de quem entrou e saiu, por exemplo).

Segundo o governo, os servidores dos Três Poderes federais receberam em média reajustes de 18% entre dezembro de 2010 e dezembro de 2015, ante uma inflação de 40,6%. No período, os trabalhadores da iniciativa privada tiveram reajustes de 49,2%, diz o governo com base no Dieese.

É possível. É possível pensar também a evolução dos rendimentos de outro modo. As estatísticas de rendimentos do trabalho de série mais comprida eram as da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, encerradas em fevereiro de 2016. Referiam-se apenas às seis maiores metrópoles do país, mas eram bastante representativas.

De 2011 a 2015, o rendimento médio dos empregados do setor privado subiu 4%, para R$ 2.019 (muita gente pode ter tido reajustes maiores, mas, na vida real média, o salário subiu apenas 4%).

De 2011 a 2015, a despesa média do governo com servidor da ativa subiu 6,7%, para R$ 9.290 mensais (nas contas deste jornalista). Outra vez, pode haver muita gente que não teve reajuste. Ressalte-se, o "salário" médio pode ter subido porque mais gente entrou no serviço público ganhando mais, entre outras hipóteses apenas aritméticas.

De 2005, começo dos anos dourados lulianos, até 2016, em plena ruína dilmiana, o rendimento médio dos empregados do setor privado subiu 20,9% acima da inflação, segundo contas feitas com dados da PME. No setor público, o rendimento médio subiu 33,9%, na mesma pesquisa (a informação abrange salários de servidores federais, estaduais ou municipais).

É possível que mais servidores qualificados tenham sido contratados, difícil dizer agora. Mas a despesa média com servidor tem crescido, além da variação dos salários no setor privado.

Enfim, não é possível discutir reajustes, mais ou menos merecidos, sem repensar o conjunto da despesa, a estrutura das carreiras, a eficiência do trabalho e as aberrações previdenciárias do setor público, ainda mais neste momento de ruína do Estado, desemprego e quedas dos salários reais.

Infiltração - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 07/09

Há mais dúvidas do que se imaginava em relação ao início do governo Temer



Dia da Independência, feriado, teto furado? Transcorridos sete dias do impeachment de Dilma Rousseff e do impasse constitucional por ele criado, a votação fatiada do Artigo 52, há mais dúvidas do que se imaginava em relação ao início do governo Temer. A base aliada está rachada? Há problemas na articulação interna do PMDB? Por que Henrique Meirelles, depois de tanto propalar a importância da reforma da Previdência, disse que não há pressa? Quais os riscos para a proposta de emenda constitucional que prevê a criação do teto de gastos? Será o teto erguido com graves problemas de infiltração? Como as revelações de infiltrações abjetas nos principais fundos de pensão influenciará as perspectivas para a retomada do crescimento? A essa altura, já é possível imaginar escrever um artigo que contenha apenas perguntas.

Em meio à lista de intermináveis perguntas que o cenário pós-impeachment impôs, houve somente uma resposta. Ao contrário do que ainda pensam alguns analistas do mercado, o Banco Central não haverá de reduzir os juros tão cedo. Os 14,25% ao ano que aí estão, conosco permanecerão. O comunicado do Copom após a última decisão de política monetária – decisão tomada no dia fatídico de Dilma, e, portanto, por esse evento ofuscada – com a ata da reunião recém-divulgada detalham todos os fatores condicionantes para que o BC inicie a tão almejada redução dos juros.

É preciso que: “a persistência dos efeitos do choque de alimentos na inflação seja limitada; os componentes do IPCA mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica indiquem desinflação em velocidade adequada; ocorra redução de incerteza sobre a aprovação e implementação dos ajustes necessários na economia, incluindo a composição das medidas de ajuste fiscal, e seus respectivos impactos sobre a inflação”. Contudo, o documento ressalta que a alta dos preços dos alimentos persiste, que a velocidade do processo desinflacionário tem sido menor do que a desejada, que as projeções de inflação de curto prazo estão acima de níveis desejáveis.

O Copom também fez outra mudança importante em seu comunicado. Deixou de explicitar expectativas em relação às tendências futuras da inflação para enfocar os fatores econômicos que poderiam alterar suas decisões ao longo do tempo. Dito de outro modo, aquela história de falar em horizontes de convergência que a experiência recente mostrou jamais se confirmar cedeu ante o desgaste dessa estratégia e a necessidade de ser, de fato, mais eficaz explicar quais são os temas que fariam o Banco Central mudar de ideia em relação aos rumos futuros dos juros.

Vem em boa hora essa alteração na comunicação, ainda que sua tendência seja a de amarrar o Copom a determinados desfechos. O Copom diz que não, que seus fatores condicionantes não são nem necessários, nem suficientes para que comece a pensar na distensão da política monetária. Contudo, é difícil acreditar que farão cosquinha nas taxas de juros, caso as reformas necessárias não passem no Congresso, ou que demorem a passar.

Para quem achava que a primeira queda da Selic poderia vir em outubro ou novembro, o sonho acaba de ficar mais distante. O ministro da Fazenda já sinalizou que a reforma da Previdência haverá de demorar mais, para consternação de alguns membros da base aliada, notadamente para o PSDB. Além disso, há dúvidas ponderáveis sobre em que consistirá o teto para os gastos e sobre se, como disse-me recentemente Luiz Roberto Cunha, estará repleto de goteiras.

Caso venhamos a ter um teto para os gastos com goteiras, o que fará o Banco Central? Continuará a segurar os juros em 14,25% ao ano? Tomará a iniciativa de reduzi-los, reconhecendo que a economia brasileira já não aguenta taxas de juros, descontadas as expectativas de inflação, de 8,5% ao ano? Ao que transparece da ata, provavelmente não, embora devessem considerá-lo. Diante dos mais recentes descalabros políticos, o cenário mais provável é de que as incertezas perdurem. Incertezas que infiltram as paredes e o teto, tornando o País um verdadeiro espetáculo de mofo e degradação.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute For Internacional Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

Reclamações de um fatiado - ROBERTO DAMATTA

O Globo - 07/09


Julgamento confirmou como somos especialistas em fechar uma porta para abrir a porteira. Foi isso, não a exaltação da oposição, que transformou o Senado num hospício


O que dizer depois de assistir ininterruptamente ao julgamento da presidente da República, Dilma Vana Rousseff, ao vivo e em cores, comendo e dormindo mal, senão declarar que fui — junto com a Constituição — esfaqueado — ou, para ser juridicamente mais elegante, fatiado.

Depois de uma gestação, de um show de hierarquia e de lastimáveis rapapés, nasceu um aborto político-jurídico generoso para com quem manda. Graças a um brasileirismo chamado “fatiamento”, quem deixou de ser rainha por irresponsabilidade administrativa continua a “ser majestade”. E fica mais um problema para atormentar as nossas almas machadianas.

O julgamento confirmou como somos especialistas em fechar uma porta para abrir a porteira. Foi isso, não a exaltação da oposição, que transformou o Senado Federal num hospício. Eis que Renan Calheiros virou uma garrafa de Klein. Aquele recipiente sem boca ou fundo, pois, num primeiro ato, o senador defendeu aos berros o Senado, mas, no final, sua repulsa esvaiu-se no acordão que me acordou. Todos são companheiros e inimigos simultaneamente. O básico é que estão com a caneta do poder.

Consciente, enfrento o meu ceticismo antropológico. Ele me diz que, mesmo num mundo globalizado, cada sistema continua a fazer certas coisas a seu modo e jeito.

No nosso caso, a abundância de tribunais, de polícias e de leis testemunha os inúmeros espaços pelos quais as normas se contradizem e adormecem a sinceridade. Muitas leis têm como objetivo a ambiguidade, e lidar com o ambíguo não é apenas coisa para santo ou poeta, mas faz surgir o especialista em chicana e má-fé.

O paradoxal espaço carnavalesco precisa do malandro. Esse herói dominante, dramatizado por Mário de Andrade, em 1928, em “Macunaíma”. Retomei o tema no livro que você não deve ter lido “Carnavais, malandros e heróis”, em 1979, quando estudei Pedro Malazartes como o modelo de todos os “sabidos”. Não seria ele o fundador do nosso populismo qual permanente fábrica de otários e inocentes úteis?

Somos todos “legalistas”, sobretudo na ilegalidade — quando usamos uma lei contra outra, o que, como estamos vendo à exaustão, leva ao assassinato do senso comum, obrigando a duvidar do real, mesmo correndo o risco de erradicar a vergonha e a honra. Fatiamos tudo. Até mesmo as normas, empurrando suas sobras para um outro colo. O resultado é a institucionalização da dúvida e da mentira como sagacidade no campo politico-moral. Quem não mente de cara limpa, quem não defende o indefensável é um otário. Ser malandro é saber “arrumar-se” e realizar tudo o que temos visto mais contundentemente a partir do mensalão e do petrolão, culminando — graças à Lava-Jato e a uma crise desmedida — com o afastamento da presidente.

Seria pueril de parte de um velho praticante, por mais de 60 anos, do ofício de antropólogo ser contra o ambíguo e o paradoxal. O sombreado do mal-entendido é inevitável no mundo social. Caso contrário, não existiriam mitologias ou marginalidades, como ensinava Victor Turner. Sem diferentes pontos de vista, moinhos de vento não poderiam virar como gingantes como ocorre no “Dom Quixote”.

Do mesmo modo, eu vejo a canalhice disfarçada de marxismo vulgar justificando a criação de uma autêntica “nomenclatura” e de um projeto político autojustificável porque nele está enfiada a palavra “pobre” como um conceito cristão, e isso suspenderia todos os juízos morais e todas as boas normas de competência.

George Orwell nos ensinou que guerra pode ser paz e que a mentira vira verdade. No Brasil, o “superior” não apenas mente — como é da índole dos que estão por cima — ele deve mentir. Primeiro, porque isso faz parte da ética de dominação aristocrática, onde existem os companheiros e os outros; depois, porque todos tinham a mais absoluta certeza da impunidade. E, na punição, haveria um recurso. Para os inferiores, porém, não haveria nuance ou condescendência. Haveria apenas o fato e a realidade da pena. Mas, para os “especiais” que “obram”, e obram em abundância, “nada pegaria.”

Se isso não é hierarquia e um resíduo aristocrático do tamanho de um rinoceronte, eu não sei quem sou. Se não podemos acabar com a malandragem, podemos ao menos pensar como essa lógica dúplice pode liquidar o Brasil. Afinal, deve haver um limite para a autodestruição.


Respeito à teoria econômica - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 07/09

Respeito à teoria econômica é lição a tirar nestes 10 anos de coluna


São DEZ anos como colunista da Folha. Por termos dez dedos nas mãos, a data motivou uma visita ao que foi escrito no período, cerca de 220 mil palavras distribuídas ao longo de quase 650 páginas. Muita coisa, boa parte dela irremediavelmente datada, presa a debates que faziam muito sentido à época, mas, lidas hoje, não parecem ter relevância para entender o momento do país.

Algumas colunas, contudo, se não proféticas, ao menos servem para indicar que vários dos problemas que agora enfrentamos, da questão fiscal à inflação, passando pelo infindável debate sobre a taxa de câmbio, assim como a notável ineficiência microeconômica do país, não representam novidade nenhuma. Pelo contrário: eram nós a serem desatados já em 2006 e continuam a sê-lo em 2016, constatação triste para um país condenado à reforma.

Sintomaticamente, minha primeira coluna neste espaço tinha por título "Ajuste fiscal ou morte!", e desenvolvimentos posteriores deixam claro que optamos pela segunda alternativa. Na mesma linha, as dívidas estaduais e as contínuas tentativas (agora exitosas) dos Estados no sentido de obter favores do governo federal foram objeto de análise algumas vezes, todas alertando para os riscos de soltar as rédeas das finanças locais, o que também acabou se materializando.

Há ainda um conjunto de artigos explorando a frouxidão e a subserviência do Banco Central no período Alexandre Pombini, advertindo de forma muito clara que a contrapartida da posição servil do BC seria a inflação persistentemente acima da meta.

Erros ocorreram e não foram poucos (deixo aos interessados a tarefa de garimpá-los); ouso, porém, dizer que os acertos foram mais comuns ao longo destes dez anos. Não houve mágica, apenas a disposição de encarar a teoria econômica como um instrumento útil para interpretar tanto a realidade como as decisões de política econômica, que, na imensa maioria dos casos, se mostraram mais equivocadas do que corretas.

Concretamente, não era difícil concluir que o arranjo da Nova Matriz Econômica, pobre órfã, iria dar com os burros n'água. Bastava saber, como ensinado em qualquer curso decente de macroeconomia, que estímulos à demanda no contexto de uma economia operando próxima ao pleno emprego iriam se traduzir em inflação elevada e desequilíbrios externos.

A teoria econômica, assim como a história, também nos havia ensinado os efeitos de controles de preços, seja a perda de eficiência a eles associada, seja a inevitável explosão que se segue a um período de congelamento, tanto maior quanto mais extenso o intervalo de tempo.

Não havia, por fim, como escapar da conclusão de que desequilíbrios fiscais persistentes teriam consequências particularmente danosas para o país. Não era necessária clarividência: apenas conhecimento da nossa história, bem como a de outros países que haviam passado por processos semelhantes.

Se resta, assim, uma lição a tirar dos últimos dez anos, é que a boa teoria, aliada ao respeito pelos dados, é imprescindível à análise econômica e, mais importante, à formulação de política. Não tivesse sido abandonada com enorme sem-cerimônia, provavelmente estaríamos em situação bem melhor do que nos encontramos.

E eu teria de achar outros assuntos.

Obrigado pelos dez anos; que venham outros tantos.


À espera da ação penal contra Lula - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

ESTADÃO - 07/09

Entendeu-se que há culpa em sua conduta e por isso deve responder perante a sociedade



Sempre se repete o velho ditado caipira segundo o qual a gente não deve brigar com quem usa saia, ou seja, mulher, padre e juiz. O ex-presidente Lula, com sua primariedade cultural e nada invejável educação, alguns meses atrás mandou o juiz Sergio Moro enfiar num determinado lugar o processo judicial no qual era investigado – e repetiu aquelas duas letras, tão conhecidas e sempre evitadas. Milhões de pessoas ouviram a frase, repetida várias vezes pelas rádios, televisões e pelos jornais.

Por essa ofensa, com certeza o exemplar magistrado não decairá de sua grandeza na hora de julgá-lo e sentenciá-lo, caso tenha havido descumprimento da lei. Mas, sem dúvida, Lula tem razões de sobra para estar com os nervos à flor da pele, pois bem sabe o tamanho da grosseria feita. Para sua sorte, o juiz não é igual a ele e por isso mesmo não se deve esperar um gesto de vingança, mas tão somente um julgamento como tantos outros.

Na relação processual entre o Estado e o réu, o juiz não é parte e por isso tem o dever de agir sempre com absoluta imparcialidade. As decisões de Sergio Moro às vezes podem mostrar-se por demais rigorosas, porém é necessário ter em conta que ele está submetido ao que dispõe a lei, ou seja, o juiz não deixa de ser a lei vivificada, que fala por sua pessoa.

Crimes de extrema gravidade praticados contra o Estado brasileiro e sua principal empresa, a Petrobrás, resultaram em decisões judiciais em favor da prisão de empresários e políticos extremamente rico e sem nenhum escrúpulo. Sempre se dizia que rico no Brasil não vai para a cadeia, e sim para Miami; mas agora, inaugurando uma fase bastante promissora de nossa história política e social, vê-se que dinheiro e poder não têm servido para retirar das grades os detentores de grandes fortunas.

Vê-se também que tanto faz para um juiz que o infrator seja a pessoa mais simples do planeta ou uma figura presunçosa e arrogante que se apresenta como o homem mais honesto do Brasil, ao mesmo tempo que não consegue explicar as razões de o dinheiro desviado da Petrobrás ter servido para reformar determinado apartamento no Guarujá e um sítio em Atibaia.

A relevância da conduta antijurídica pode estar não apenas na propriedade ou não desses dois imóveis, mas também na circunstância afrontosa de aceitar dinheiro sujo para reformá-los. Ainda que o imóvel possa ser de terceiros, se o nada educado ex-presidente usou tal dinheiro para reformar os imóveis, é claro que terá de responder por isso.

O pior para seu estado psicológico é que o juiz com competência e obrigação de julgá-lo poderá ser mesmo aquele a quem ofendeu grosseiramente, em público, numa torpe valentia. O inquérito policial que indiciou Lula por vários crimes corre pela Justiça Federal e está umbilicalmente vinculado à Operação Lava Jato.

O inconformismo do ex-presidente e o seu rancor contra Sergio Moro ganharam expressão quando foi coercitivamente levado para depor, no contexto da Operação Alethéia (24.ª fase da Lava Jato), acompanhado de policiais federais. Na verdade, tratava-se de um ato de rotina, porque quando o juiz pretende ouvir algum investigado, mas pressente que ele poderá fugir ao ser oficialmente intimado para depor em determinada data, é normal optar pelo comparecimento coercitivo.

Esse procedimento é frequente e, no caso de com Lula, repita-se, tratou-se de um ato de rotina, sem representar nenhuma afronta à sua vida de político e de ex-presidente da República, tampouco qualquer perseguição pessoal. Afinal, todos são iguais perante a lei, mesmo presidentes ou ex-presidentes da República, porque igualmente amam, sofrem, choram, têm dor de barriga.

O poder moral do juiz e seu senso de justiça estão assentados na segurança que advém da lei e das normas de direito presentes na vida de uma nação. Nessa linha, o poder coativo da lei não permite desigualar pessoas, ainda que ostentem títulos e fortuna.

Reitere-se: sem decair de sua grandeza, o juiz Sergio Moro não se sentirá impedido de julgar alguém que procurou ofendê-lo ou outros desses políticos que pensavam ser donos do Brasil e enriqueceram com dinheiro sujo, ao mesmo tempo que o grau de pobreza da população brasileira a cada dia se mostrava maior.

O ato agressivo de Lula contra o direito, quando mandou o juiz enfiar o processo naquele lugar, faz lembrar o fenômeno do ciúme no amor, que muitas vezes se volta contra si mesmo e acaba por destruir aquilo que pretendia resguardar.

Como se divulgou, em inquérito policial levado a efeito pela Polícia Federal Lula foi indiciado, ou seja, entendeu-se que há culpa envolvendo a sua conduta e que por isso deverá responder perante a sociedade. O indiciamento não é um ato discricionário da autoridade policial, para ter validade jurídica deve se basear em provas suficientes para tal.

O propósito do Estado ao investigar e apontar o autor do delito tem por base a segurança da ação da Justiça e do próprio acusado. Há, em verdade, uma instrução prévia, pela qual a polícia judiciária reúne as provas preliminares que sejam suficientes para apontar, com razoável segurança, a ocorrência de um delito e seu autor.

A pessoa suspeita da prática de infração penal passa a figurar como indiciada a contar do momento em que, no inquérito policial instaurado, são claras as possibilidades de ser ela o agente responsável pelo delito. Depois do indiciamento, ainda que possa vir a ser absolvida, em sua folha de antecedentes sempre figurará a informação constrangedora.

Os crimes imputados a Lula são de ação penal pública. Isso quer dizer que o Ministério Público, pela Lei n.º 8.038/90, tem o prazo de 15 dias para oferecer denúncia ou pedir o arquivamento do inquérito.

*Desembargador aposentado do TJSP, foi secretário de justiça do Estado de São Paulo. 

Sangria na saúde - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 07/09

O Brasil parece estar finalmente acordando para o fato de que as despesas obrigatórias do Estado não podem (pelo menos não indefinidamente) crescer num ritmo superior ao do aumento do PIB. Se tomarmos as medidas necessárias para estancar a sangria, setores estratégicos como educação e saúde passarão por alguns anos de vacas ainda mais magras do que as habituais. Caberá aos administradores do sistema encontrar maneiras de aumentar a eficácia dos gastos para reduzir, na medida do possível, os prejuízos ao cidadão.

Nesse contexto, merece especial atenção a chamada judicialização da saúde. Uma interpretação exótica do artigo 196 da Carta, que afirma que "a saúde é direito de todos e dever do Estado", tem feito com que um grande número de juízes conceda liminares que obrigam o SUS a bancar toda espécie de tratamento, mesmo que custem os olhos da cara e não tenham comprovação científica.

O resultado se mede em bilhões de reais. A mais recente estimativa do Ministério da Saúde fala em R$ 7 bilhões ao ano. Juízes precisam ter em mente que os orçamentos são finitos. Se determinam que um único paciente receberá um quinhão grande da verba, estão tirando recursos que poderiam beneficiar outros doentes. Nossa tendência é sempre valorizar casos que têm nome e história, em detrimento de estatísticas sem rosto, mas esse é um viés humano incompatível com a lógica da administração pública, para a qual o sujeito que pede uma liminar não deveria ter nenhum tipo de preferência sobre os milhares que não vão à Justiça.

Como ocorre em qualquer sistema de saúde pública pautado pela racionalidade, o SUS só deveria pagar tratamentos definidos previamente pelo administrador, segundo um cálculo que leve em conta custos e benefícios. A lista, é claro, precisa acompanhar os desenvolvimentos da medicina. Seguir essa cartilha às vezes é cruel, mas não vejo outra saída.

Cristina Kirchner oscila entre o Congresso e a prisão - JOAQUÍN MORALES SOLÁ

O Globo - 07/09

O destino da ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner parece oscilar entre o retorno à política eleitoral ou a ida para a prisão. Na Província de Buenos Aires, o único lugar onde Cristina poderia poderia postular uma vaga como legisladora com certo êxito, a esperam eventuais candidaturas de mulheres fortes, arquitetas em grande parte de seu atual infortúnio judicial: Elisa Carrió e Margarita Stolbizer. Na Justiça, tropeçou em dois juízes acima de qualquer suspeita: Julián Ercolini e Claudio Bonadio. Deve ainda enfrentar a investigação de três procuradores implacáveis: Carlos Rívolo, Guillermo Marijuan e Gerardo Pollicita, responsáveis pela coleta de provas para aqueles juízes. É provável que a ex-presidente acabe presa. Ela sabe disso. A pergunta para a qual ninguém tem resposta (e ela menos ainda) é quando ocorrerá essa sentença. Antes ou depois de uma eventual candidatura sua ao Senado Nacional pela Província de Buenos Aires?

Fontes da Justiça Federal garantem que é iminente que o juiz Ercolini convoque Cristina para depor sobre a organização de um sistema de corrupção com obras públicas que transformaram Lázaro Báez em multimilionário. Os procuradores Pollicita e Ignacio Mahiques solicitaram o depoimento e a acusaram de fraude contra a administração pública e de negociações incompatíveis com a função pública. A novidade é que o juiz concordou com o pedido dos promotores para citar Cristina no inquérito. Ercolini, um juiz com fama de honesto, cumpre com o ritual de todos os juízes federais: jamais citam importantes figuras públicas em inquérito se antes não obtiverem o processo escrito. “Não se faz esse tipo de citação para depois resultar numa falta de mérito”, explicam os especialistas.

Ercolini tem as acusações mais graves que pesam sobre Cristina: conspiração, Hotesur e os gastos arbitrários na administração nacional de estradas. Estes últimos dois casos vinculam estreitamente a ex-presidente a Báez. Bonadio a investigou e a processou pela venda de dólares no mercado futuro e, agora, aperta o cerco sobre ela no caso da empresa Los Sauces. Carrió e Stolbizer foram as denunciantes.

Outro juiz que investiga o kirchnerismo, Sebastián Casanello, instrui o processo contra Lázaro Báez por lavagem de dinheiro. Há uma disputa surda entre este juiz e o único salão nobre da Câmara Federal (integrada pelos juízes Irurzun, Cattani e Farah). Casanello sustenta que a lavagem de dinheiro é um delito autônomo e que não é seu assunto, por ora, vasculhar o delito precedente. A Câmara já apelou ao “senso comum” para assinalar que a Justiça deve investigar como se gerou o dinheiro que foi lavado. Casanello replica que esta questão está nas mãos de Ercolini, que é quem efetivamente está investigando como Báez se converteu de pequeno empreendedor, que ganhava 3.500 pesos em 2003, em uma das principais fortunas do ramo da construção, 12 anos mais tarde.

A conclusão dos promotores Pollicita e Mahiques é que Báez recebeu nesses anos quase 80% das obras públicas de Santa Cruz. Neste período, o feudo dos Kirchner recebeu tantas obras públicas quanto oito províncias juntas no mesmo período (La Pampa, Tucumán, Tierra del Fuego, Jujuy, San Luis, Catamarca, Neuquén e Misiones). E obteve 11% mais em orçamento executado em obras públicas do que a Província de Buenos Aires, o distrito mais extenso e populoso do país.

Báez tinha, segundo a investigação em poder de Ercolini, um canal especial de pagamento preferencial. Seus contratos foram prorrogados e nunca se verificou o andamento das obras. Tampouco foi acionado por descumprimentos. Em síntese, o patrimônio de Báez cresceu 12.127% entre 2002 e 2014. Entre 2008 e 2013, Báez pagou aos Kirchner US$ 4 milhões e 12 milhões de pesos mediante o aluguel de residências que não usava nos hotéis de Hotesur. Clássica lavagem.

Algo semelhante ocorre com a empresa Los Sauces, propriedade da família Kirchner e dona de oito edifícios que eram alugados por Báez e Cristóbal López, outro empresário bem próximo ao regime anterior. A investigação realizada pelo juiz Bonadio e o fiscal Rívolo descobriu algumas irregularidades que os deixaram atônitos. Por exemplo, a casa de Río Gallegos onde Cristina Kirchner vive hoje, que está em nome de Los Sauces, foi comprada a princípio pelo empresário imobiliário Osvaldo Sanfelice, sócio de Máximo Kirchner e suspeito de gerir vários negócios da ex-família presidencial. Sanfelice comprou esta casa por 200 mil pesos e as vendeu aos Kirchner, quatro meses depois, por US$ 250 mil. A residência teve seu valor aumentado em 500%, de acordo com a taxa de câmbio da época, em apenas 120 dias. Nada se parece mais com lavagem.

Outra surpresa foi quando a empresa Los Sauces declarou que os livros contábeis da firma haviam desaparecidos. Uma investigação do procurador Rívolo os encontrou em um escritório ocupado por sua presidente, Romina Mercado, sobrinha de Cristina, em uma propriedade de Sanfelice. Nestes livros contábeis apareceram adiantamento de dividendos a seus acionistas (Cristina e seus filhos), mas nenhum desses movimentos contábeis apareceram na movimentação bancária da empresa. Poderia também se tratar de uma manobra para lavar dinheiro.

A prisão de uma pessoa por corrupção só é possível se houver risco de fuga ou se tiver poder de obstruir a investigação. Os juízes perceberam que Cristina cumpre religiosamente com suas obrigações judiciais. Com má vontade, mas as cumpre. Ercolini estaria disposto a enviar o quanto antes à audiência as corrupções de Vialidade e Hotesur. E o processo poderia condená-la à prisão. Terminará antes ou depois das eleições? Esta pergunta não teria sentido se os foros deixassem de proteger os políticos por delitos que estivessem sendo investigados antes de se tornarem candidatos.

Golpe nos fundos de pensão - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 07/09

Muito mais amplas do que as já conhecidas devem ter sido também as vantagens indevidas – para dizer o mínimo – que o esquema propiciou a seus operadores e sócios



Ao expor graves evidências de “gestão temerária e fraudulenta” que resultou no desvio criminoso de R$ 8 bilhões nos quatro maiores fundos de pensão das estatais, a Operação Greenfield, lançada na segunda-feira passada pela Polícia Federal, mostrou também que pode ser muito maior o alcance do aparelhamento da administração pública federal e de suas empresas pelo PT e por seus aliados. Muito mais amplas do que as já conhecidas devem ter sido também as vantagens indevidas – para dizer o mínimo – que o esquema propiciou a seus operadores e sócios.

A operação atinge os fundos Petros (Petrobrás), Funcef (Caixa Econômica), Previ (Banco do Brasil) e Postalis (Correios). Autorizada pelo juiz titular da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal a pedido do Ministério Público, a operação envolveu a prisão de 5 suspeitos, a condução coercitiva para prestar depoimentos de cerca de outros 30 e o bloqueio de bens dos investigados no montante equivalente ao total dos desvios estimados. Essas medidas atingiram ex-dirigentes de empreiteiras como OAS e Engevix, ex-administradores dos fundos e proprietários de grandes empresas como J&F, Gradiente e WTorre.

O objeto das investigações é um grande esquema de corrupção baseado na realização, pelos fundos de pensão, de investimentos temerários ou simplesmente ilícitos em benefício de grandes empresas, em troca do pagamento de propina a gestores desses fundos e a políticos. Como se trata de investigação no âmbito da primeira instância, a operação não alcança políticos com mandato eleitoral, que têm direito a foro privilegiado. Mas as investigações devem produzir indícios de envolvimento de figurões da política. O fato de um dos investigados ser o ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, já condenado no processo do petrolão, coloca o próprio PT no centro das investigações.

Na gestão petista, os fundos de pensão se tornaram o segundo maior financiador dos projetos de infraestrutura do governo, atrás apenas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É lícito e necessário que esses fundos invistam seus bilionários recursos em benefício de seus mutuários, de modo que possam cumprir seu objetivo de oferecer aposentadoria e pensão complementares aos empregados das empresas estatais. Mas sindicalistas filiados ao PT e protegidos do PMDB, as duas maiores legendas que controlavam esses fundos, transformaram os investimentos – que deveriam ser decididos de acordo com critérios técnicos, de modo a reduzir os riscos e propiciar melhor rentabilidade – em generosa fonte de enriquecimento pessoal e de financiamento do projeto de poder do partido dominante.

A prática petista de meter a mão no dinheiro de trabalhadores em benefício do partido ou para enriquecimento pessoal de seus prepostos já se evidenciara, em proporções muitos menores, quando o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo foi denunciado pelo Ministério Público Federal como um dos responsáveis pelo esquema criminoso por meio do qual era cobrado um “pedágio” de aposentados que contraíam empréstimos consignados. Não por coincidência, o ex-tesoureiro Vaccari Neto também está envolvido naquelas investigações. Mas o golpe do crédito consignado, cujo montante é estimado em cerca de R$ 100 milhões, é brincadeira de criança perto do desvio de dinheiro dos fundos de pensão das estatais.

De acordo com a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), os fundos Petros, Previ, Funcef e Postalis juntos foram responsáveis por um prejuízo de R$ 48,7 bilhões, equivalente a 62,6%, ou dois terços, do rombo acumulado em todo o sistema em 2015. O desvio de recursos que beneficiou dirigentes dos fundos, partidos políticos e empresas é parte desse prejuízo.

O escândalo dos fundos é mais uma demonstração do jeito petista de governar, do modus operandi do populismo irresponsável que pretendia se perpetuar no poder iludindo a boa-fé de milhões de brasileiros.

Reencontro marcado - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 07/09

A Polícia Federal e o Ministério Público começaram a abrir a caixa-preta dos fundos de pensão. Os investigadores terão muito trabalho pela frente. Pelas estimativas iniciais, o rombo deixado pelo esquema pode alcançar os R$ 50 bilhões.

O dinheiro pertencia a servidores de estatais como Petrobras e Correios. Por anos a fio, eles fizeram depósitos para garantir uma aposentadoria tranquila. Agora descobrem que as economias foram torradas em negócios "temerários" ou "fraudulentos", segundo os investigadores.

À primeira vista, a Operação Greenfield ameaça rivalizar com a Lava Jato. Na estreia, bloqueou R$ 8 bilhões e listou 78 investigados. Alguns personagens do petrolão ressurgem no novo escândalo, como o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, e o ex-tesoureiro petista João Vaccari.

Entre as 38 empresas sob suspeita aparecem grandes bancos e a holding da JBS, a maior financiadora de campanhas políticas em 2014. Até quatro meses atrás, seu conselho de administração era presidido pelo doutor Henrique Meirelles. Nesta terça, o ministro evitou comentar a operação e disse que "ainda vai se informar do que está acontecendo".

Quem buscou se informar nos últimos anos sabe que os fundos sofreram forte interferência política nos governos petistas. O PT dominava a Petros (Petrobras) e a Funcef (Caixa Econômica Federal), e o PMDB dava as cartas no Postalis (Correios).

O primeiro relatório da operação descreve a existência de um "núcleo político" que atuava "de forma mais obscura e, em geral, sem deixar muitos rastros". Quando seus protagonistas forem identificados oficialmente, o caso deverá subir ao Supremo Tribunal Federal.

"Investigação é fio de novelo, vai puxando e vamos ver o que vem", disse nesta terça (6) o procurador Rodrigo Janot. Quando este novelo for puxado, teremos uma situação curiosa: separados pelo impeachment, políticos do PT e do PMDB devem se reencontrar no banco dos réus.