terça-feira, julho 12, 2016

A Justiça mais cara do mundo - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 12/07

Custo da Justiça no Brasil é recorde. Brasileiros pagam muito por uma burocracia cuja característica é a lentidão, com 70% de congestionamento nos tribunais



Dias atrás, Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, atravessava o restaurante quando ouviu uma voz feminina: — Ô, ministro! Ele parou, sorriu e estendeu a mão para a mulher na mesa: “Olá, como vai?” Ela respondeu ao gesto: “Parabéns. A sociedade brasileira congratula Vossa Excelência pelo julgamento do mensalão e por aumentar os próprios benefícios agora nesse momento social tão importante...” Lewandowski percebeu a ironia, manteve o sorriso, e seguiu.

A cena está na rede. Tem valor simbólico sobre a percepção coletiva do alto custo e da baixa eficiência da administração da Justiça, no debate sobre o tamanho da burocracia que a sociedade pode e/ou deseja sustentar.

O Brasil mantém a Justiça mais cara do planeta, comprovam os pesquisadores Luciano Da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Matthew M. Taylor, da American University, que mapeiam as mudanças no sistema judicial a partir da redemocratização do país.

O Poder Judiciário consome anualmente 1,3% do Produto Interno Bruto, ou 2,7% de tudo que é gasto pela União, pelos estados e municípios. Significa uma despesa anual de R$ 306,35 (US$ 91,2) no bolso de cada um dos 200 milhões de habitantes. Esse nível de gasto com o Judiciário só é encontrado na Suíça, cuja população é 25 vezes menor e a renda, cinco vezes maior.

O custo brasileiro aumenta quando somado o orçamento do Ministério Público, que não dá transparência às suas despesas. Vai a 1,8% do PIB, o equivalente a R$ 87 bilhões (US$ 26,3 bilhões). Supera o orçamento de metade dos estados. É o dobro das obras contratadas pelo governo federal, até abril, nas áreas de Transportes, Saneamento, Habitação e Urbanização.

Caro demais, ressaltam os pesquisadores, para quem o orçamento do Judiciário brasileiro é o mais alto por habitante no Ocidente. Essas instituições do Brasil custam 11 vezes mais que as da Espanha; dez vezes mais que na Argentina; nove vezes mais que nos EUA e Inglaterra; seis vezes mais que na Itália, na Colômbia e no Chile; quatro vezes mais que em Portugal, Alemanha e Venezuela. Coisa semelhante, só na Bósnia-Herzegovina e em El Salvador. Cada decisão judicial no Brasil (US$ 681,4) é, na média, 34% mais cara que na Itália (US$ 508,8).

Da Ros e Taylor continuam tentando entender por que os brasileiros pagam tão caro por um serviço judiciário cuja característica é a lentidão, onde dois em cada três processos remancham nos tribunais e alguns demoram mais que uma vida para julgamento.

Pelo ângulo estrito da despesa, verificaram o peso da enorme força de trabalho do sistema de justiça nacional. São 412.500 funcionários, o equivalente a 205 servidores por 100 mil habitantes — são 25 por cada um dos 16.500 juízes. Proporcionalmente, o Brasil tem cinco vezes mais funcionários no Judiciário do que a Inglaterra, e quatro vezes acima do que têm Itália, Colômbia e Chile.

A pesquisa prossegue, com foco no histórico dessa burocracia, cujo custo para a sociedade se multiplica pela ineficiência. Em torno dela gravita uma indústria com 880 mil advogados registrados (300% mais que na década de 90) e 1.100 faculdades produzindo anualmente 95 mil novos bacharéis. Esse número de escolas é cinco vezes maior do que nos EUA, onde se formam 45 mil por ano.

Turbilhão de incoerências - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 12/07

Vejam como estão as coisas no Congresso: a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) deve aprovar a cassação do deputado Eduardo Cunha hoje e o plenário pode eleger um candidato pinçado, patrocinado e catapultado pelo mesmo Eduardo Cunha amanhã. Duplo réu no Supremo, afastado do mandato, ele acaba de renunciar à presidência, está às vésperas de ser cassado e corre o sério risco de ser preso em questão de semanas, mas continua sendo um fenômeno, raiando o patológico.

Cunha não deixa nada barato e, até na CCJ, temem-se surpresas. A previsão é de que trinta deputados discursem e que ele e seu advogado falem durante quase três horas, tudo isso mesclado com questões de ordem, trocas de desaforo, manobras ora sutis, ora escancaradas, para continuar empurrando o processo com a barriga e adiando o fim de Eduardo Cunha. Ele conhece o regimento como ninguém e mantém, apesar de tudo e de todos, uma tropa ainda fiel e disposta a passar os maiores vexames por ele.

O ideal seria que a CCJ votasse hoje pela cassação e já começasse a contar o prazo para a palavra final do plenário. Mas, com Eduardo Cunha, não se brinca. Há quem tema que ele consiga no mínimo protelar sua cassação e há até os apavorados com a hipótese de a maioria da CCJ acatar o parecer do relator Ronaldo Fonseca e devolver tudo para o Conselho de Ética. Seria o pior dos mundos, porque não faz tão bem assim a Cunha, mas faz um mal enorme à Câmara. Uma inesperada vitória dele na CCJ não salva o seu pescoço, mas prolonga a agonia e gera uma indignação generalizada na sociedade.

Mas sejamos otimistas, acreditando na possibilidade mais forte, de que ele perca na CCJ. Só que tem de ser logo, porque um adiamento jogaria a questão e o destino de Cunha nas mãos do novo presidente da Câmara. E se ele for Rogério Rosso (PSD-DF), que foi indicado por Cunha e é do time dele? Cunha vai articular as jogadas para Rosso chutar em gol?

Se a terça-feira começa com temores quanto à capacidade de resistência de Cunha, imagine-se como vai começar a quarta, com uma profusão de candidatos a presidente-tampão, uma nuvem de incertezas e a real possibilidade de mais um erro grave da Câmara. A sensação geral é que Rosso consolidou-se como candidato (graças a Cunha, ao "centrão", ou seja, ao "baixo clero" encorpado, e, dizem as más línguas, ao Planalto de Michel Temer). A questão é quem estará do outro lado para enfrentá-lo.

A olho nu, o deputado Rodrigo Maia (DEM) parece ser o candidato mais forte a candidato contra Rosso. Ele tenta amarrar o apoio do próprio DEM – que tinha outros postulantes, como José Carlos Aleluia –, e votos no PMDB, no PSDB, no PPS e em parte do Centrão, mas não descuidou da “nova oposição”, formada por PT, PDT e PC do B. Uma situação curiosa. Já imaginaram o PT apoiando o candidato do DEM e do famoso Waldir Maranhão?

Mas é assim, nesse turbilhão de incoerências, de falta de lideranças, de partidos rachados, de imagem ferida, que a Câmara está se preparando para um presidente quebra-galho que substitua Cunha, arranque Maranhão da cadeira, comande as votações de interesse do governo Temer e seja o segundo na linha de sucessão da Presidência da República. Ah! E sem descartar um “tertius” de última hora. O processo não corresponde a tanta responsabilidade, mas, convenhamos, está à altura da qualidade da atual Câmara dos Deputados.

Para não chorar, basta lembrar que serão menos de sete meses, até a eleição para valer, ou seja, para um mandato de dois anos, se é que o futuro presidente também não estará às voltas com a justiça, com trustes, com ações no Supremo. Nessa eleição “para valer”, aí, sim, vão entrar os titulares e os principais times, PSDB, PT e PMDB _ que usam julho de 2016 para articular fevereiro de 2017. Um pulo no tempo. E que tempo!


Contas quebradas - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 12/07

Onde foi mesmo que o Brasil perdeu o pé nas contas públicas? Importante pensar sobre isso para encontrar alguma solução e evitar, no futuro, a repetição do mesmo erro. Quando as receitas subiram, o governo elevou as despesas; quando as receitas caíram fortemente, o governo continuou expandindo as despesas e aí se perdeu.

Em 2009, no auge da crise financeira internacional, as receitas líquidas do governo central tiveram a primeira queda depois de cinco anos de altas fortes. Naquele ano, o governo ampliou as despesas em 9,6% acima da inflação. Mas o momento era de crise no mundo inteiro, de esforços dos governos para manter o crescimento e, por isso, fazia sentido. Era o típico caso de política contracíclica.

No ano seguinte, 2010, o país cresceu forte e se recuperou. As receitas aumentaram. Aquela era a hora de começar a segurar as despesas para ajudar as contas a se ajustarem, mas o governo elevou o gasto em 16%, acima da inflação. Foi quando perdeu completamente o pé: no governo Lula e para eleger a presidente Dilma.

No primeiro ano do primeiro mandato, Dilma tentou segurar as pontas e fez um pequeno ajuste. Caíram as receitas, mas caíram também as despesas. No ano seguinte, houve uma pequena recuperação da arrecadação e o governo passou a ampliar sistematicamente os gastos ao nível de 6% ao ano, descontada a inflação. Com a recessão, a receita despencou e aí o país entrou no buraco fiscal.

A austeridade não é um fim em si mesma. O mérito não é a despesa caindo sempre. O que se busca é o equilíbrio e o melhor uso do dinheiro coletivo enviado ao governo para que ele faça escolhas sábias. E as escolhas feitas pelo governo, nos últimos anos, não tiveram equilíbrio nem sensatez.

Esse período será estudado como de desperdício e de erros sequenciais. E não foram apenas em Brasília. No Rio, as receitas de royalties em expansão não foram usadas para se preparar o futuro. Houve alguns bons investimentos, como os que levaram a educação do 26º para o 4º lugar, ou os que espalharam uma política de segurança com estratégia e foco. Ao mesmo tempo, na abundância ninguém viu as perdas com os excessivos subsídios a empresas que nada tinham de estratégicas. Agora, o estado está no pior dos mundos: as receitas de royalties caíram, os subsídios ao capital permanecem, e os ganhos com educação e segurança estão se desfazendo no ar.

Em Brasília, uma parte do aumento da riqueza foi usada para os programas que atenderam aos pobres. Mas foi a menor parte. O grande quinhão foi dirigido aos ricos em políticas como os subsídios e favorecimento ao capital e benesses corporativas. O novo governo vai apenas reduzir, ligeiramente, os subsídios ao capital e tem cedido às pressões das empresas.

O Brasil precisa analisar mais profundamente o gasto público para corrigir um velho problema: o de que a maior parte é apropriada pelos não pobres, uma fatia considerável se perde na ineficiência, e outra vai para programas que não são avaliados. Mesmo sendo bons, eles devem ser aperfeiçoados para aumentar a eficácia.

O governo Temer descobriu, sem maiores esforços, apenas fazendo uma avaliação superficial, que há 900 mil pessoas dependuradas no auxílio-doença por mais de dois anos, ou que existem 45 mil pessoas recebendo dinheiro para não pescar em Brasília. Quando a pesca está liberada, onde se amontoam esses pescadores do Lago Paranoá? Os programas sociais precisam ter endereço certo e devem ser avaliados constantemente. Isso não é exatamente austeridade. É respeito ao dinheiro do contribuinte.


As medidas que vão gerar empregos - JOSÉ PASTORE

O Estado de São Paulo 12/07

O presidente em exercício Michel Temer e sua equipe econômica decidiram dar prioridade à ativação de obras de infraestrutura. Isso traz boas perspectivas de empregos. Como o Brasil necessita dessas obras e possui projetos para entrar em execução imediata, poderemos ter uma boa surpresa ainda em 2017 com a criação de muitos postos de trabalho ligados a rodovias, armazéns, portos, aeroportos, metrôs, redes de esgoto e obras desse tipo.

É claro que a derrubada da alta taxa de desemprego de mais de 11% para um patamar de 5% ou 6% vai demorar dois ou três anos. Mas, com a ativação das referidas obras, o desemprego pode parar de aumentar já no segundo semestre de 2016 e começar a recuar lentamente no próximo ano em vista de medidas já tomadas pelo governo, dentre as quais, destaco:

Criação do Programa de Parcerias de Investimentos voltado para a execução de obras de infraestrutura e promoção da desestatização.

Revisão das regras de concessão de obras públicas de modo a garantir segurança jurídica e lucratividade aos investidores.

Reativação de obras inacabadas que necessitam de poucos recursos para a sua conclusão como postos de saúde, creches, escolas, armazéns agrícolas e outras.

Encaminhamento de proposta para simplificar as regras de concessão de licenças ambientais, para a execução de obras de infraestrutura.

Reformulação das regras de leniência de modo a regularizar a situação das construtoras envolvidas em ações judiciais.

Decisão de atrair o capital estrangeiro para obras de infraestrutura e para o setor de transporte, como é o caso das empresas aéreas.

A esse conjunto de medidas se soma uma série de providências que garantem mais transparência e eficiência às empresas estatais a serem geridas daqui para a frente por pessoas de comprovada competência e distantes das indicações de compadrio. As primeiras providências de Michel Temer nesse campo incluíram a nomeação de Pedro Parente e de Maria Silvia Bastos para a Petrobrás e para o BNDES, respectivamente.

Com esse conjunto de medidas, forma-se no Brasil um novo ambiente para os negócios em infraestrutura, o que deve atrair os investidores estrangeiros que hoje amargam a falta de projetos rentáveis e taxas de juros negativas em seus países. Sabedores da necessidade do Brasil nesse campo, eles tenderão a se juntar aos empresários brasileiros para ativar o setor de infraestrutura e, com isso, gerar os empregos que o Brasil precisa.

Não menos importante é a reestruturação das finanças públicas e o arrefecimento da inflação já registrado. Isso é de crucial importância para os empreendedores se animarem a investir e para os consumidores voltarem a consumir.

Ao longo das medidas voltadas para a infraestrutura, o atual governo já sinalizou ter uma clara disposição de reformar as regras de aposentadoria e pensão, apoiar a aprovação do projeto de lei sobre terceirização e a ideia de fortalecer a negociação coletiva para, com isso, reduzir a interferência do Estado nas relações de trabalho.

É claro, essas medidas dependem de uma complexa negociação com os parlamentares. Mas o relacionamento do atual presidente da República com o Congresso Nacional é infinitamente melhor do que no governo anterior. Se as mudanças nas áreas previdenciária e trabalhista ocorrerem depois das eleições municipais, elas ajudarão ainda mais o processo de retomada da geração de emprego em 2017.

Em suma. O foco na infraestrutura foi bem escolhido. O impulso das obras nesse setor em pouco tempo se irradiará para as atividades dos outros setores da economia onde, aos poucos, voltará a geração de empregos. Mas, é claro, tudo isso depende da continuidade do governo e da equipe econômica atuais.


Hora de definição - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 12/07

Não é uma questão ideológica que está em jogo na eleição do novo presidente da Câmara, mas a resistência de um espírito minimamente civilizado de fazer política. Eleger um candidato ligado politicamente a Eduardo Cunha é reafirmar diante da opinião pública um método que está condenado pela História e que, se prevalecer, apenas prorrogará a agonia da Câmara como instituição, e dos deputados como instrumentos de uma velha política que precisa ser superada por fatos concretos, e não por palavras.

Condenar deputados da chamada esquerda parlamentar por apoiarem a candidatura de Rodrigo Maia, do DEM, é fazer o jogo do “centrão”, que favorece Cunha antes de tudo. Como a esquerda parlamentar não tem número suficiente para sustentar uma candidatura competitiva, e só elegeu presidentes da Câmara quando se aliou ao “centrão”, no tempo em que eram alinhados politicamente, nada mais natural que procure uma saída para derrotar os outrora “companheiros”, hoje tornados traidores, buscando no bloco da antiga oposição — PSDB, DEM, PPS, PSB — um nome que possa garantir espaço de atuação da minoria que hoje representa.

Mais ainda, ter a garantia de que a Câmara, presidida por um representante independente, não se entregará a barganhas mesquinhas para salvar o mandato de Cunha, que continuará manipulando nas sombras caso mantenha sua condição de deputado.

Se há uma coisa que deveria unir a autointitulada “esquerda progressista” parlamentar e os deputados que não fazem parte do “centrão”, é o objetivo de retirar da vida pública o ex-presidente da Câmara.

Não basta que tenha sido obrigado a renunciar à presidência da Câmara, é preciso que seja cassado, para que se restaure um mínimo de moralidade na instituição, e que a sociedade possa ter esperanças de que é possível caminhar na direção da recuperação da credibilidade da atividade política, cuja depravação teve como consequência mais explícita a corrupção institucionalizada que está sendo desvelada pela Operação Lava-Jato, e a influência da atuação disruptiva no mau sentido de Cunha.


A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), que se reúne hoje para decidir o futuro do ex-presidente da Câmara, tem a obrigação moral de seguir o deputado Ronaldo Fonseca, relator do recurso de Cunha na CCJ, que negou o pedido para que a tramitação de seu processo de cassação no Conselho de Ética seja revista, sob o argumento ridículo da defesa de que teria sido processado como presidente da Câmara, cargo ao qual renunciou.

A tese já fora tentada anteriormente, sem sucesso, pelo então deputado petista André Vargas, que era vice-presidente da Câmara quando foi acusado no Conselho de Ética, e renunciou. É preciso dar um basta a essa “esperteza” regimental que dá margem a manobras intermináveis — que só fazem desgastar ainda mais a imagem parlamentar.

A saída de cena de Cunha é boa para o governo Temer, mas não é por isso que deveria ter a oposição dos petistas e seus aliados. Há movimentos estratégicos na política que se justificam pelos objetivos maiores, e esse é um desses momentos.

Também o presidente interino, Michel Temer, tem que se convencer de que, para aproveitar o momento histórico que se apresenta diante dele, precisa estar acima de negociações políticas já condenadas pela sociedade. E de que sua legitimidade só será alcançada se mostrar-se à altura do momento, o que deve, necessariamente, leválo a abdicar de eventuais compromissos do passado para ter direito a um futuro.

A fórmula de atingir o consenso para ser o presidente quase vitalício do PMDB já não é suficiente para encarar os novos tempos que tem pela frente. Precisa ser, enfim, mais o presidente Temer e menos o velho político Michel.


Meirelles constrói vitórias em silêncio - FERNANDO EXMAN

VALOR ECONÔMICO - 12/07

A dinâmica interna do governo Temer é diferente de Dilma


À espera da conclusão do processo de impeachment de Dilma Rousseff, Michel Temer conta com um voto de confiança do mercado financeiro e do setor produtivo. Sacramentada a provável interrupção do mandato de Dilma, porém, o pemedebista não deve contar com uma benevolência sem fim. A manutenção dessa situação e o sucesso do governo dependerá, além da capacidade da articulação política do Palácio do Planalto para fazer andar sua agenda, da habilidade do presidente da República em manter intacta a autoridade - e consequentemente a credibilidade - da equipe econômica.

Autoridades e empresários comemoram sinais de reversão da queda de confiança na economia, apesar de dificuldades pontuais do governo interino e a adoção de medidas que aumentem os gastos a curto prazo. Uma delas foi o fracasso do governo em sua tentativa de aprovar na Câmara o regime de urgência para a tramitação do projeto que trata da renegociação das dívidas dos Estados com a União.

Não bastasse o prazo imposto pelo Supremo Tribunal Federal para a renegociação dos débitos, algumas unidades da federação informaram ao Palácio do Planalto que havia um risco real de declararem moratória. Temer e seus articuladores ainda tentam acelerar a aprovação da proposta, mas não pretendem abrir mão da cláusula que também obrigará esses entes federados a limitar o aumento de gastos. O mesmo pode ocorrer em relação às finanças dos municípios. Tal iniciativa reforçará a proposta de emenda à Constituição que prevê medida semelhante em relação às despesas do governo federal.

Embora saiba que não terá como manter a máquina pública funcionando sem fazer algumas concessões, a intenção do governo é também reduzir o impacto das negociações salariais com os servidores. O aumento de benefícios sociais seguirá a mesma linha, numa simbiose entre reajustes e um maior combate a fraudes.

Outro exemplo mais recente foi a definição da meta fiscal. Com discrição e sem entrar em disputas públicas, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, viu sua visão prevalecer. A ala política do governo defendia uma meta mais condescendente, que contemplasse um déficit primário de até R$ 170 bilhões. No entanto, o objetivo do governo será encerrar 2017 com um déficit de até R$ 139 bilhões.

O Executivo terá menos dinheiro para destravar obras e projetos país afora, a um ano das eleições de 2018, o que não agradou a aliados. Mas conseguiu dar o sinal de que está disposto a reorganizar a economia brasileira de forma gradual e atacando problemas estruturais - mesmo sem ainda detalhar como obterá toda a arrecadação prevista.

Temer deu liberdade para que ministros de outras áreas opinassem sobre o assunto, mas a mensagem do Palácio do Planalto foi clara: toda e qualquer decisão de política econômica será conduzida por Meirelles. Dessa forma, a ala política do governo pode até divergir, mas a decisão tomada se adequará à Fazenda. O único capaz de derrubar uma definição de Meirelles e sua equipe é o próprio Temer - o que até agora não aconteceu. Da mesma forma, ficou acertado que o ministro da Fazenda não buscará protagonismo nas articulações com o Parlamento, as quais ficarão sob responsabilidade do Palácio do Planalto.

O episódio deu pistas de como deve ser o processo decisório num governo Temer. Na administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divergências públicas entre ministros eram comuns. O primeiro escalão do governo debatia em praça pública as mais variadas questões, até que Lula tomava partido. O petista considerava esse um processo natural, desde que todos depois respeitassem e executassem a decisão de governo adotada em seu gabinete.

Dilma mudou essa dinâmica quando tomou posse. Interditou o debate público entre ministros e direcionou ao seu escaninho todas as decisões da máquina pública federal. Eram raros os momentos em que auxiliares diretos da presidente entravam em choque fora das salas de reuniões.

Temer, por sua vez, viu um início de governo mais agitado. Ministros recém-empossados se posicionaram publicamente a respeito dos mais variados e delicados temas, o que não o ajudou a evitar críticas em meio a um turbulento momento político. Como resultado, o interino viu-se obrigado a cobrar que seus subordinados evitassem polêmicas e holofotes. Mesmo que sem maiores sobressaltos, no entanto, informações sobre o descontentamento de segmentos do governo com o ajuste fiscal não tardaram a circular.

Agora, o presidente interino já esboça movimentos mais arrojados para levar adiante após ser confirmado no cargo, em linha com a expectativa do mercado. Temer reconheceu que poderá ser obrigado a anunciar "medidas impopulares", numa demonstração de que não está disposto a ser mais um presidente acusado de ter praticado uma espécie de "estelionato eleitoral" e enganado a população - uma vez que há quem veja semelhanças entre o atual momento político e uma eleição indireta travada entre Temer e a presidente afastada.

Espera-se, assim, que o governo envie ao Congresso propostas para as reformas previdenciária e trabalhista. Diante da penúria das contas públicas, o próprio presidente interino não descarta a elevação da carga tributária.

Tais iniciativas certamente enfrentarão resistências de sindicatos e movimentos sociais, inclusive os que fazem parte da base de sustentação do atual governo no Legislativo. Os executivos que voltaram a frequentar o Palácio do Planalto têm informado Temer de que há sinais claros de um possível aumento do consumo e do investimento ainda neste segundo semestre. No entanto, também estão atentos se Meirelles continuará a absorver críticas e construir vitórias em silêncio - ou passará a se ver obrigado a expor-se em debates públicos a fim de defender suas ideias e conseguir levar adiante seus planos. Mudanças na atual dinâmica interna e correlação de forças na cúpula do governo, acreditam, podem sinalizar futuros riscos para a recuperação da economia.

Fernando Exman é coordenador do "Valor PRO" em Brasília. Raymundo Costa volta a escrever em setembro

Nosso atraso ficou atrasado - ARNALDO JABOR

ESTADÃO - 12/07

Acho muito boas as decepções recentes. Elas nos fazem avançar, mesmo de lado, como siris do mangue. O Brasil evolui pelo que perde e não pelo que ganha. Sempre houve no País uma desmontagem contínua de ilusões históricas. Esse é nosso torto processo: com as ilusões perdidas, com a história em marcha à ré, estranhamente, andamos para a frente. O Brasil se descobre por subtração, não por soma. Chegaremos a uma vida social mais civilizada quando as ilusões chegarem ao ponto zero. Erramos muito, quando vivíamos cheios de fé e esperança – dois sentimentos paralisantes.

Nessa época, a Guerra Fria, Cuba, China, tudo dava a sensação de que a “revolução” estava próxima. “Revolução” era uma varinha de condão, uma mudança radical em tudo, desde nossos amores até a reorganização das relações de produção. Não fazíamos diferença entre desejo e possibilidade. “Revolução” era uma mão na roda para justificar a ignorância da esquerda burra. Não precisávamos estudar nada profundamente, pois éramos “a favor” do bem e da justiça – a “boa consciência”, último refúgio dos boçais. Era generosidade e era egoísmo. A desgraça dos pobres nos doía como um problema existencial, embora a miséria fosse deles. Em nossa “fome” pela justiça, nem pensávamos nas dificuldades de qualquer revolução, as tais “condições objetivas”; não sabíamos nada, mas o desejo bastava. E até hoje, velhos comunas que entraram no poder continuam com as mesmas palavras, se bem que logo aprenderam a roubar e mentir como os “burgueses”.

A velha esquerda que subiu ao poder em 2002 explorou nossa antiga fome populista: recomeçar do zero, raspar tudo em busca de um socialismo imaginário.

Lula eleito seria o agente da mudança para esse arremedo bolivariano que nos danificou. Eles se aproveitaram de nossa resistência às ideias claras, à racionalidade, a qualquer vontade política generosa. Seu pedestal foi a ignorância popular, tesouro dos demagogos.

Mas o tempo anda – mesmo no Brasil. A grande mutação dos últimos 20 anos – a globalização da economia e a espantosa revolução digital mudaram até nosso conceito de tempo e espaço. Nosso atraso ficou atrasado. A velocidade do mundo furou o bloqueio da resistência colonial à modernização. Fomos obrigados a nos modernizar, muito mais pela influência econômica externa do que pela lenta marcha da mediocridade política brasileira. Somos filhos bastardos de um progresso que não planejamos.

Por decepções, fomos aprendendo, ou melhor, desaprendendo.

Nos anos 1960, “desaprendemos” a fé inabalável numa revolução mágica do ‘povo’, com a súbita irrupção dos militares. Nos anos 1970, aprendemos a descrer do voluntarismo místico da contracultura e da guerrilha heroica, mas suicida.

Nos 1980, com a restauração democrática, aprendemos muito com o tumor na barriga do Tancredo. Vimos um homem da ditadura (Sarney) assumindo o Poder (sempre este homem fatal...) e descobrimos que a democracia era “de boca” e ainda não estava entranhada nas instituições.

Nos anos 90, tivemos a preciosíssima desilusão com o Collor. Aprendemos muito com seu fracasso. O impeachment foi um ponto luminoso em nossa formação e nos trouxe uma grande fome pela organização de uma República.

FHC conseguiu consolidar uma nova agenda social-democrata que trouxe alguma racionalidade para a administração pública.

Mas o passado resistiu e voltou com Lula na pior equação: aliança entre velha esquerda e velha direita. Arrasaram o legado de FHC. Com suas ladainhas dogmáticas, ignoraram até o muro de Berlim. Como no manjado comentário de Talleyrand sobre os Bourbons: “Não aprenderam nada, não esqueceram nada”. Continuaram com a mesma obsessão de “tomar o poder”, como um flashback de 1963.

E o resultado está aí: o desastre regressista talvez com “perda total”. Nunca vi gente tão incompetente e ignorante. São as mesmas besteiras de 50 anos atrás. Tudo que construíram, com sua invejável “militância”, foi um novo patrimonialismo de Estado, em nome do projeto deslumbrado de Lula: “Eu sou do povo; logo, luto por mim mesmo”. Com suas alianças com a direita feudal, Lula revigorou o pior problema do País: o patrimonialismo endêmico.

Assim, de 2002 em diante, a excelente administração anterior foi substituída pela truculência dos pelegos chegados ao poder. A verdade é que os petistas nunca acreditaram na “democracia burguesa”; como disse um intelectual da USP – “democracia é papo para enrolar o povo”. Ou então é uma estupidez da classe média, que é, segundo a grande filósofa Marilena Chaui, “reacionária, ignorante e fascista”, sem falar no “Sérgio Moro, treinado pelo CIA”. Não entenderam, com suas doenças infantis de um comunismo vulgar, que a democracia não é um meio, mas um fim. Jamais admitirão que a via mais revolucionária para o Brasil de hoje é justamente o que chamam, com boquinha de nojo, de “democracia burguesa”. Muita gente sem idade e sem memória não sabe que o caminho para o crescimento e justiça social é o progressivo desgaste da tradição escrota das oligarquias patrimonialistas.

Assistimos agora à luta entre um desejo de reformas econômicas essenciais e a resistência dos interesses políticos sórdidos.

Mas, no final das contas, mesmo com esse engarrafamento dos escândalos, já houve um avanço em nossa consciência crítica. Estamos bem menos “alienados”. E, por conta da complexidade de nossa economia e da política que a abertura permitiu, as conquistas da democracia não vão sumir. Estamos desiludidos, porém mais sábios.

Ou seja, diante do tumor marxista vulgar entranhado na alma desses “revolucionários reacionários”, teremos de fazer uma cirurgia: o enxugamento do Estado que come a nação, inchado de privilégios e clientelismo. Ou seja, a única revolução importante hoje no Brasil seria uma revolução liberal.


De Joaquim a Henrique - RICARDO BALTHAZAR

FOLHA DE SP - 12/07

SÃO PAULO - Quando Joaquim Levy assumiu a chefia do Ministério da Fazenda, um ano e meio atrás, parecia a pessoa certa para a missão. Sem nenhum compromisso com os erros cometidos pelos petistas no primeiro mandato de Dilma Rousseff, ele era respeitado na praça e sabia o que fazer para arrumar as contas públicas e criar condições para que o país voltasse a crescer.

Deu errado, como se sabe. Levy segurou as despesas do governo e passou os dias esmurrando pontas de faca na tentativa de convencer a presidente e seus colaboradores da necessidade de apertar os cintos. Desajeitado na política, ele ficou sozinho em Brasília e perdeu credibilidade quando todo mundo percebeu que Dilma não tinha a convicção necessária para seguir a sua cartilha.

Levy também subestimou o tamanho do problema. Com a economia em recessão, as receitas do Tesouro caíram mais do que ele previra, e o rombo nas contas públicas cresceu. Mas seu erro crucial foi de natureza política. Ele achava que os petistas não tinham outra saída além da aposta no seu programa. Em novembro, antes de completar um ano no cargo, Levy estava fora do governo.

A chegada de Henrique Meirelles ao Ministério da Fazenda alimentou esperanças parecidas. Ele montou uma equipe qualificada e logo anunciou providências para frear os gastos do governo. Meirelles conta com o respeito dos investidores e goza da confiança do presidente interino, Michel Temer, que depende dele como Dilma dependia de Joaquim Levy.

Não se sabe se Temer cumprirá suas promessas de austeridade, mas o mercado exibe boa vontade com ele, porque aposta na sua capacidade de articulação política. Na semana passada, enquanto Meirelles brigava para estabelecer em 2017 uma meta fiscal mais rigorosa do que a deste ano, o principal articulador do presidente interino, o ministro Eliseu Padilha, puxava para outro lado. Ele se retraiu no fim, mas deixou claro que Meirelles não joga sozinho.


A era da incerteza – II - RUBENS BARBOSA

ESTADÃO - 12/07

Os ingredientes para uma radicalização do eleitorado estão hoje presentes na França



A França passa por uma situação de extrema complexidade dentro do contexto europeu. A crise econômica e social se agrava, as empresas perdem competitividade, comparadas às suas congêneres alemãs e inglesas, e a taxa de desemprego atinge 10% da população, uma das mais altas da União Europeia. O Estado protecionista e regulador em excesso tem gerado gastos crescentes, agravados pelos programas sociais do Estado de bem-estar social (welfare State) adotados nas últimas décadas por sucessivos governos de centro-esquerda. O baixo crescimento, combinado com a redução de arrecadação e o também baixo investimento, só tem acarretado problemas. A dívida pública sobe a ¤ 2,1 bilhões, cerca de 95% do produto interno bruto (PIB).

O governo francês é acionista de 77 empresas e enfrenta graves crises nas cinco principais: EDF (energia), na qual detém participação de 85%, Correios (73%), Airbus (11%), Peugeot Citroën (14%) e Orange (13%). A origem da crise está justamente na influência do Estado, que acumula as funções de acionista, regulador e empregador. Na área de telefonia, enquanto uma empresa privada do mesmo porte emprega menos de 8 mil funcionários, a Orange abriga mais de 100 mil. A companhia de estrada de ferro SNCF, com dívidas de mais de ¤ 40 bilhões, é forçada a participar de projetos de trens de alta velocidade que jamais serão rentáveis.

O resultado desse quadro é a necessidade imediata de uma ampla reforma do papel do Estado. O governo socialista francês, diante da situação, não teve alternativa senão iniciar reformas para tirar o país da estagnação e da perda de competitividade no espaço europeu. Começando pela flexibilização da legislação trabalhista, uma das mais protecionistas de toda a zona do euro, o governo propôs que a negociação coletiva setorial entre empresas e sindicatos sobre horas extras fosse substituída pela negociação direta entre empregados e empregadores. Anteriormente, o governo já havia tentado reverter, sem sucesso, a legislação que determina jornada máxima de 35 horas semanais para os trabalhadores, uma das mais generosas do continente, e que só faz agravar a perda de competitividade das estatais francesas.

Como seria de prever, houve forte reação de estudantes e sindicatos. Nos últimos quatro meses, a França assistiu a uma violenta onda de protestos, com mais de 2 mil manifestantes presos e centenas de policiais feridos. A central sindical CGT ameaça paralisar o país com greves gerais e setoriais. A reação sindical representa a defesa corporativa dos privilégios (legais) dos sindicatos, mas prejudica a percepção externa sobre o país.

Diante dos protestos violentos, a mais grave explosão social dos últimos 20 anos, e da ameaça de greve nos setores de transporte e combustível, especialmente enquanto o país sediava o Campeonato Europeu de Futebol, a imagem da França passou a ser a de um país caótico, com um governo sem autoridade, onde vinha parecendo ser impossível aprovar no Parlamento as reformas imprescindíveis para modernizar a nação e reduzir os gastos públicos. Quando se compara com as profundas reformas trabalhistas na Espanha e na Itália, cresce a perplexidade europeia diante da França, com seus psicodramas sociais.

A dificuldade de reformar a França naquilo que ela tem de mais essencial econômica e socialmente é, em especial, depois de décadas, resultado de um sindicalismo corporativo que não quer perder privilégios. Os seus dirigentes embarcaram numa ação violenta contra uma decisão governamental (flexibilização) legal e necessária.

Na semana passada, diante do impasse para a aprovação das reformas trabalhistas no Parlamento, o governo francês jogou uma última cartada: invocou poderes constitucionais para forçar a aprovação da reforma trabalhista sem submetê-la à votação. A medida foi anunciada no último dia 5 e, curiosamente, não provocou uma nova onda de protestos. O motivo: férias. Mas os sindicatos prometem voltar às ruas em setembro.

A depender do que acontecer após o período de vacances(férias, em francês), as consequências desse quadro não tardarão a aparecer: a Comissão Europeia se impacienta, empresas pensam em investir em outros países e a violência dos protestos começa a impactar o turismo. A conta das perdas ocasionadas pelas greves afeta fortemente as empresas, estatais e não estatais, e os setores de serviço e consumo.

Nas últimas semanas, a situação política e econômica interna ficou ainda mais complexa com a decisão do referendo no Reino Unido de sair da União Europeia. O presidente francês, François Hollande, reagiu de imediato, pedindo solução rápida para a negociação entre a União Europeia e os britânicos, mas também sugerindo que o processo de integração empreenda reformas de modo a ser reforçado. Por outro lado, os grupos que se opõem à presença da França na União Europeia, liderados pelo partido nacionalista de Marine Le Pen, populista e xenófoba exacerbada, logo pediram um referendo sobre o tema. Em 2017 a França terá eleições presidenciais e a União Europeia será um dos principais itens da agenda eleitoral. Não parece provável que a França tome a atitude radical do Reino Unido, uma vez que, juntamente com a Alemanha, é um dos pilares da integração europeia.

Os ingredientes para uma radicalização do eleitorado seguindo líderes populistas, nacionalistas e xenófobos estão presentes na França de hoje. Assim como em outros países do bloco, a crise econômica, com o consequente aumento da desigualdade de renda e do desemprego, e a perda do poder de compra da massa salarial, num momento de grande afluxo de imigrantes e refugiados, está fazendo crescer o sentimento antiestablishment, com perigoso efeito sobre a temperatura política no país.

* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP

Para além da derrota do PT - MARCO ANTONIO VILLA

O GLOBO - 12/07

A reconstrução nacional terá de passar também pela reforma dos Três Poderes da República



Não há dúvida de que o Brasil vive a mais grave crise do período republicano. O país aguarda a conclusão do processo de impeachment para iniciar o longo e penoso processo de reconstrução nacional. O PT esgarçou os tecidos social e político a um ponto nunca visto. Transformou o Estado em correia de transmissão dos interesses partidários. E desmoralizou as instituições do estado democrático de direito.

O projeto criminoso de poder deixou rastros, por toda parte, de destruição dos valores republicanos. Transformou a corrupção em algo rotineiro, banal. A psicopatia petista invadiu, como nunca, o mundo da política nacional. Mesmo com as revelações das investigações dos atos criminosos que lesaram o Estado e os cidadãos, o partido e suas lideranças continuaram a negar a existência do que — sem exagero — pode ser considerado o maior desvio de recursos públicos da história da humanidade.

Não há qualquer instância do Estado sem a presença petista. Por toda parte, o PT foi instalando seus militantes e agregados. Transformou o governo em mero aparelho partidário — e isso sem que tenha chegado ao poder pela via revolucionária. Esta é uma das suas originalidades. Usou de todas as garantias da democracia para solapá-la. Desprezou a Constituição e todo o arcabouço legal. Considerou-os mero cretinismo jurídico. Jogou — e até agora, ganhou — com a complacência da Justiça. Nada justifica, por exemplo, que a Lei 9096/96, que trata do registro dos partidos políticos, até hoje não tenha sido aplicada nos casos envolvendo o PT e os desvios de recursos públicos. Como é possível ter dois tesoureiros sentenciados — e outro processado — sem que o partido tenha o registro cassado, como dispõe o artigo 27 da citada lei?

A reconstrução nacional terá de passar também pela reforma dos Três Poderes da República. O petismo levou ao máximo a crise de representação política, da administração pública e do funcionamento da Justiça. Não é tarefa fácil. Pode levar várias gerações. Mas é inexorável. E urgente. A indignação popular é dirigida ao conjunto dos poderes da República. Nada funciona de forma eficaz. Por toda parte, o cidadão encontra corrupção e injustiça. É como se o país fosse uma república de salteadores. E quem cumpre as leis faz papel de idiota.

Enfrentar este estado de coisas não é uma tarefa de um poder. É evidente que o novo governo que vai surgir da aprovação do processo de impeachment tem de fazer a sua parte, aquela que cabe ao Executivo. Mas os outros dois poderes também estão podres. Ninguém confia nas representações parlamentares. Mas também ninguém confia na Justiça. Se o Parlamento é patético, o que podemos dizer do STF que considerou “grave ameaça à ordem pública” o boneco representando o ministro Ricardo Lewandowski?

Há uma fratura entre os cidadãos e a Praça dos Três Poderes, em Brasília. Toda aquela estrutura cara e carcomida por ações antirrepublicanas de há muito não representa os sentimentos populares. A crise é muito maior do que se imagina — e se fala. Se a grave situação econômica pode ser enfrentada e vencida pelo novo governo a partir do ano que vem, se a aprovação de uma legislação mais severa pode coibir os atos de corrupção, se alguma reforma eleitoral pode melhorar a qualidade da representação popular, a tarefa mais complexa será a do enfrentamento de uma nova realidade social produzida nas metrópoles, por um Brasil desconhecido, pouco conhecido e que não faz parte das interpretações consagradas, como aquelas dos anos 1930, como “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda, que ainda retratava um país rural. De um Brasil que necessita ser desvendado, de dilemas complexos e que precisam ser compreendidos para serem enfrentados. E que não passa pela fraseologia barata de fundir citações de letristas de canções populares com velhos explicadores da “civilização brasileira.”

Vivemos um momento novo. O terrível é que as instituições estão velhas. E não há intérpretes que consigam desenhar cenários do que somos e para onde poderemos ir — as universidades perderam a capacidade de exercer o papel de consciência crítica; hoje, não passam de instituições corporativas, sem papel relevante.

A edificação da democracia, com a promulgação da Constituição de 1988, ignorou as profundas contradições sociais que foram gestadas com a urbanização selvagem que se intensificou nos anos 1980. Foi elevado um edifício moderno tendo como base uma antiga estrutura que se manteve intocada. E, pior: com o desconhecimento do solo social. E deu no que deu, numa crise sem fim.

Derrotar o projeto criminoso de poder foi uma grande vitória. Ele agravou as mazelas brasileiras. Ou melhor, foi consequência do rápido apodrecimento das instituições. O desafio será enfrentar a herança maldita do leninismo tropical que, além de tudo, desmoralizou a democracia. E isto é grave, especialmente em um país com a nossa triste tradição autoritária. Por isso, processar, julgar e condenar — pois os crimes são evidentes — o chefe do petrolão terá um enorme (e benéfico) papel pedagógico, uma demonstração inequívoca que o crime não compensa e que a lei é igual para todos.

O impeachment de Dilma Rousseff — que é muito importante — precisa ser complementado por ações que levem a uma reestruturação do Estado, das suas instituições e, principalmente, de suas práticas. Não podemos continuar a ser um país que parece que está de cabeça para baixo, onde as imagens vivem se confundindo, onde passamos, em instantes, do claro ao escuro, da verdade ao engano, do sublime ao patético.

Marco Antonio Villa é historiador

Voo privatista - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 12/07

Iniciado há quatro anos, o processo de privatização dos principais aeroportos do país já legou melhoras visíveis aos usuários, mas deixou por resolver deficiências estruturais do setor.

Daí que suscite dúvidas a intenção de tirar do poder público a gestão de Congonhas, em São Paulo, e do Santos Dumont, no Rio de Janeiro, manifestada pelo presidente interino, Michel Temer (PMDB), em entrevista a esta Folha.

Em tempos de flagelo orçamentário, a providência renderia um reforço mais que bem-vindo aos cofres do Tesouro Nacional. No momento, as concessões oficialmente programadas limitam-se aos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Florianópolis e Fortaleza, com receita esperada em torno de modestos R$ 4 bilhões.

É de esperar que as autoridades tenham aprendido com os equívocos anteriores. Em 2012, quando foram leiloados os terminais de Guarulhos, Brasília e Campinas, editais pouco exigentes tornaram vitoriosos grupos empresariais de porte médio e escassa experiência no ramo.

O problema foi sanado no ano seguinte, mas as privatizações do Galeão (RJ) e de Confins (MG) reincidiram no modelo que mantinha a estatal Infraero como sócia obrigatória dos consórcios vencedores, com participação de 49% no negócio.

Os efeitos colaterais são perceptíveis hoje. Com resultados comprometidos pela recessão, os concessionários mal conseguem honrar os pagamentos anuais devidos ao Tesouro, e o ingresso de pouco mais de R$ 2 bilhões deverá ser adiado deste mês para dezembro.

Deficitária, a Infraero tampouco tem condições de fazer aportes aos empreendimentos. A estatal, desenvolvida pelos militares, padece dos males de uma estrutura arcaica e inchada, na qual grassa o corporativismo —basta dizer que assumiu os custos com os funcionários não aproveitados nos aeroportos desestatizados.

É justamente na rentabilidade dos dois terminais da ponte aérea Rio-São Paulo que a empresa se ampara agora. O passo sugerido por Temer, portanto, terá consequências para a sustentação financeira de toda a rede restante.

Nesses casos, a sofreguidão por receitas pode ser má conselheira, como mostram vícios das privatizações que não dedicaram o devido cuidado à regulação dos setores afetados —entre os exemplos, formação de oligopólios, carência de investimentos e empresas dependentes do socorro federal.

O deficit no Orçamento é uma mazela conjuntural; eliminar ineficiências públicas e privadas deve ser um objetivo permanente.


Reforma urgente - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 12/07

Como já mencionado nestas páginas de Opinião, a eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados, marcada para amanhã, representa a oportunidade de o Legislativo iniciar a retomada da missão constitucional de elaborar ou melhorar regras de temas de relevância nacional. Uma das questões emergenciais constitui a reforma da Previdência. Os números são avassaladores. O deficit previsto para 2017 chega à fantástica ordem de R$ 183 bilhões. Mais do que o valor astronômico, preocupa muito a evolução do rombo se nada for feito. Estimativas indicam que a despesa do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) crescerá de forma contínua até 2060.

O mais grave é o aumento proporcional da despesa do INSS em relação ao Produto Interno Bruto - esse índice, hoje no patamar de 7%, pode alcançar 12,6% até 2050. Trata-se de um cenário gravíssimo, se considerarmos que o país atravessa profunda recessão e, segundo previsões otimistas, só retomará o crescimento econômico em 2017. Em termos simples, a situação da Previdência pode ser explicada assim: uma despesa que não para de crescer, mantida por um orçamento cada vez mais apertado. É evidente que essa equação é insustentável.

Desde o dia que assumiu o comando da Fazenda, Henrique Meirelles alertou para a necessidade premente de se aprovar a reforma da Previdência. Em entrevista na semana passada, o ministro afirmou que o governo pretende enviar uma proposta ao Congresso até outubro. "Espero que seja antes das eleições municipais. Porque é preciso que haja condições para ser aprovada a reforma, que não é uma questão simples que se resolve com atos unilaterais do Executivo", disse. Meirelles ressaltou a urgência de se discutirem, com seriedade, os capítulos inerentes aos problemas. "Mais importante até que a idade mínima para a aposentaria é o cidadão ter a garantia de que vai receber a aposentadoria, que a solvência do Estado vai estar garantida", comentou à Rádio Estadão.

Em entrevista aos Diários Associados, também na semana passada, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, reforçou os argumentos do governo. Ele não acredita que a reforma da Previdência saia este ano, mas ressalta que não se pode mais postergar o tema, sob o risco de colapso nas contas públicas. "A gente gasta hoje com Previdência o mesmo que um país que tem 30% de pessoas com mais de 65 anos na população economicamente ativa. Em 2009, o Japão tinha 35% da população acima de 65 anos e gastava 10% do PIB. A gente, com 10% de pessoas com a mesma idade, gastava 11,4% do PIB. E nós seremos o Japão (em termo de idosos) daqui a 30 anos", descreveu Mansueto.

De âmbito político e técnico, a discussão pode ser difícil para o público em geral, mas tem impacto imediato na vida do brasileiro- basta lembrar a agonia dos aposentados no Rio de Janeiro, desprovidos de seu benefício em dia. "A reforma da Previdência vai ter que ser debatida de forma transparente. Você pode divergir qual é a idade mínima ideal, qual é o mecanismo de transição, qual é o requisito de aposentadoria pelo regime geral. Pode debater tudo isso. Agora, terá que ficar claro o que será necessário", disse Mansueto. "Temos que perder o medo desse debate. Se não quer fazer, tudo bem. Mas vai ter um custo muito grande."


segunda-feira, julho 11, 2016

Day after - RUY CASTRO

Folha de SP - 11/07

Relatos das internas dão conta de que o ex-presidente Lula está deprimido e apreensivo. Deprimido porque, longe do poder, já quase não o procuram para conversar. Como não sabe fazer mais nada, o ócio o afeta cruelmente. Sua única distração tem sido cantar senadores para que votem a favor de Dilma no impeachment, prometendo comparecer aos palanques deles nas províncias. Mas, se poucos querem a sua companhia num jantar, quem vai querê-la num palanque?

E a apreensão é pela sombra de Curitiba em sua biografia.

A querida Curitiba só dá desgostos a Lula. Desde que seus agentes literários, Marcelo Odebrecht e Leo Pinheiro, se mudaram para lá há um ano, cessou a procura por suas palestras, pelas quais recebia cachês com que homens como Albert Einstein, Bertrand Russell e Aldous Huxley, em seu apogeu no século 20, sequer sonharam. Mas, pensando bem, o que Einstein, Russell e Huxley tinham a dizer aos ditadores do Oriente Médio, América Central e África, principais plateias do palestrante Lula?

Impressionante como essas investigações estão afetando a vida profissional de tantos que, até há pouco, exerciam funções vitais na economia. José Dirceu, por exemplo, teve cortado o fio do escafandro que lhe permitia prestar assessoria a empresas e governos e lhe rendia comissões dignas de um herói do povo brasileiro. Como ficam os negócios desses investidores sem os contatos de Dirceu?

E como ficam os negócios de Dirceu sem os contatos do governo?

Sobrou até para uma escola de samba gaúcha, que um ex-tesoureiro do PT ajudava, dizem, com dinheiro do Ministério do Planejamento. Por gratidão, a escola bordava o nome do benfeitor em sua bandeira e compunha sambas-enredo em sua homenagem. Com a prisão do tesoureiro, a escola pode perder até a sua madrinha de bateria.

É o "day after" do poder.

A apoteose dos bonecos foragidos - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA


Num lance de judicialismo fantástico, o STF (Supremo Tribunal Federal) pôs a Policia Federal no encalço de dois desses bonecos infláveis de passeata, também chamados "pixulecos". Na quarta-feira passada, por meio de um ofício assinado pelo secretário de Segurança do Supremo, Murilo Herz, a mais alta Corte do Brasil requisitou forças policiais para encontrar e identificar os responsáveis pela confecção e exibição dos dois artefatos satíricos, um caricaturando o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e o outro ironizando o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Segundo apurou o Supremo, os dois fizeram sua estreia no dia 19 de junho, num protesto na Avenida Paulista, em São Paulo. O pixuleco de Lewandowski o retrata segurando uma balança em que a estrela do PT pesa mais que a bandeira nacional. O de Janot leva pendurado no pescoço um arquivo de metal cinza carimbado com o epíteto "petralhas". A reação da cúpula do Judiciário tardou (como reza a tradição), mas não deixou por menos. Chamou a polícia.

Os bonecos são ofensivos? Sem dúvida. A própria palavra pixuleco já é ofensiva. Era uma senha que um operador de dinheiros esquisitos, preso na Lava Jato, usava para se referir a propina. Lógico: chamar alguém de pixuleco, seja quem for, é um xingamento. O pixuleco de Lula era especialmente ofensivo, ao retratá-lo com roupa de presidiário. O de Dilma também era ofensivo, sobretudo se levarmos em conta que ela estava no exercício da Presidência da República. Apesar das ofensas, o poder não tentou criminalizá-los e, nisso, foi sábio.

Agora, o tempo fechou. Caçoar da presidente da República, tudo bem, mas zoar com a estampa do presidente do Supremo, alto lá! O secretário de Segurança do STF viu no episódio uma agressão seriíssima, ou, em suas próprias palavras, uma "grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade de uma das principais instituições que dão suporte ao estado democrático de direito".
Nos termos do ofício, as alegorias rechonchudas são alçadas ao patamar de inimigos públicos ameaçadores e pestilentos. "Configuram, ademais, intolerável atentado à honra do Chefe desse Poder e, em consequência, à própria dignidade da Justiça Brasileira, extrapolando, em muito, a liberdade de expressão que o texto constitucional garante a todos os cidadãos, quando mais não seja, por consubstanciarem, em tese, incitação à prática de crimes e à insubordinação em face de duas das mais altas autoridades do país."

Com sua hermenêutica severa, o secretário enfim reclama, "em caráter de urgência", esforços policiais "no sentido de interromper a nefasta campanha difamatória contra o chefe do Poder Judiciário, de maneira a que esses constrangimentos não mais se repitam".

Isto posto, os policiais dão busca em bonecos. Imagine a cena. É ou não é judicialismo fantástico? É ou não é dadaísmo jurídico? Surge assim um novo ramo das ciências jurídicas, o ius-saramandaia. Eis então que a mais egrégia entre todas as egrégias Cortes do país acaba de inventar a censura de passeata. Fazer pixuleco de Dilma pode. De Lula também. De Lewandowski, não, nem pensar. Isso "extrapola, em muito, a liberdade de expressão". Em breve, as prefeituras serão instruídas a, no instante de autorizar uma manifestação em logradouros públicos, verificar de antemão os cartazes, faixas, máscaras, adereços e pixulecos que serão exibidos, com o propósito de interditar previamente os que pratiquem o crime atentatório de caçoar de magistrados. Por analogia, a mesma medida será estendida ao Carnaval de Olinda, famoso por seus bonecos gigantes. Não custa prevenir.

Ou será que custa? A verdade é que esse tipo de prevenção custa, e custa muito mais caro do que não fazer absolutamente nada. Esse tipo de prevenção acarreta o efeito oposto: em lugar de conter, potencializa a zombaria. Os pixulecos judiciários aí estão para comprovar. Se o Judiciário tivesse sido mais sábio e deixasse isso para lá, a imensa maioria dos brasileiros jamais teria ouvido falar do boneco de Lewandowski. Mas, como a dura lex se abalou, os novos pixulecos fizeram fama da noite para o dia. Jornais e sites do Brasil inteiro, para cumprir o dever de explicar a seus leitores do que trata o inesperado oficio do STF, são obrigados a mostrar fotos dos dois pixulecos, a explicar o que eles criticavam e dizer que eles também atendiam pelas alcunhas de Petrolowski e Enganô. Ao tentar intimidar a caçoada, o Supremo inadvertidamente a consagrou. Moral da história: os bonecos foragidos estão em êxtase e, daqui por diante, tendem a se multiplicar.


O conflito entre o bem e o bem - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 11/07

Minha religião é a tragédia. Não porque eu creia em Zeus ou Afrodite (neste caso, quase faria uma exceção ao meu ceticismo, devido a certas mulheres que conheci ao longo da vida), mas porque tenho certeza de que a tragédia é a forma mais acabada que o espírito humano encontrou pra descrever nossa condição.

Escrevi algumas semanas atrás que minha religião é a tragédia. Muitos leitores me perguntaram o que eu queria dizer com isso. Com o tempo vamos aprendendo onde nos sentimos em casa (esta é uma forma de felicidade muito sutil para espíritos ruidosos). A tragédia é uma de minhas casas, talvez a mais "minha" de todas.

Ao longo da vida percebemos que as pessoas sofrem, resolvem problemas, fazem escolhas entre "X" e "Y", enfim, enfrentam a labuta do dia a dia. Com o tempo, sem saber ao certo a razão, desenvolvi um encanto por essa capacidade de ação dos meus semelhantes. Hoje, sei que existia nesse encanto que sentia o reconhecimento de que os seres humanos, na sua infinita batalha cotidiana, mereciam aquilo que só mais maduro pude saber o que era –eles mereciam reverência.

Dito nas palavras que aprendi com Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.): a vida dos seres humanos desperta em nós, quando olhamos com atenção, "terror e piedade", traços da tragédia grega, segundo o filósofo.

E, antes de tudo, meus semelhantes mereciam reverência porque, ao final (um importante detalhe que logo ficou claro pra mim), sempre perderiam a batalha. A vida ficou clara na sua "essência" para mim quando, depois de deixar a infância, entendi que somos como heróis da tragédia: combatemos até o fim, mas sempre seremos derrotados ao final. Não só a morte enquanto tal, mas as perdas, as frustrações, as mentiras, os amores impossíveis, dores de todos os tipos.

Evidente que isso tudo é atravessado por uma profunda beleza e coragem que, às vezes, assim como que num ato de graça, conseguimos até tocar com as mãos ou sentir seu perfume. E essas duas, beleza e coragem, que considero irmãs de sangue, tornam ainda mais evidente o reconhecimento de que os seres humanos merecem reverência nessa labuta sem fim.

Hoje reconheço aquilo que para grandes autores como G. W. F. Hegel (1770-1831), Isaiah Berlin (1909-1997) e John Gray, vivo e em atividade, se constitui num dos traços marcantes da condição trágica: o fato de, muito pior do que ter de escolher entre o bem e o mal, sermos obrigados, em muitos dos mais dramáticos momentos de nossas vidas, a escolher entre o bem e o bem.

Os utilitaristas na virada do século 18 para o 19 entendiam que a vida humana se dá por meio de escolhas racionais: escolhemos o bem-estar e não o sofrimento (o mal para o utilitarismo).

Isso é apenas meia verdade. Fosse essa a realidade na sua plenitude, não haveria problema. A verdade é que, muitas vezes, somos obrigados a escolher entre duas formas de bem em conflito irremediável. Bens materiais x bens imateriais, fidelidade x paixão, filhos x dedicação à vida profissional, verdade da alma x verdade do corpo, sinceridade x sobrevivência, enfim, apenas iniciantes acreditam que o utilitarismo "resolve" o drama moral humano. Gray chama esse tipo de escolha de "escolha radical", porque ela nos lança no drama trágico por excelência.

Martin Thibodeau, no seu maravilhoso "Hegel e a Tragédia Grega", recém-lançado pela É Realizações, descreve essa mesma condição dizendo que a vida é trágica porque ela se dá fora de qualquer possibilidade de redenção metafísica, de qualquer acordo final que possa dar conta da oposição entre bens, da cisão interior, da negatividade dos fatos e do conflito essencial que alimenta nossas vidas sem possibilidade de "domesticação".

"The clash between good and good", nas palavras de Gray, ou "o conflito entre o bem e o bem", é nosso principal problema moral. Todas as demais formas de concepção de vida, para mim, estão aquém dessa clareza trágica. Quando estamos diante de uma escolha dessa, a vida cobra sua conta. Ela cobra de nós a capacidade de sentirmos terror e piedade de quem sofre tamanha maldição.


O destino da Lava-Jato - MARIA CRISTINA PINOTTI

REVISTA VEJA

Existem boas razões para acreditar que o Brasil não repetirá a Itália, onde os políticos conseguiram se livrar das condenações. Mas a pressão da sociedade precisa ser permanente



UM QUADRO DE CORRUPÇÃO sistêmica emerge das investigações da Lava-Jato. Hoje, sabe-se que o pagamento de propinas para participar de obras públicas era visto cinicamente pelas empreiteiras como "pedágio" para tomar parte em contratos públicos. O volume de recursos movimentado e a sofisticação usada para sua ocultação escancaram a magnitude da corrupção. Além de propinas, todas as outras formas de corrupção ocorreram de maneira sistemática, como troca de favores, compadrio, fraudes contábeis e eleitorais, apropriação indevida do dinheiro público, sonegação de impostos, tráfico de influência. A certeza da impunidade produziu esse manual de condutas criminosas, que agora vem à luz com as investigações.

Além dos custos éticos, sociais e políticos, a corrupção gera enormes custos econômicos. Afetado por parasitas, o organismo econômico se debilita, o que leva à queda da produtividade e à consequente redução do crescimento. Nos investimentos em infraestrutura, desaparece a competição e encastelam-se cartéis que produzem obras superfaturadas e de baixa qualidade, fruto de projetos que favorecem interesses privados. Apenas parte dos recursos públicos chega ao seu destino, ficando o restante no caminho minado pela corrupção, o que afeta negativamente a qualidade dos investimentos, das transferências aos mais pobres e dos serviços públicos, como saúde e educação. Nesse ambiente de incerteza e ineficiência, retraem-se os investimentos privados, e o país se fecha às inovações, sofrendo um processo de esclerose precoce.

Para voltar a crescer, o Brasil tem de reduzir, permanentemente, a corrupção. As perspectivas são favoráveis e trazem esperança. Estamos dando ao mundo um exemplo de como fazer uma investigação, dentro do mais completo respeito às leis, e com uma eficiência que causa espanto aos acostumados com a impunidade. Mas riscos existem, e é bom ficarmos atentos. Ao ameaçar um grande número de políticos, a Lava-Jato enfrenta um momento delicado. A perspectiva de condenação exacerba nos legisladores envolvidos a tentação de alterar as leis e instituições que os ameaçam. Diálogos gravados entre líderes políticos não deixam dúvidas a respeito. Argumentos de que é preciso "voltar à normalidade" são defendidos sob o disfarce de "acordos de salvação nacional" - e que são meras tentativas de salvar a pele dos investigados.

A Itália sucumbiu nesse ponto. A Operação Mãos Limpas, realizada entre 1992 e 1998, e que, pelo porte e pela qualidade dos métodos investigativos, guarda semelhanças com a Lava-Jato, fornece lições valiosas. A reação do sistema politico, liderada por um dos principais acusados, o empresário da área de construção e comunicações Silvio Berlusconi (que se tornou primeiro-ministro), mutilou leis para proteger os corruptos e dificultar a identificação e a punição dos seus crimes. Conhecemos o resultado, e basta abrir um jornal italiano para ver casos de corrupção sendo por vezes protagonizados pelos mesmos indivíduos condenados no passado. Como diz o magistrado italiano Piercamillo Davigo, a espécie predada se fortaleceu. A Itália continua a ser um dos países da Europa com maior índice de corrupção — e crescimento econômico medíocre. O exemplo mais recente ocorreu na semana passada, quando se realizou a Operação Labirinto, que prendeu 24 pessoas, entre elas um político próximo do primeiro-ministro. É a prova de como quase nada mudou na Itália. Mas não estamos fadados a reiterar a história italiana. Ao contrário, o exemplo nos motiva a não repetir os erros lá cometidos.

Há diferenças importantes entre o caso brasileiro e o italiano conspirando a nosso favor. O mundo mudou. A globalização aumentou a interação entre os países, tornando-os mais dispostos a combater o crime organizado. A ampliação das ações terroristas, da corrupção e do tráfico de drogas levou ao aumento dos controles internacionais sobre as transferências de recursos. Acordos de cooperação foram firmados, criando condições para que as informações financeiras fluam com rapidez entre as nações. Sem contar com tais instrumentos, a Mãos Limpas encontrou enorme dificuldade em conseguir dados sobre contas e valores depositados no exterior. Além disso, na Itália o clima de violência dos anos de chumbo, com ações terroristas e atentados matando dezenas de pessoas, marcou dramaticamente a sociedade. A ação da máfia, que impôs ameaças e a "lei do silêncio", e os suicídios ocorridos entre os investigados contribuíram para assustar a população e minar o apoio às investigações. Outra diferença, importantíssima, a favor do Brasil refere-se à qualidade e à liberdade da nossa imprensa, duramente conquistadas. Na Itália, a situação é diferente, com o Estado e os principais partidos políticos mantendo presença forte nos meios de comunicação.

O exemplo do Chile deveria nos animar. Ao ver familiares e membros do governo envolvidos em corrupção, em 2014, a presidente Michelle Bachelet criou o Conselho Assessor Presidencial, formado por duas dezenas de cidadãos, de profissões variadas. O objetivo foi elaborar propostas para reduzir a corrupção, repensar o financiamento de partidos e regular conflitos de interesse. Eduardo Engel, renomado economista, assumiu a presidência do conselho, que em 45 dias chegou a 236 propostas. Elas foram levadas ao Congresso, que não demonstrou entusiasmo em apreciá-las, já que feriam interesses de políticos corruptos. A saída encontrada por Engel para que o esforço não fosse em vão foi simples e eficaz. Criou o Observatório Anticorrupción, cujo objetivo é acompanhar os avanços das medidas anticorrupção. As informações são atualizadas regularmente no site da organização, que se tornou um termômetro considerado confiável. A popularidade de Engel supera a de adorados jogadores de futebol, e ele foi capaz de incorporar, com maestria e transparência, o papel de guardião do processo anticorrupção. Ao denunciar a iminência de retrocessos, mobiliza a opinião pública e vence a resistência do Congresso em aprovar medidas que ferem privilégios. Houve queda nos casos de corrupção. A população atesta e aprova o avanço.

O Brasil não precisa necessariamente replicar o modelo chileno. A lição crucial a ser aprendida é a importância do apoio da sociedade na luta contra a corrupção. Felizmente, temos exemplos marcantes de mobilização popular e de esforço conjunto das instituições no enfrentamento da corrupção a nos dar esperanças. Foi notável a coleta de mais de 2 milhões de assinaturas em apoio ao projeto de lei das Dez Medidas contra a Corrupção, propostas pelo Ministério Público Federal — ora tramitando, embora lentamente, no Congresso. As manifestações do dia 13 de março, com milhões de pessoas nas ruas, foram as maiores já registradas. Crucial ainda contra a impunidade provocada por infindáveis recursos protelatórios foi a recente decisão do Supremo Tribunal Federal que alterou a jurisprudência e permitiu a condenação de réus a partir de julgamento em segunda instância, pondo fim a uma venenosa jabuticaba brasileira. Por último, Michel Temer tem declarado total apoio à Lava-Jato. Esperamos que essas conquistas se mantenham. Que se mantenha a prisão com condenação em segunda instância, que o STF voltará a analisar. Que se mantenham os termos da delação, que parlamentares já insinuam limitar, com o objetivo óbvio de dificultar a colaboração premiada. Que se mantenha a liberdade de atuação, dentro da lei, das autoridades policiais e judiciais, pois se fala, no Congresso, em projetos para conter supostos abusos de autoridades.

Apesar das ameaças vindas dos defensores da velha ordem, há motivos para conservarmos o otimismo quanto ao futuro da Lava-Jato e demais investigações contra a corrupção sistêmica no pais. Valorizando mais as oportunidades que as dificuldades do momento, e apoiando o combate à corrupção e o fortalecimento das instituições, construiremos um país mais justo, do qual voltaremos a ter orgulho.

*economista, é sócia da consultoria A.C. Pastore & Associados

Retórica infame - FABIO GIAMBIAGI

O Globo - 11/07

Defensores de Dilma dizem que o impeachment representaria a reação dos ‘brancos de olhos azuis’ que estariam querendo ‘ir à forra’ após uma década de avanços sociais


O Brasil é um país com grandes diferenças sociais, refletidas numa série de vícios. Vou exemplificar com algo que aconteceu comigo diversas vezes: ao me aproximar, no ambiente de trabalho, de um bebedouro para beber um copo de água, a pessoa do serviço de apoio e limpeza que se encontrava no local se afastou, retirando o copo antes de enchê-lo, cedendo a vez e dizendo “pode passar, doutor”. A cena sempre me choca e seria inimaginável na Europa, por exemplo. Não adianta insistir para que a pessoa continue enchendo o copo, ser amável etc.: na posição subalterna em que a pessoa se coloca, a primazia é dos “doutores”. E não é a cor da pele que faz a diferença, pelo fato de, mais de uma vez, a pessoa em questão e eu sermos ambos brancos.

A receita para superar a chaga da divisão social do país é o binômio de crescimento e educação. Tomem-se as medidas para que o país cresça a um bom ritmo durante 50 anos e ofereça-se uma boa escola pública aos filhos das pessoas mais humildes para que elas possam ingressar na universidade e, cedo ou tarde, os filhos ou os netos de quem vai beber água e de quem cede a vez se colocando em posição inferior terão um destino parecido.

A pior forma de encarar essa questão é estimular o ressentimento. Ao invés de fomentar a integração, o ressentimento é profundamente divisionista. Quando se estimula uma atitude de hostilidade, no lugar de mostrar para as pessoas que não há razão nenhuma para que os indivíduos recebam tratamentos diferentes em uma série de âmbitos, o ovo da serpente está sendo chocado no interior da sociedade.

Isto se relaciona com a esfera da política. Os defensores do governo Dilma Rousseff, em 2015 e nos primeiros meses do ano em curso, passaram a martelar o argumento de que o impeachment representaria a reação dos “brancos de olhos azuis” que estariam querendo “ir à forra” depois de uma década de avanços sociais. Em mais de uma oportunidade, foi mencionado pelas autoridades da época o argumento infame acerca do suposto desconforto de parte da sociedade com o fato de que “pela primeira vez, temos pobres andando de avião”.

Trata-se de uma retórica abjeta. O fato de existir essa postura em algumas pessoas não autoriza a fazer generalizações. Convido o leitor à seguinte reflexão: no seu círculo de amigos que defenderam a aprovação do impeachment, que proporção de indivíduos reclamou ao longo dos últimos dez ou 15 anos da ascensão social dos mais pobres? Provavelmente, a maioria dos leitores deste artigo não pertence aos estratos inferiores da população. Duvido que, no ambiente de relacionamento social desses leitores — cuja maioria, estatisticamente, suponho ter sido a favor da saída da presidente Dilma — haja um grupo representativo que estivesse irritado com o fato de “pobre andar de avião”.

Na esteira desse tipo de manifestações, há um conjunto de ressentimentos que perpassam tais atitudes, indo desde a ideia de que pessoas com maiores recursos são “culpadas”, até a noção de que roubar rico não chega a ser condenável do ponto de vista moral. Talvez poucos espectadores tenham parado para pensar no significado simbólico da imagem, mas num filme brasileiro muito aclamado recentemente por representar a ascensão social de uma nova classe, uma das cenas mais festejadas pelo público — e construída para gerar essa empatia com quem assiste — é aquela em que a funcionária de uma casa, ao “pedir as contas” e se mudar da residência dos “patrões”, leva uma travessa com ela para sua nova casa. De fato, a cena tem sua graça cênica, mas objetivamente trata-se, pura e simplesmente, de um roubo, travestido pelo sentimento de “justiça” de que é feito contra uma família “rica”.

A ideia de que Dilma Rousseff foi afastada porque os “brancos de olhos azuis” foram às ruas ano passado incomodados com a ascensão dos mais pobres é moralmente ofensiva, além de economicamente indigente. A suposição de que há um antagonismo inevitável de interesses é própria de uma interpretação obtusa do funcionamento da economia. Esta não é um jogo de soma zero, onde para alguém ganhar outro precisa perder. O progresso econômico pode se encarregar de gerar uma melhora de bem-estar para todos os grupos — e progresso foi, justamente, o que não tivemos em 2015 e 2016, quando a economia encolheu.

Fabio Giambiagi é economista

Vontade política - PAULO GUEDES

O GLOBO - 11/07

Temer deve resistir à síndrome de ilegitimidade apregoada por seus oponentes e evitar a busca de uma ilusória popularidade

O primeiro e mais elementar ensinamento a respeito do processo inflacionário é de Milton Friedman: “A inflação é sempre, em qualquer lugar, um fenômeno monetário.” Essa lição trivial explica a diferença entre o fracasso do Cruzado e o sucesso do Real. O Cruzado deixou a moeda frouxa, pois considerava a inflação fenômeno “inercial”. O congelamento de preços e salários acabaria com reajustes automáticos de um “conflito distributivo”. Já o Plano Real foi “monetarista” até a medula. Além de desarmar reajustes automáticos ao introduzir uma nova moeda (a URV como unidade de conta), garantiu seu poder de compra com juros astronômicos (o real como reserva de valor). A lição fundamental: fique de olho no Banco Central. O regime de metas de inflação é uma institucionalização desse princípio básico.

O segundo e um pouco mais elaborado ensinamento é de Thomas Sargent e Neil Wallace: “É essencial que haja coordenação entre as políticas monetária e fiscal. Para conduzir um bem-sucedido programa anti-inflacionário, o Banco Central precisa de apoio da política fiscal.” Por que nunca antes em qualquer lugar do mundo houve um programa de combate à inflação que durasse décadas como no Brasil? Porque faltou a dimensão fiscal, o princípio básico de Sargent e Wallace. A Lei de Responsabilidade Fiscal e a geração de superávits primários a partir do segundo mandato de FHC sugeriam um grau de coordenação que se perdeu inteiramente ao longo dos mandatos de Dilma.

O terceiro e mais complexo ensinamento é de Robert Lucas: “A racionalidade do processo de formação de expectativas a partir dos fundamentos macroeconômicos sugere que as pessoas esperam taxas elevadas de inflação no futuro por boas razões. Expectativas adversas se alimentam exatamente de inadequadas trajetórias das políticas fiscal e monetária adotadas pelo governo.” A boa notícia é que essa mesma racionalidade permite uma queda fulminante e permanente da inflação, com pequena taxa de sacrifício em perdas de produção e emprego, pelo colapso das expectativas inflacionárias ante mudanças drásticas dos regimes fiscal e monetário. Mas, para isso, é preciso vontade política. Temer deve resistir à síndrome de ilegitimidade apregoada por seus oponentes e evitar a busca de uma ilusória popularidade.

Quem ri por último? - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 11/07

BRASÍLIA - A 25 dias dos Jogos Olímpicos do Rio, lá vamos nós, de novo, perder uma bela oportunidade para mostrar ao mundo que, sim, merecemos sua confiança.

Até aqui, nossa cartão de visita tem sido um horror. Deixemos a questão da segurança para depois, vamos ao mundo da política e economia, palco de notícias negativas, bizarras e de arrepiar qualquer um.

Nossa penúria é tanta que, vejam só, comemoramos que em 2017 vamos ter um rombo de R$ 139 bilhões nas contas públicas. O quarto consecutivo e menor que os R$ 170,5 bilhões deste ano. Triste país que fica feliz só porque a desgraça é menor.

A responsável por esta quebradeira deu para dizer que errar é humano, logo ela que não gosta de assumir erros. E ainda sonha e batalha em voltar, indefinição que trava investimentos externos no país.

Não bastasse esta dúvida, que só será eliminada depois do julgamento do impeachment, a Câmara dos Deputados mergulha numa disputa do pior contra o pior pelo seu comando. É de chorar dar uma espiada no currículo dos candidatos a substituir Eduardo Cunha.

O ex-presidente da Casa, que disse ter seus momentos humanos quando chorou ao anunciar sua renúncia, tenta sobreviver, mas está fadado a ser condenado e cassado.

Quem olha de fora deve rir de um país em que dois adversários, até pouco tempo os poderosos Dilma e Cunha, disputam para não cair primeiro. Num jogo em que nenhum terá motivos para rir por último.

Por fim e pior, temos a insegurança no Rio. O prefeito Eduardo Paes promete, porém, que isso não será problema para os turistas durante a Olimpíada. As Forças Armadas estarão nas ruas garantindo a paz.

Pois é, assim foi na Copa do Mundo. Foi uma tranquilidade. Depois, o medo e a violência voltaram. O filme deve se repetir, num atestado do fracasso dos governantes em cuidar da segurança do brasileiro também. Não só do turista estrangeiro.


A felicidade é relativa - MARCIA DESSEN

FOLHA DE SP - 11/07

Somos irracionais. E somos previsivelmente irracionais, segundo Dan Ariely, pesquisador da economia comportamental, que trata de aspectos tanto de psicologia quanto de economia.

Nossa irracionalidade ocorre da mesma maneira, repetidamente, seja quando agimos como consumidores, empresários ou estrategistas. Entender como somos previsivelmente irracionais é o ponto de partida para aperfeiçoar nossas decisões e melhorar nosso modo de vida.

A maioria de nós não sabe o que quer. Então, programamos o cérebro para olhar à nossa volta, em relação aos outros. Na hora de contratar um serviço, comparamos com outro já contratado ou disponível. O próximo destino das férias é decidido por mecanismo semelhante, assim como o vinho que vamos beber no jantar.

Somos tão previsivelmente irracionais que os profissionais de marketing, cientes de que não sabemos o que queremos, colocam um chamariz na oferta que fazem para que nossa escolha recaia sobre o que eles querem vender. O livro "Previsivelmente Irracional", de Dan Ariely (Elsevier), apresenta diversos exemplos que comprovam essa técnica.

O primeiro capítulo do livro é sobre a relatividade que tanto nos ajuda a tomar decisões na vida. Mas também pode nos fazer muito infelizes. O ciúme e a inveja nascem da comparação do que temos com o que outras pessoas têm. Miguel, por exemplo, decidiu procurar seu supervisor para reclamar do salário.

"Há quanto tempo você trabalha na empresa?", perguntou o supervisor. "Três anos. Vim direto da faculdade", respondeu Miguel. "Quando veio trabalhar conosco, qual era sua expectativa de renda anual depois de três anos?" "Cerca de $ 100 mil", respondeu Miguel. "Você ganha quase $ 300 mil, por que está reclamando?" "Bem... meus colegas, que não são melhores do que eu, ganham $ 310 mil". A medida de felicidade de Miguel não é o seu próprio salário, mas seu salário relativo ao dos colegas na mesma função.

Já que é assim que o cérebro funciona, o que podemos fazer para aumentar nossa felicidade? Podemos controlar os círculos à nossa volta, fazer parte de um grupo que possa elevar nossa felicidade relativa.

Numa festa, por exemplo, evite se aproximar de quem conta vantagem do salário que recebe e vá conversar com outro grupo. Se estiver comprando uma casa ou um carro, evite visitar ou testar os que estão acima de suas possibilidades. Concentre-se em conhecer e selecionar aqueles pelos quais você pode pagar.

Outra estratégia é alterar o foco, de estreito para amplo. Ariely comenta sobre interessante pesquisa de Amos Tversky e Daniel Kahneman. Suponha que você saiu de casa para comprar duas coisas, uma caneta simples e um terno para o trabalho. Você encontra uma caneta bonita por R$ 25, mas antes de comprar se lembra de que viu a mesma caneta por R$ 18 em outra loja, a 15 minutos de distância. Vale a pena caminhar 15 minutos para poupar R$ 7? A maioria dos que participaram da experiência decidiu que sim.

Você acha um terno bacana por R$ 455 e está quase pagando por ele quando um cliente cochicha no seu ouvido que o mesmo terno custa R$ 448 em outra loja, a 15 minutos dali. A maioria respondeu que não caminharia para poupar R$ 7. Mas o que acontece? Quinze minutos do seu tempo valem R$ 7 ou não?

Esse é o problema da relatividade. Comparamos a vantagem relativa da caneta barata com a cara e decidimos que vale a pena gastar o tempo extra para poupar R$ 7. Por outro lado, a vantagem relativa do terno mais barato é pequena demais, então decidimos gastar mais R$ 7.

Fácil gastar R$ 3.000 para colocar um banco de couro em um carro que custa R$ 30.000, mas é difícil gastar R$ 3.000 em um sofá para nossa sala de estar, mesmo sabendo que vamos passar muito mais tempo no sofá do que no carro.

Se pensarmos com perspectiva mais ampla, podemos avaliar melhor o que fazer com os R$ 3.000 que talvez sejam gastos na troca do estofamento do carro. Podemos fazer uma viagem de férias, comprar roupas, uma TV.

Um amigo comprou uma BMW e já está pensando que seu próxi- mo carro será um Porsche. Sabe o que os donos de Porsche querem ter? Uma Ferrari. Quanto mais temos, mais queremos. Segundo Ariely, a única cura é romper o ciclo da relatividade.


Mau tempo na agricultura - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 11/07

Sustentar o saldo comercial será a contribuição mais vistosa do setor para a economia do país



O governo poderá reclamar dos céus, quando apresentar o balanço da economia nacional de 2016. A crise do ano passado, quando o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 3,8%, foi atenuada pelo crescimento de 1,8% da produção agropecuária, enquanto a atividade industrial diminuiu 6,2% e a de serviços, 3,3%. Neste ano, o campo continua sustentando a receita de exportações e garantindo o saldo comercial, mas sua contribuição para o desempenho geral dos negócios deve ir pouco além disso.

A safra de grãos de 2015-2016 deve atingir 189,3 milhões de toneladas, 8,9% menos que na temporada anterior, segundo a 10.ª estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Em 2014-2015, o País havia colhido 208 milhões de toneladas, um recorde histórico.

Os números calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) são um pouco diferentes e indicam uma colheita de 191,8 milhões de toneladas, mas também com redução significativa – de 8,4% – em relação à safra precedente. As causas principais podem ter variado entre regiões, mas foram sempre vinculadas ao tempo, com excesso ou escassez de chuvas nos momentos menos adequados.

Em anos de boa colheita e boa receita, a agropecuária contribui para o desempenho de outros setores, movimentando o consumo de bens industrializados, como roupas, calçados e eletroeletrônicos, e absorvendo bens de produção, como fertilizantes, defensivos, máquinas e equipamentos.

Neste ano, as vendas no atacado de tratores de rodas totalizaram 14.340 unidades de janeiro a junho, 31% menos que no primeiro semestre de 2015. Foram vendidos 279 cultivadores motorizados, número 38,7% menor que o de um ano antes. O total de colheitadeiras vendidas, de 1.693 unidades, foi 14% inferior ao da primeira metade do ano anterior.

Em 2014 e 2015, as vendas de máquinas agrícolas e rodoviárias já haviam diminuído. O desempenho do agronegócio havia sido mais satisfatório que em 2016, mas nesses anos as vendas de equipamentos foram em boa parte prejudicadas pelo fiasco dos programas de infraestrutura e pela crise do setor de construção pesada.

As quebras de produtividade e de produção, neste ano, ocorreram na maior parte das lavouras de cereais, leguminosas e oleaginosas, no primeiro semestre. As poucas estimativas otimistas estão concentradas nas culturas de inverno, com colheita prevista para o segundo semestre. A safra de trigo, o produto mais importante desse grupo, está estimada pela Conab em 6,28 milhões de toneladas, com aumento de 13,5% em relação à anterior.

Segundo o balanço de oferta e demanda publicado pela Conab, o estoque final de trigo deve passar de 743,7 mil toneladas na temporada anterior para 1,01 milhão na atual. Os estoques de algodão em pluma, arroz em casca, feijão, soja e derivados devem diminuir.

Para avaliar a produção total do campo falta levar em conta as estimativas de outras classes de cultura, como café e cana-de-açúcar, e dos vários tipos de criação de animais. Para o café e a cana as projeções são de aumento de volume, mas o balanço geral será com certeza muito afetado pela redução do volume de cereais, leguminosas e oleaginosas. Os efeitos da quebra têm aparecido e continuarão a aparecer nos preços. No semestre, os preços dos produtos agropecuários subiram 16,93% no atacado.

Mesmo com as perdas causadas pelo mau tempo, o agronegócio continuou sustentando a balança comercial. As exportações do setor totalizaram no primeiro semestre US$ 45 bilhões, 49,9% da receita obtida com o comércio externo de bens. Subtraído o valor importado, verificou-se um superávit de US$ 38,91 bilhões, mais que suficiente para compensar o déficit de outros segmentos produtivos, principalmente da área de manufaturados. Graças ao agronegócio, o Brasil ainda alcançou um saldo comercial positivo de US$ 23,63 bilhões de janeiro a junho. Sustentar o saldo comercial será com certeza a contribuição mais vistosa do setor para a economia brasileira neste ano.


Orçamentos negativos - RAUL VELLOSO

O Globo - 11/07

As análises do atual problema financeiro dos governos estaduais pecam por misturarem aspectos estruturais com os conjunturais. Muitos batem com força no forte e inconveniente crescimento do gasto com pessoal que a maioria dos estados tem mostrado nos últimos anos, o que é verdadeiro, mas o problema estrutural é bem mais complexo que isso parece sugerir. Por outro lado, diante da forte crise econômica herdada dos governos Dilma Rousseff, a arrecadação desabou, e isso se sobrepôs de forma devastadora ao gasto, que se elevava fortemente, causando o aparecimento de buracos financeiros de grande dimensão em vários estados. Sem entender direito o que está acontecendo, é complicado sugerir políticas de correção dos desequilíbrios estaduais.

O caso do Rio de Janeiro é bem mais dramático, porque o abalo conjuntural se deveu adicionalmente à queda drástica do preço externo do petróleo, que trouxe ao chão as receitas de royalties, e à crise da Petrobras e de toda a cadeia dela dependente, não somente por isso, mas também pelas práticas de corrupção e má gestão que abalaram a empresa nos últimos anos.

O “x”da questão estrutural dos estados é que, ao contrário do que se pensa, os governadores têm muito pouca margem de manobra na gestão de suas administrações. Na verdade, em muitos casos, os titulares enfrentam algo que se poderia, simbolicamente, chamar de “orçamento negativo”. Depois de se considerarem os vários suborçamentos que dominam o imaginado orçamento básico estadual, o que resta ao governador é um orçamento residual, que se apresenta com muitos poucos recursos para enfrentar as demandas dos segmentos fora daqueles orçamentos privilegiados.

Pegando o caso concreto de Minas Gerais, e com base em dados de balanço, os orçamentos com receitas cativas ou despesas fortemente obrigatórias são os seguintes: Educação, Saúde, Poderes Autônomos (Legislativo, Judiciário e Ministério Público), Outras Vinculações, Serviço da Dívida e Inativos & Pensionistas. Considerando a receita corrente líquida (RCL) conforme definida pela União, o primeiro suborçamento teve, em 2015, 19,2% da RCL total; o segundo, 9,3%; o terceiro, 14%; o quarto, 5,3%; o quinto, 13,2%; e o sexto e último, 34,5% do total.

Somando-se essas parcelas, sobrou para o governador administrar parcela de apenas 4,5% do total. Essa parcela terá de atender às necessidades de todas as secretarias, exceto Educação e Saúde, notadamente a de segurança pública e os investimentos em infraestrutura. A despesa executada por Minas Gerais nesse orçamento residual correspondeu a 28,8% da RCL em 2015, sendo 22,3% para pessoal (ou seja, quase tudo), sobrando 2,3% para outras despesas correntes e míseros 4,2% do total para investimentos.

Nessas condições, o orçamento residual enfrentou um buraco, de saída, da ordem de 24,3% da RCL (28,8 menos 4,5%), para cujo enfrentamento o que o estado pôde obter de outras fontes de receita (receitas de capital etc.) foi algo ao redor de apenas 6,9% da RCL. Finalmente, então, o estado fechou o exercício com um buraco financeiro de 17,4% da RCL ou R$ 9 bilhões.

Esse tipo de situação é, obviamente, muito difícil de administrar, forçando o governante, sem condições de ajustar gastos super rígidos no curto prazo, a jogar boa parte dos gastos discricionários (especialmente investimentos) em “restos a pagar”, ou seja, para serem pagos mais adiante, sujeito a chuvas e trovoadas. E, mesmo se sabendo que o estado mobilizou cerca de R$ 5 bilhões de depósitos judiciais em 2015, sem o que o buraco teria sido bem maior.

Por que os governadores ficaram tão encurralados nos últimos tempos em seu mini orçamento residual? Primeiro, porque os lobbies dos suborçamentos setoriais (Educação, Saúde e Poderes Autônomos) conseguiram aprovar a regra de que as despesas com inativos e pensionistas deixassem de ser pagas nos seus próprios quartéis. Mandaram a conta para o governador, que passou a encarar a necessidade de obter mais recursos para financiar essas despesas adicionais. No caso de Minas, como dito, a despesa total com inativos e pensionistas chega ao número expressivo de 34,5% da RCL.

Depois, como esses segmentos têm um quinhão da receita garantido, é muito fácil enfrentar os governadores com solicitação de reajustes salariais, alegando que aquela parcela garantida vai ter de ser gasta com seu segmento de qualquer maneira.

Outro suborçamento fora do controle dos governadores é o relativo ao serviço da dívida, basicamente sob controle da União, pois os estados assinaram contratos de renegociação de dívidas no passado, autorizando o governo federal a reter as transferências, ou entrar em suas contas bancárias se fosse necessário, para pagarem o serviço da dívida a ela devido. Além do mais, qualquer novo endividamento tem de ser autorizado pelo Ministério da Fazenda.

Nesses termos, é preciso rever urgentemente a estrutura orçamentária estadual, certamente aprovando a volta dos gastos com aposentadorias e pensões para serem pagos nos suborçamentos setoriais, sem o que o desastre financeiro estadual não se equacionará no tempo requerido.

Raul Velloso é economista

Inês é velha - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 11/07

SÃO PAULO - A economia brasileira inicia a partir de agora uma lenta recuperação daquela que terá sido a pior derrocada deste ciclo democrático. O volume da produção, se confirmadas as hipóteses de analistas reputados, vai retomar apenas em 2019 os níveis verificados em 2014.

O atraso é ainda maior se a renda per capita for levada em conta. O poder de compra médio que o brasileiro possuía em 2013 só será recobrado em 2021, oito anos depois. Perde-se o que se perdeu, mas também o que se deixou de ganhar.

O Brasil desperdiça os últimos raios de luz de sua janela demográfica, o período em que, em razão da queda ainda relativamente recente da natalidade, o conjunto das pessoas em idade de trabalhar se expande mais depressa que a população.

Com menos crianças para cuidar e ainda poucos aposentados para sustentar, um país deveria acelerar o crescimento da produção por habitante. Essa expectativa foi periodicamente frustrada no Brasil nos últimos 35 anos. Novamente agora.

Mas agora Inês é velha. No ano 2000, menos de 8 em cada 100 brasileiros tinham 60 anos ou mais de idade. Hoje essa proporção já se aproxima de 12. Em 2030, para cada centena de habitantes, 19 serão pelo menos sexagenários.

O salto terá alcançado quase 150% em 30 anos, uma das mais rápidas metamorfoses demográficas da história das nações. A marcha do envelhecimento prosseguirá até a metade do século, quando 30 em cada 100 terão 60 anos ou mais.

O que acontece no Brasil, observando-se a perspectiva das décadas por vir, é uma pequena tragédia. O país jovem é apenas remediado e pouco produtivo. A despeito disso, gasta 10% do PIB para sustentar seus aposentados e pensionistas.

O país maduro ali na esquina, se não realizar um pequeno milagre na produtividade, vai se espatifar contra o muro da falência civil. Inês corre risco de morrer.


Eleição à sombra de Cunha - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 11/07

“Sei da interinidade, mas estou agindo como se fosse efetivo” 

Michel Temer, presidente interino da República

O que Lula e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) têm em comum? Aparentemente, nada. Lula tentou salvar Dilma do impeachment. Maia fez tudo para condená-la. Lula vê o DEM como a quinta essência do conservadorismo. Maia vê o PT como o máximo em corrupção. Apesar das diferenças, Lula e Maia descobriram que algo pode uni-los: a eleição, nesta semana, do próximo presidente da Câmara dos Deputados.

MAIA QUER suceder a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que renunciou ao cargo na esperança de não ser cassado. (Será cassado e mais tarde preso.) Como não se pede carteira de identidade a voto nem atestado de coerência, Maia anda batendo em todas as portas que possam se lhe abrir. Bateu na porta do PT. Foi atendido por um velhinho de voz rouca, insidioso decerto, porém simpático.

MANDADOS ÀS favas todos os escrúpulos, Maia disse a Lula que carece de votos para alcançar o total de 257, sem o qual não se elegerá. Lula sugeriu que carece da boa vontade do governo Temer para que não lhe seja cruel a peia que bate em Chico e em Francisco. A Waldir Maranhão (PP-MA), presidente em exercício da Câmara e aliado de Maia, Lula pediu para retardar a cassação de Cunha.

PARA LULA e o PT, o melhor é que Cunha só seja julgado na Câmara quando Dilma estiver sendo julgada no Senado. Não precisa ser no mesmo dia, mas pelo menos em dias próximos. Assim — quem sabe? —, um julgamento não influencia o outro e Dilma se beneficia? Ou então segue menos mal para o exílio em Porto Alegre? Claro que Lula não disse tudo o que pensa a Maia e a Maranhão. Ninguém diz.

APESAR DE buscar apoio para sobreviver à Lava-Jato, Lula quer mais é que a escolha do sucessor de Cunha acabe por cindir de vez a base de sustentação do governo Temer no Congresso. Nada seria melhor para a oposição. Para atrair os votos do PC doB, Maia conseguiu que Maranhão impedisse a criação da CPI da União Nacional dos Estudantes (UNE). O PCdoB manda na UNE.

TÃO BOM quanto presidir a Câmara por dois anos é presidi-la por seis meses e meio. Assim será para quem completar o mandato de Cunha, a esgotar-se em fevereiro de 2017. O eleito vai morar em uma mansão à beira do lago de Brasília, terá segurança 24 horas, jatinho da FAB em vez de avião de carreira e o direito de substituir o presidente da República em suas ausências.

A RENÚNCIA de Cunha poderia servir à Câmara como marco inicial do processo de reabilitação de sua imagem cá fora. Mas não servirá. E é fácil entender por quê: só se deve pedir às pessoas o que elas podem dar. Dito de outra maneira: não espere de ninguém o que exceda à sua capacidade. A regra vale para o mundo privado e igualmente para o mundo público. E vale ainda para as instituições.

HÁ, NA CÂMARA, políticos sérios e com biografias respeitáveis. Por serem poucos, não terão relevância na hora de ungir o próximo presidente. Em um passado recente, a Câmara se dividia entre o baixo clero e o alto clero com seus cardeais. Predominavam os últimos. O baixo clero multiplicou-se e ajudou a eleger Cunha. O alto clero está ameaçado de desaparecer junto com os cardeais.

CUNHA É paciente terminal, mas respira sem aparelhos. Banca a candidatura de Rogério Rosso (PSDDF) a presidente da Câmara. Temer finge não ter candidato. Pode não ter ainda, mas será inevitável que tenha. O presidente da Câmara pode atrasar a vida de qualquer governo.