ESTADÃO - 12/07
Os ingredientes para uma radicalização do eleitorado estão hoje presentes na França
A França passa por uma situação de extrema complexidade dentro do contexto europeu. A crise econômica e social se agrava, as empresas perdem competitividade, comparadas às suas congêneres alemãs e inglesas, e a taxa de desemprego atinge 10% da população, uma das mais altas da União Europeia. O Estado protecionista e regulador em excesso tem gerado gastos crescentes, agravados pelos programas sociais do Estado de bem-estar social (welfare State) adotados nas últimas décadas por sucessivos governos de centro-esquerda. O baixo crescimento, combinado com a redução de arrecadação e o também baixo investimento, só tem acarretado problemas. A dívida pública sobe a ¤ 2,1 bilhões, cerca de 95% do produto interno bruto (PIB).
O governo francês é acionista de 77 empresas e enfrenta graves crises nas cinco principais: EDF (energia), na qual detém participação de 85%, Correios (73%), Airbus (11%), Peugeot Citroën (14%) e Orange (13%). A origem da crise está justamente na influência do Estado, que acumula as funções de acionista, regulador e empregador. Na área de telefonia, enquanto uma empresa privada do mesmo porte emprega menos de 8 mil funcionários, a Orange abriga mais de 100 mil. A companhia de estrada de ferro SNCF, com dívidas de mais de ¤ 40 bilhões, é forçada a participar de projetos de trens de alta velocidade que jamais serão rentáveis.
O resultado desse quadro é a necessidade imediata de uma ampla reforma do papel do Estado. O governo socialista francês, diante da situação, não teve alternativa senão iniciar reformas para tirar o país da estagnação e da perda de competitividade no espaço europeu. Começando pela flexibilização da legislação trabalhista, uma das mais protecionistas de toda a zona do euro, o governo propôs que a negociação coletiva setorial entre empresas e sindicatos sobre horas extras fosse substituída pela negociação direta entre empregados e empregadores. Anteriormente, o governo já havia tentado reverter, sem sucesso, a legislação que determina jornada máxima de 35 horas semanais para os trabalhadores, uma das mais generosas do continente, e que só faz agravar a perda de competitividade das estatais francesas.
Como seria de prever, houve forte reação de estudantes e sindicatos. Nos últimos quatro meses, a França assistiu a uma violenta onda de protestos, com mais de 2 mil manifestantes presos e centenas de policiais feridos. A central sindical CGT ameaça paralisar o país com greves gerais e setoriais. A reação sindical representa a defesa corporativa dos privilégios (legais) dos sindicatos, mas prejudica a percepção externa sobre o país.
Diante dos protestos violentos, a mais grave explosão social dos últimos 20 anos, e da ameaça de greve nos setores de transporte e combustível, especialmente enquanto o país sediava o Campeonato Europeu de Futebol, a imagem da França passou a ser a de um país caótico, com um governo sem autoridade, onde vinha parecendo ser impossível aprovar no Parlamento as reformas imprescindíveis para modernizar a nação e reduzir os gastos públicos. Quando se compara com as profundas reformas trabalhistas na Espanha e na Itália, cresce a perplexidade europeia diante da França, com seus psicodramas sociais.
A dificuldade de reformar a França naquilo que ela tem de mais essencial econômica e socialmente é, em especial, depois de décadas, resultado de um sindicalismo corporativo que não quer perder privilégios. Os seus dirigentes embarcaram numa ação violenta contra uma decisão governamental (flexibilização) legal e necessária.
Na semana passada, diante do impasse para a aprovação das reformas trabalhistas no Parlamento, o governo francês jogou uma última cartada: invocou poderes constitucionais para forçar a aprovação da reforma trabalhista sem submetê-la à votação. A medida foi anunciada no último dia 5 e, curiosamente, não provocou uma nova onda de protestos. O motivo: férias. Mas os sindicatos prometem voltar às ruas em setembro.
A depender do que acontecer após o período de vacances(férias, em francês), as consequências desse quadro não tardarão a aparecer: a Comissão Europeia se impacienta, empresas pensam em investir em outros países e a violência dos protestos começa a impactar o turismo. A conta das perdas ocasionadas pelas greves afeta fortemente as empresas, estatais e não estatais, e os setores de serviço e consumo.
Nas últimas semanas, a situação política e econômica interna ficou ainda mais complexa com a decisão do referendo no Reino Unido de sair da União Europeia. O presidente francês, François Hollande, reagiu de imediato, pedindo solução rápida para a negociação entre a União Europeia e os britânicos, mas também sugerindo que o processo de integração empreenda reformas de modo a ser reforçado. Por outro lado, os grupos que se opõem à presença da França na União Europeia, liderados pelo partido nacionalista de Marine Le Pen, populista e xenófoba exacerbada, logo pediram um referendo sobre o tema. Em 2017 a França terá eleições presidenciais e a União Europeia será um dos principais itens da agenda eleitoral. Não parece provável que a França tome a atitude radical do Reino Unido, uma vez que, juntamente com a Alemanha, é um dos pilares da integração europeia.
Os ingredientes para uma radicalização do eleitorado seguindo líderes populistas, nacionalistas e xenófobos estão presentes na França de hoje. Assim como em outros países do bloco, a crise econômica, com o consequente aumento da desigualdade de renda e do desemprego, e a perda do poder de compra da massa salarial, num momento de grande afluxo de imigrantes e refugiados, está fazendo crescer o sentimento antiestablishment, com perigoso efeito sobre a temperatura política no país.
* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP
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