Bolsonaro passou a agredir grandes empresas de comunicação, pedindo aos empresários que deixassem de publicar anúncios, para asfixiá-las financeiramente
Enquanto no Legislativo parlamentares governistas vêm pedindo maior agilidade na tramitação do projeto de lei que permite às televisões com baixa audiência promover sorteios e jogos de bingo, uma antiga reivindicação de seus proprietários, há cerca de duas semanas uma ala da Igreja Católica reuniu-se por meios virtuais com o presidente Jair Bolsonaro para pedir, em troca da veiculação de notícias favoráveis, mais concessões de rádio e TV, bem como recursos públicos para instalá-las, repassados sob a forma de publicidade institucional.
Os dois fatos dão a medida de como o governo Bolsonaro, assustado com o renascimento das manifestações de rua contrárias a ele, vem reagindo para tentar manter a popularidade do presidente. A rigor, a estratégia não é nova - ao contrário, foi muito usada no passado, quer no regime militar, quer depois da redemocratização. A utilização política da comunicação midiática sempre foi um instrumento de construção de imagens e narrativas e desqualificação de adversários políticos, principalmente nos períodos eleitorais.
O que é novo, agora, é o fato de que essa estratégia vem sendo implementada de modo escancarado e sem pudor. Ela começou a ser posta em prática quando, desde o início de seu mandato, Bolsonaro passou a agredir grandes empresas de comunicação, pedindo aos empresários que deixassem de publicar anúncios, para asfixiá-las financeiramente. Em 2019, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) distribuiu R$ 4,6 milhões a grupos religiosos de comunicação, dos quais os veículos católicos ficaram com R$ 2,1 milhões.
Além de reivindicar concessões de televisão e publicidade pública em troca de noticiário favorável ao presidente, representantes dessa ala da Igreja pediram a Bolsonaro que lhes desse verbas para promover “obras filantrópicas”. Mas a cortina do bom samaritano se abriu quando líderes da Frente Parlamentar Católica do Congresso afirmaram ter o apoio de empresas americanas interessadas em investir quantias milionárias no Brasil em novos órgãos de comunicação “alinhados a Bolsonaro”. E se escancarou de vez quando o padre Welinton Silva, da TV Pai Eterno, reconheceu que a emissora passa por dificuldades e afirmou que espera uma aproximação com a Secom para oferecer uma pauta positiva das ações do governo. “Precisamos de um apoio maior do governo para continuar comunicando a boa notícia, levando aquilo de bom que o governo pode estar fazendo pelo povo”, disse ele.
A repercussão foi a pior possível. Em carta publicada por este jornal, Francisco Paes de Barros, radialista com cinco décadas de experiência profissional e ex-diretor de várias emissoras de rádio, muitas delas católicas, foi ao ponto. “Fiquei envergonhado com a imagem de Nossa Senhora de Fátima sendo levada ao curralzinho onde Bolsonaro diariamente fala a seu gado. Uma Igreja que tem tantos mártires torturados, desaparecidos, mortos pela ditadura, agora vai ao presidente de pires na mão para pedir ajuda em troca de bênção e apoios”, afirmou.
A mesma indignação foi expressa pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Nota também assinada por outras entidades afirma que “a Igreja Católica não faz barganhas e não atua em troca de favores”. Disse, ainda, que os participantes da reunião com o presidente da República não tinham autoridade para falar em nome da Igreja Católica.
Como Bolsonaro participa de atos em defesa de uma ditadura militar, quer armar a população, desdenha da Constituição e afronta sistematicamente os Poderes constituintes e a imprensa livre, o que esses vendilhões de templos midiáticos estão fazendo, quando propõem transmitir “a boa notícia” do que seu governo está fazendo, em troca de dinheiro, é mais do que um pecado moral. É uma contribuição abjeta para um sistema de comunicação totalitário, sem redações e sem jornalistas, que se alimenta de sinopses laudatórias de um governante que, apesar de se apresentar como cristão, defende ditaduras e torturadores.
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