ESTADÃO - 08/06
Dados do primeiro trimestre são ruins e praticamente não sofreram o impacto decorrente da chegada da pandemia
É constrangedor ver o presidente do país cavalgando fantasiado de caubói de chanchada da Atlântida pelas ruas de Brasília. Mais constrangedor é verificar que a cavalgada se destinava a fazer bonito para um público mirrado, que, visto de cima, não alcançava duas mil pessoas, para depois ser inserida nas redes sociais, dando a impressão que uma multidão o aplaudia e apoiava.
De outro lado, é apavorante ver que no meio da maior pandemia desde a gripe espanhola, com mais de meio milhão de brasileiros oficialmente infectados e, no melhor cenário, mais de um milhão e meio realmente infectados, a sensibilidade oficial é nenhuma e o drama das famílias atingidas pela covid-19 não tem qualquer poder de comover quem deve tomar as decisões ou pelo menos dar o exemplo.
Os números do primeiro trimestre são ruins. E eles praticamente não sofreram o impacto decorrente da chegada da pandemia. A pandemia começou em meados de março, ou seja, num total de seis quinzenas ela influenciou uma e, mesmo assim, de forma muito suave. A verdade dura de ser assimilada é que as afirmações da área econômica do governo de que o Brasil estava pronto para decolar não se sustentam. Quem está pronto para decolar não voa feito galinha choca e despenca dez metros à frente porque, no último sexto do período analisado, o coronavírus deu as caras.
É triste concluir que, desde o final do ano passado, as coisas não estavam andando como a nação gostaria que estivessem. Com exceção do agronegócio e, parcialmente, seguros, os demais setores estavam estagnados ou, quando cresciam, era em patamares medíocres, claramente insuficientes para fazer o resto de crise que ainda persistia se transformar num crescimento esplendoroso.
O agronegócio faz anos que carrega o País nas costas, mas nem por isso o governo se sensibilizou com a importância de tentar blindá-lo e os equívocos, mais gritados do que praticados, tiveram o dom de fazer o mundo nos enxergar como os vilões do clima, dando aos produtores agrícolas dos outros países a oportunidade de acusar o agronegócio brasileiro de ser o responsável pelo desmatamento da Amazônia.
E o setor de seguros tem uma particularidade interessante, composta pelo diferimento e parcelamento dos prêmios, que faz com que os negócios fechados no passado influenciem os resultados do presente. Quer dizer, os resultados positivos de boa parte das seguradoras no primeiro trimestre foram fruto de seguros fechados em 2019.
As previsões para o agronegócio são francamente positivas, devendo ser o único setor da economia a crescer de verdade ao longo do ano, inclusive devendo bater todos os recordes anteriores. Já o setor de seguros não manterá o desempenho, pelo contrário, com o aprofundamento da crise, deve ver seus números encolherem. Não tem como ser diferente.
A produção de veículos está em patamares melancólicos. As demais atividades industriais não estão muito melhor. O comércio e os serviços assistem milhares de estabelecimentos fecharem as portas. O desemprego impacta diretamente os seguros de vida e os planos de saúde privados. Além disso, impacta indiretamente todos os demais ramos de seguros porque as pessoas, antes de contratarem ou renovarem suas apólices, têm outras prioridades, como comer, se vestir, pagar a casa e a educação dos seus filhos.
As projeções falam em recessão perto de 7%. Como este número vem crescendo a cada semana, é bem possível que ultrapasse os 10%.
2020 está perdido e pode ser esquecido. A questão que se coloca é como vamos atravessar 2021. O começo do ano que vem será muito difícil. Com a pandemia ainda em ascensão, com o presidente da República subindo a temperatura política, com a polarização mostrando que os contra o presidente são maioria, como ficou evidente com a postura das torcidas uniformizadas, não será fácil encontrar a liga necessária para unir a sociedade em torno de um projeto de recuperação econômica. Trocando em miúdos, 2021 corre o risco ser mais um ano perdido.
SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS
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