Um resto do prestígio de Bolsonaro depende da imagem de honesto e do caso Queiroz
Dos tantos inquéritos em que estão enrolados os Bolsonaro e o bolsonarismo, o caso Queiroz é o mais “pop”. Ameaça a imagem de honesto e sincerão de Jair Bolsonaro, elementos centrais do mito que o levou à vitória em 2018 e motivo importante do que resta de sua popularidade, um dos seus seguros contra o risco de impeachment.
O prestígio de presidentes depende também da preservação de símbolos ou promessas que os ajudaram a chegar ao poder. Estelionatos eleitorais ou desmascaramentos de personalidade quebram a confiança de modo irremediável.
Bolsonaro pai não é investigado no inquérito que procura verificar se, entre outros crimes, o filho Flávio roubou dinheiro público com o auxílio de Fabrício Queiroz, faz-tudo da família, ligado a milícias. Mas é notório que Bolsonaro tenta tirar os filhos de rolos, bulindo com PF e Coaf; que fazia transações com o esquema, com dinheiro ou emprego de parentes e fantasmas em geral, como a filha de Queiroz. Queiroz, enfim, estava fugido em uma casa do advogado dos Bolsonaro.
Caso Flavio seja incriminado, vai ser difícil separar o joio do Jair, se por mais não fosse porque parte da opinião pública ou social midiática pensa na base do “aí tem mais coisa”, um motivo do sucesso de ideias conspiratórias e “fake news”. Pior ainda se Queiroz ou sua filha delatarem a coisa toda.
O mito ou pacto eleitoral de Bolsonaro se baseou na ideia de alternativa radical a tudo isso que está aí, no antipetismo, na segurança linha dura e em valores (família, honestidade, sinceridade), como registrou o Datafolha em outubro de 2018. No Datafolha de abril de 2019, a imagem mais notável de Bolsonaro era a de ser “sincero”, apontada por 60% dos entrevistados (84%, para seus eleitores).
Bolsonaro é “honesto, autêntico, sincero”, lê-se em estudo da cientista política Camila Rocha e da socióloga Esther Solano (“Bolsonarismo em crise?”, Fundação Friedrich Ebert).
Em entrevistas com pessoas das classes C e D da Grande São Paulo sobre pandemia e avaliação do governo, ouviram em maio que os filhos atrapalham o governo e são suspeitos de crime, o que não queima, porém, a imagem sincerona e renovadora linha-dura de Bolsonaro.
Até agora não queima. Haverá uma chacrinha “pop” com a prisão de Queiroz, personagem de programa humorístico que mete a mão em maços de dinheiro. É um escândalo que não tem comparação com as ações no STF e no TSE contra Bolsonaro e o bolsonarismo (financiamento ilegal de campanha na eleição; interferência na PF; “fake news” contra Supremo e Congresso; financiamento de comícios golpistas).
São inquéritos difíceis de entender ou por vezes percebidos como ações de má-fé, politizadas. De qualquer modo, a enxurrada de rolos, agora temperada por um caso de roubança típica, não vai pegar bem.
A aprovação de Bolsonaro não desceu dos 30% para os 20% porque quem o apoio de quem debandou foi substituído por aquele de pessoas de renda menor, talvez confortadas pelos R$ 600 do auxílio emergencial. Mas isso vai acabar, a partir de setembro; a crise socioeconômica e funérea da pandemia ainda vai piorar até o trimestre final do ano.
Agosto era a data marcada para a volta das “reformas”, segundo acordão que envolve lideranças do Congresso, cargos para o centrão, generais e Paulo Guedes. Pode até ser, desde que o país esqueça ou ignore Queiroz, fome, 100 mil mortos de Covid-19, rolos no STF e os golpeamentos de Bolsonaro. Eu não colocaria dinheiro nessa hipótese.
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