Chávez também odiava a imprensa
Perguntei a meu neto de 24 anos o que ele contará ao neto dele sobre o que foi viver, e sobreviver à pandemia. Por pior que seja, é antes de tudo uma história extraordinária, maior e mais surpreendente do que qualquer ficção, cheia de emoção, heroísmo, mortes em massa, bandidos que roubam respiradores de moribundos, guerra do Executivo contra o Legislativo e o Judiciário, milícias digitais manipulando notícias e um presidente da Republica ensandecido, irresponsável e incontrolável. Certamente meu tataraneto vai achar que o avô dele está exagerando, aumentando, ou até mentindo só para diverti-lo, como muitas vezes fiz com meus netos.
Depois conversamos sobre golpes, porque vi vários, e ele, futuro advogado, está preocupado com as ameaças do Bozo, e pediu que eu escrevesse sobre o que falamos: o Brasil, irônica e tragicamente, está começando a viver um “chavismo de direita”, unindo a pior parte da direita e a pior do chavismo. Por que arriscar a aventura de um autogolpe, que a maioria do Exército não apoia, e 70% da população são contra? O melhor é o “golpe gradual” inventado por Chávez, tudo na lei, usando a democracia para corroê-la por dentro, militarizando o governo, e dominando o Congresso porque a oposição burra não quis concorrer.
Chávez odiava a imprensa, e com a ajuda da Suprema Corte e dos tribunais, já cheios de juízes terrivelmente chavistas, foi fechando jornais e redes de televisão independentes, até a maior delas, a RCTV, e só restaram emissoras chavistas, cevadas por verbas públicas. É como se Bolsonaro fechasse a TV Globo.
Coronel do Exército, Chávez adorava armas e acreditava nelas como o melhor argumento, criou e armou milícias populares “para defender a pátria do Império”, aparelhou toda a administração e os serviços de inteligência, ninguém ousava contestá-lo. Qualquer opinião contrária virou traição.
É o sonho em progresso de Bolsonaro, só que Chávez, embora meio amalucado, era muito inteligente. E não tinha filhos. Nem era amigo do Queiroz.
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