Presidente se vê esvaziado dos ensinamentos do dia quando se deixa contaminar pela ignorância da noite
Quase todo mundo sabe que política é a arte do entendimento, a busca do possível, a técnica de guiar ou orientar um grupo, uma comunidade, uma cidade, um estado ou uma nação através de argumentos e medidas que atendam ao interesse da maioria. É isso o que se espera do homem público, seja ele um veterano conservador ou um novato reformador. Ele precisa pensar muito antes de tomar uma decisão, calcular antecipadamente o impacto de cada passo que for dar, cada frase que for pronunciar. Procurar não cometer erros e evitar turbulências que o atrapalhem alcançar o objetivo da maioria. Ter jogo de cintura, buscar a paz. Exatamente o contrário do que faz cotidianamente o presidente Jair Bolsonaro.
Quando as coisas chegam a um ponto de ebulição capaz de gerar uma explosão, o bom político recolhe-se, cala-se, conta até dez, dorme sobre o problema para ter tranquilidade para decidir no dia seguinte. Comete o conhecido “sleep on it”, que é a técnica de deixar a matéria esfriar antes de nela tocar, ou consultar o travesseiro antes de reagir. Com Bolsonaro ocorre o oposto. Ele quase sempre amanhece atazanado, pronto para dar uma bronca em repórter, para reagir ao que considerou um insulto recebido na véspera, a reverberar sobre algo que por prudência deveria ter sido deixado para trás ou sobre o qual seria melhor discorrer com a calma das manhãs.
Duas razões parecem estar por trás dessa volúpia matinal do presidente. A primeira e mais evidente é que no “sossego do lar”, Bolsonaro passa horas sem ouvir seus assessores, seus generais, aqueles que tentam e muitas vezes conseguem colocar freios em seus ímpetos. No Alvorada, quando a noite cai, o presidente só tem os seus filhos, os três zeros que entopem sua cabeça com as ideias que ele vai desovar ao longo do dia e expelir de modo mais direto e sem rodeios na entrevista que dá na porta do palácio aos jovens repórteres atônitos, que produzem as principais manchetes de quase todos os dias.
A segunda razão tem natureza emocional. Bolsonaro sente-se encorajado pela claque que amanhece diariamente com ele na saída da residência oficial. Dá para ver como ele se regozija com os aplausos e palavras de apoio quando fala, quando ofende jornais ou manda jornalista calar a boca, quando desce o pau em governadores, deputados e senadores ou quando ataca ministros do Supremo Tribunal Federal. Percebe-se em alguns momentos que ele fala e olha para a claque rindo, buscando incentivo, que obviamente obtém. Essa turma o incensou mesmo quando defendeu o fim do isolamento e disse que a Covid-19 não passava de uma gripezinha.
Se da claque não se deve esperar mesmo muita coisa, afinal essa turma é composta por seguidores e admiradores fiéis e cegos, o mesmo não devia se dizer do presidente. Mas é o que ocorre. Não se pode esperar muito de Jair Bolsonaro. Sobretudo pelas manhãs. O ataque ao ministro Alexandre de Moraes é um exemplo da clássica frase “de onde menos se espera daí é que não sai nada mesmo”, do Barão de Itararé. Quando sai alguma coisa, vem nesse formato que atenta contra o mais elementar dos mandamentos do bom político, que é não permitir que a coisa fuja do seu controle. No episódio, Bolsonaro entregou o controle ao Supremo, que reagiu em coro contra ele.
E não adianta tentar explicar os arroubos presidenciais pela lógica bolsonarista de que o mundo mudou com o fim da política clientelista. Até porque essa máxima besteira, que há muito tempo tinha sido explodida, foi agora soterrada pelo acordo com o centrão. E depois não é disso que se trata. O que ocorre é que o presidente se vê esvaziado dos ensinamentos do dia quando se deixa contaminar pela ignorância da noite. Woodrow Wilson, que governou os Estados Unidos de 1913 a 1921, produziu um frase que qualquer brasileiro adulto que acompanhou a política nacional dos últimos 20 anos entende bem: “Nos assuntos públicos a burrice é mais perigosa do que a desonestidade, porque é mais difícil de ser combatida”.
Se a comissão for instalada
Quem conhece bem Brasília e sabe como funciona o Congresso garante que se Rodrigo Maia aceitar um pedido impeachment, abrir o processo e instalar a comissão especial, a sorte de Bolsonaro estará selada. A enxurrada que segue um movimento como este é inexorável, garantem os entendidos.
Quem, presidente?
Responsabilidade não é o forte do ocupante da principal cadeira do Palácio do Planalto, mas tem horas que ele passa dos limites. Foi o que fez mais uma vez numa das suas falas desta semana. Ao afirmar que o governo federal está fazendo o que pode para atender à pandemia, sobretudo dando dinheiro aos estados, Bolsonaro acusou sem provas: “O que mais nós temos por parte de alguns estados é desvio de recursos”. Como são tantas as barbaridades ditas pelo presidente, ninguém deu bola para esta grave acusação, nem os governadores.
Traíra
Quando tudo voltar ao normal na Esplanada dos Ministérios, se de fato voltar e se for com estes ministros e este governo, a vida de Rogério Marinho vai virar um inferno. Paulo Guedes identificou em Marinho o autor da ideia do programa Pró-Brasil, que acabou conseguindo desmontar. Os gastos previstos seriam um atentado contra o projeto de ajuste fiscal do ministro da Fazenda. Guedes afirma que seu ex-secretário da Previdência e atual ministro do Desenvolvimento Regional agiu às suas costas: “Ele é um traidor, vou dizer isso na cara dele”, avisou Guedes a Bolsonaro quando derrubou o programa.
Reportagem
Quem são os dez ou 12 deputados bolsonaristas que a Polícia Federal está na cola? Suspeito que seja gente do velho centrão já dando ordens a Bolsonaro.
Minas merecia mais
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, é mais do que mal informado. Na entrevista que deu para a “Folha de S. Paulo” esta semana, disse que “a classe política bate em Bolsonaro porque ficou sem privilégios”. A análise do governador é rasteira e rápida. Zema deve ser daquelas pessoas que dizem ser contra as manifestações em favor do fechamento do Congresso, do Supremo e pela volta do AI-5, mas que “entendem a razão da população desiludida”. Francamente, governador, Minas merecia coisa melhor.
Argumento não falta
O centrão de Roberto Jefferson (mensalão, corrupção passiva e lavagem de dinheiro), Ciro Nogueira (Lava-Jato, propina da Odebrecht), Valdemar Costa Neto (mensalão, Lava-Jato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro) e Artur Lira (Lava-Jato e violência doméstica) diz que Bolsonaro está descriminalizando a política ao abrir espaço para seus membros no governo. Faz todo sentido. Aliás, os olhinhos desses ilibados cavalheiros brilharam como nunca com o natimorto Programa Pró-Brasil, que previa gastos R$ 250 bi em obras. Que fartura seria, que farra, Bob.
Piantella sem sentido
O Piantella de Brasília, que fechou e está passando o ponto, não fazia mesmo sentido em seguir funcionando. O restaurante era o templo do entendimento político da capital do Brasil, uma espécie de extensão do cafezinho do plenário da Câmara. O lendário Ulysses Guimarães tinha lá uma mesa cativa, de onde costurou, com outros grandes nomes como Tancredo Neves, Teotônio Vilela e José Sarney, a Lei da Anistia, a derrota da ditadura no Colégio Eleitoral e a Constituição de 1988. Nos dias de hoje, onde nenhum entendimento é possível, o Piantella tinha perdido sua razão de ser.
Teto para servidor
Está pronto para votação desde 2018 o projeto que regulamenta o teto remuneratório do servidor público. O texto do deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), relator da matéria na comissão especial instalada na Câmara para esse único fim, está dormindo numa gaveta do presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), há quase dois anos. Por que? Rodrigo que responda se o lobby dos funcionários é muito forte e ele não aguenta a pressão. O projeto estabelece uma série de limitações que impede o rompimento do teto, prevendo até mesmo a prisão de dois a seis anos do gestor que quebrar a regra. O texto pode ser uma alternativa à anunciada suspensão de reajustes no serviço público como contribuição para a crise provocada pelo coronavírus.
Sinal de alerta
Revelação de que a Convid-19 pode destruir neurônios acendeu o sinal de alerta do Palácio do Planalto. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato.
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