Não parece que faremos distanciamento direito antes de termos corpos empilhados na rua
Se tivéssemos parado o país há seis semanas, é muito provável que, com distanciamento social rigoroso, estaríamos hoje saindo da quarentena, a exemplo de outros países.
Em artigo na Science, um grupo de cientistas revelou que o distanciamento rigoroso na China reduziu a um sétimo os contatos sociais diários. Isso foi suficiente para conter a escalada do coronavírus no país.
Na última semana, o total de casos na China não chegou a cem. O isolamento já acabou em Pequim. Não é mais necessário se registrar para entrar em prédios, a Cidade Proibida abriu nesta sexta-feira (1º), e o Congresso Nacional do Povo chinês começa no dia 22, com 3.000 autoridades públicas presentes. Se repetirmos o que deu certo lá e na Europa, ainda poderemos evitar a catástrofe completa aqui.
Infelizmente, nosso presidente é responsável pelo afrouxamento das medidas de distanciamento social. Em artigo no prelo, Tiago Cavalcanti, professor em Cambridge, e colegas mostram, através da localização de 60 milhões de celulares, que, em áreas nas quais o presidente é mais popular, ao fazer discursos sobre a "gripezinha", cai a obediência às regras de distanciamento em vigor.
Do lado da economia, a equipe econômica volta com a ladainha de que "as reformas vão nos tirar da crise". Não vão. Reformas dão resultado a longo prazo. Elas não têm nenhum papel no meio de uma pandemia global.
Na terra dos números mágicos, dos 23 milhões de testes em 30 dias, agora o ministro inventou outro, de que a União teria R$ 1 trilhão em imóveis a serem vendidos para abater a dívida pública. Se houvesse esse patrimônio todo (não há) e o governo começasse a vender o máximo possível, esse processo terminaria em dez anos.
Enquanto isso, o presidente do Banco do Brasil dá entrevista a favor do Estado mínimo; vai segurar empréstimos, mostrando que ideologia importa mais que salvar vidas e empregos.
As reformas não saem porque o governo é incompetente, e não por outra razão. Este é um dos momentos mais importantes da nossa história. As ações do governo são a diferença entre morrerem 20 mil, 50 mil ou mais de 200 mil brasileiros.
Keynes dizia que a longo prazo estaremos todos mortos. Os conservadores do governo vão conseguir provar que o keynesianismo está errado. Vão nos matar a curto prazo mesmo.
Nossa única salvação é um cavalo de pau, com uma quarentena séria que achate a curva de casos e nos permita reabrir a economia em pouco mais de um mês e meio. Na China, o processo todo demorou três meses.
Há um único bom sinal para reiniciarmos o distanciamento social, e desta vez direito: já criamos a infraestrutura para auxiliar famílias e empresas nesta crise, apesar da resistência inicial do governo. Cerca de 50 milhões de brasileiros já sacaram o auxílio emergencial. As pequenas empresas conseguem algum acesso a crédito. Mas a fila ainda é grande, e esses programas vão ter que ser estendidos para além de três meses.
Para sair da quarentena, precisamos de pelo menos 14 dias com número de casos novos caindo, capacidade de testar quem seja preciso e rastrear casos para encontrar onde estão maiores focos. Contudo, só pode deixar o distanciamento social rigoroso quem entrou.
Temos primeiro que sair da espiral da morte: o aumento de casos superlota hospitais, a doença se espalha mais e aumenta a sua letalidade.
Infelizmente, não parece que faremos distanciamento direito antes de termos corpos empilhados na rua.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
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