Economia estagnava antes da epidemia e, sem ideias novas, vai ficar no fundo por anos
O que diriam donos de restaurantes ou lanchonetes, manicures, barbeiros, lojistas de roupas e sapatos, mestres de obras ou proprietários de negócios de consertar coisas se ouvissem o plano do governo para reparar a economia depois da catástrofe? Esses são os empresários mais típicos do Brasil. São milhões.
Os seus empreendimentos entram na categoria dos setores econômicos “comércio” e “outros serviços” (que inclui ainda profissionais liberais, saúde e educação privadas, entretenimento, cultura, esportes, hotéis etc.). Produzem mais de 31% do PIB (17% vêm só de “outros serviços”). Notem: o valor da produção da agropecuária é pouco mais de 5% do PIB; o da indústria, 11%.
Tamanho não é tudo, decerto. As contas do PIB são apenas contabilidade: dizem que, em certo período, produziu-se tanto. Não explicam nada. Por exemplo, não dizem se um setor é mais ou menos capaz de arrastar outros consigo (basta pensar nos negócios indiretos sustentados por montadoras, por exemplo).
Mas vê-se aí o tamanho de um problema. O setor “outros serviços”, como era de esperar, levou o maior tombo do PIB do primeiro trimestre.
O que o governo pensa em fazer para tirar o país da depressão da epidemia? Nada além do que fantasiava, tentava, pretendia ou prometia fazer antes da epidemia. É o que tem dito Paulo Guedes e foi o que disseram seus economistas ao comentar o PIB do primeiro trimestre.
O que acontecia com a economia brasileira pouco antes de a epidemia chegar? Nada além do que acontecia desde 2017, crescimento de 1% ao ano. Detalhes adiante.
O que é o programa do governo? O gasto extra para no fim deste 2020; cumpre-se o teto. Reformas: tributária, abertura comercial, mais trabalhista, novas leis de falências, saneamento e gás para incentivar investimento privado; concessões, que virariam obras em 2023, se tanto.
De um modo ou de outro (existem vários modos), é preciso tocar mesmo tais mudanças. Mas dizer que por isso o investimento privado vai voltar em volume considerável, se algum, é pensamento desejante. Essas ideias não têm correspondido aos fatos. Menos ainda sob a baderna subversiva bolsonarista.
A taxa de investimento até 2019 era de 15% do PIB, ainda menor que o nível mais baixo deste século, antes da recessão. Taxa de investimento: quanto do produto ou da renda nacional (do PIB) é destinado a aumentar a capacidade produtiva: novas fábricas, imóveis, máquinas etc.
A economia não decolava antes da epidemia. A indústria de transformação (“fábricas”) estagnara. O setor de serviços crescia a ninharia de 0,7% ao ano. O comércio, ao ritmo medíocre de 1,9%. A soma dos rendimentos do trabalho (“massa de rendimentos”) aumentava pouco e desacelerava desde novembro de 2019.
Na recessão deste 2020, teremos quase dois anos em um: vamos afundar algo próximo do mergulho sinistro de 2015-2016. Do fundo desse poço, o emprego levou dois anos para se recuperar e ficou mais informal, precário e inseguro.
A dívida das famílias em março já estava no nível mais alto da série, em 15 anos. As pessoas perderão empregos, seus negócios, patrimônio e reservas financeiras, se tinham. Os pequenos vão ter ainda menos acesso a crédito, pois suas finanças e garantias serão mais precárias, se sobrar algo.
De onde vai sair capital e/ou crédito para a reconstrução? Havendo recursos, e pensemos aqui também nos grandes, quem vai investir com a demanda deprimida e capacidade ociosa ainda maior do que já havia até 2019?
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