Manifestações do Executivo são assustadoras
Precisamos resgatar a agenda de fortalecimento das instituições
O vídeo divulgado por decisão do STF não deveria surpreender.
O presidente e ministros trataram a política pública como uma briga de garotos de rua. O destempero constatado pelas expressões utilizadas confirma que há tanto indignação quanto despreparo.
Pode haver um iceberg no caminho, como se diz na gravação. As falas veementes, porém, passaram ao largo de temas urgentes. Não houve discussão estruturada a respeito da grave crise da saúde pública ou dos seus efeitos colaterais sobre a renda e a produção.
Em nenhum momento foram analisadas a eficácia das medidas econômicas, como os incentivos à concessão de crédito, ou as muitas propostas da agenda legislativa. Não houve apresentação de um diagnóstico detalhado dos problemas resultantes das opções de política econômica, tampouco a estratégia a ser adotada.
Para quem achava que a desavença sobre o Pró-Brasil era fofoca da imprensa, a reunião mostrou a inconveniente divergência entre os ministros. Um lado desqualificou o outro com argumentos de autoridade e frases de efeito na falta de embasamento técnico.
Trechos da reunião podem preocupar quem acreditava que as manifestações públicas das autoridades eram só parvoíce para agradar a militância e que, a despeito disso, havia técnica na equipe. Nem um nem outro.
A virulência e as insinuações de algumas falas demandam explicações. As afirmações descabidas sobre a economia desnortearam os torcedores que imaginavam haver conhecimento, estratégia e gestão nessa seara. Elio Gaspari pinçou, no último domingo, momentos constrangedores.
Infelizmente, esse cenário não torna a extensão da decisão do Supremo razoável. Reuniões de trabalho devem ser preservadas para garantir a livre troca de ideias, incluindo o direito de falar disparates.
A ocorrência de crime deve ser investigada com análise cuidadosa das consequências das decisões tomadas. Por que censurar a menção a nações estrangeiras, mas divulgar o relato do presidente do Banco Central sobre conversas com autoridades de outros países?
As manifestações do Executivo, recheadas de bravatas e ameaças, são assustadoras. O Judiciário, no entanto, deve tratar dos possíveis crimes com prudência para não alimentar suspeitas de interferências na política.
Nas últimas décadas, consolidou-se a percepção de que o Brasil é uma economia de baixo crescimento e imensas distorções. Mas ao menos a solidez do Estado de Direito, que protege a sociedade da arbitrariedade do Leviatã, assegurava os procedimentos para a mediação de conflitos.
Devemos resgatar a agenda de fortalecimento das instituições, deixando claros suas alçadas e seus limites.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.
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