Renda básica de cidadania seria um grande salto civilizatório, mas não sairia barato
Na semana passada, escrevi sobre a proposta de renda básica de cidadania (RBC) dos professores da UFPE (bit.ly/3di1Vua). A RBC eliminaria a pobreza e reduziria a desigualdade, medida pelo índice de Gini, a uma velocidade duas vezes maior que a queda vista entre 2002 e 2014.
O custo líquido do programa em 2017, já considerando as reduções que ocorreriam em outros gastos públicos em razão da diminuição de outros benefícios, seria de R$ 750 bilhões, uns 11% do PIB. Segundo as simulações dos autores, uma alíquota linear de 35,7% de imposto sobre todas as rendas financiaria a RBC e os demais gastos públicos custeados pelo IRPF, entre outros, o Fundo de Participação dos Estados.
Os desafios são enormes. Imposto linear sobre todas as rendas significa o Estado brasileiro passar a enxergar a informalidade. Significa abrir mão das isenções que há no IRPF —saúde, educação, pessoas acima de 65 anos e moléstia grave—, que, segundo a SRF, somam R$ 45 bilhões.
É comum as pessoas acharem que é possível financiar a RBC com imposto sobre o capital. Elas ecoam a visão de que não se tributa rendimento do capital no Brasil pois a distribuição de dividendos é isenta.
Há desinformação. A alíquota legal de Imposto de Renda sobre o capital para empresas que operam no regime do lucro real é de 34%, e de 45% se a empresa for do setor financeiro. Trata-se de alíquota relativamente elevada, configurando uma antecipação de impostos, ou seja, cobrança na fonte do imposto sobre o lucro, como ocorre com o imposto sobre a renda do trabalhador celetista.
Segundo Sergio Gobetti e Rodrigo Orair, em artigo na Revista de Economia e Política (bit.ly/3dh2CUJ), nos países da OCDE a média das alíquotas cobradas sobre o lucro, consolidando IRPF e IRPJ, é de 43,1%. Vale lembrar que em países mais pobres a tributação sobre o capital é menor.
Acredita-se que seria possível financiar a RBC aumentando a tributação sobre o lucro dos bancos. Se a alíquota fosse de 75% —não sei se algum banco continuaria a operar por aqui com esse nível de imposto—, em vez da alíquota média real de 28%, observada no quadriênio 2016-2019, a receita adicional anual para o Tesouro seria de R$ 34 bilhões, menos que as desonerações do IRPF.
Há mecanismos legais para pagar impostos abaixo da alíquota legal —por exemplo, os bancos, em vez da alíquota legal de 45%, pagaram 28% no quadriênio 2016-2019. Pode-se discutir a racionalidade ou a oportunidade tributária desses mecanismos. Pode-se mudar a legislação para reduzir as possibilidades de redução da alíquota efetiva ante a alíquota legal. Mas a realidade dura da vida é que “tributar lucro de banco” está longe de gerar os recursos que financiarão a RBC.
Há também as demais empresas do setor real da economia e as que operam no lucro presumido e do Simples. As alíquotas legais vão de 34% até 5% para alguns setores do Simples.
A receita reportada pela SRF e a informação do lucro total das Contas Nacionais do IBGE indicam que a tributação média sobre o lucro foi, no quadriênio de 2016-2019, de 22,5%. Se aplicássemos a alíquota de 35,7%, a elevação da receita do imposto sobre os lucros seria de R$ 106 bilhões ao ano.
Tributando os bancos em 75%, os demais lucros em 35,7% e eliminando todas as isenções do IRPF, chego a um ganho de receita de R$ 200 bilhões, ainda longe dos R$ 750 bilhões necessários para financiar a RBC.
A RBC será um grande salto civilizatório. Mas não será barato. Teremos que aumentar pesadamente a carga tributária sobre todos nós, inclusive sobre todos nós que nos achamos “de classe média” e, portanto, “que já pagamos muito imposto”.
Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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