ESTADÃO - 03/05
Repentinamente, sem aviso prévio e sem escolhas, foram todos colocados lado a lado
Mais da metade da população brasileira está em isolamento, o que significa milhões de famílias em casa. Para estas, os desafios são grandes nessa situação. É necessário administrar o estresse, a ansiedade e os temores em relação à pandemia para que essas emoções e sentimentos não atrapalhem a vida cotidiana nem prejudiquem a saúde mental.
Quando há crianças e adolescentes em casa, é preciso controlar a vontade deles - manifestada ora em comportamentos, ora em sentimentos e também em rebeldia - de sair do isolamento e também colaborar com os estudos remotos.
Administrar o abastecimento da casa, o orçamento, afazeres domésticos, home office, dependendo de cada família, são demandas que acontecem diariamente. Mas, talvez, o desafio maior seja o relacionamento familiar. O estilo de vida por nós adotado priorizou o trabalho, o que significou um declínio na convivência familiar: pais dedicados ao trabalho e filhos na escola, muitas vezes em tempo integral, além de atividades extracurriculares, fizeram com que integrantes da família tivessem um período reduzido para estar todos juntos.
Stela com os pais, Marina e Otávio, festejando o aniversário online Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Agora, repentinamente, sem aviso prévio e sem escolha, foram todos colocados lado a lado, frente a frente, nos mesmos cômodos da casa. Dia e noite, dia após dia. Como melhorar o relacionamento familiar? Como colaborar com crianças e adolescentes para que a angústia, a irritação e a frustração deles não conturbem mais a convivência já, a esta altura, um pouco desgastada? E o relacionamento entre adultos, como melhorar?
Com os filhos, é bom lembrar que eles compreendem cognitivamente os perigos da pandemia, mas ainda não conseguem renunciar à vida tal e qual conheceram antes! Por isso, insistirão muito nas suas demandas de “quero ir para a escola”, “quero brincar na casa de fulano”, “todos os meus amigos estão indo em festas”. Perder a paciência por causa da insistência deles não vale a pena.
Mas, se não é possível fazer concessões aos filhos, os pais podem rever algumas das regras estabelecidas que ajudavam a conduzir a vida familiar e a dos filhos antes do isolamento. Quanto menos regras a família estabelecer aos mais novos, mais fácil será bancar as principais. E a principal, neste período, e apenas para os que podem, é o distanciamento social.
Amenizar cobranças e rigor que os pais exigiam dos filhos em relação aos estudos também ajuda bastante a melhorar o relacionamento. Calma, gente! A produtividade nos estudos neste período poderá cair, sem prejuízo para o futuro deles. Por muito tempo, a boa avaliação escolar dos filhos serviu como baliza de avaliação dos pais: bom aluno levava a imaginar bons pais. Isso é bobagem. Antes, durante e após o isolamento, está bem?
E quanto à convivência entre os adultos da casa? Não está fácil, principalmente porque “de perto, ninguém é normal”. E estamos todos, em casa, perto, muito perto. Essa proximidade pode trazer maior intimidade, o que pode ser uma maravilha e também uma desgraça. Somos capazes de ver melhor os defeitos do outro. Podemos, também, ver virtudes que nunca tínhamos visto antes por falta de oportunidade - e de tempo. Então, equilíbrio: não ver apenas as falhas, mas as qualidades também. Simultaneamente, para que a imagem seja mais realista do que idealizada.
E os conflitos? Vão surgir os velhos, já até esquecidos, e alguns novos também. Para administrar bem um conflito, alguém tem de ceder. E fazer concessões mútuas é o que permite a construção interminável de um bom relacionamento para realizar pequenos acordos, buscar alguns consensos - alguns! - e suportar as renúncias que um relacionamento amoroso sempre supõe.
É PSICÓLOGA
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