Durou menos de dez dias o vale-gás que Jair Bolsonaro concedeu ao seu Posto Ipiranga. "O homem que decide economia no Brasil é um só, e chama-se Paulo Guedes", dissera o presidente em 27 de abril. Era lorota.
Bolsonaro passou a perna em Guedes. A rasteira foi consumada na votação do projeto que socorre estados e municípios com R$ 60 bilhões da União para compensar perdas de arrecadação tributária que a crise do coronavírus impõe.
Guedes negociara com os senadores uma contrapartida. Em troca da ajuda, estados e municípios teriam de congelar os reajustes dos servidores até o final de 2021. Os senadores excluíram do congelamento os profissionais da saúde, que molham o jaleco no combate ao vírus.
Na Câmara, espremidos por corporações, os deputados ampliaram o rol das exceções. Além de médicos e enfermeiros, livraram-se do congelamento salarial de policiais militares a policiais legislativos; de policiais rodoviários a membros das Forças Armadas; de policiais federais a bombeiros; de assistentes sociais a...
Em contato com o deputado Major Vitor Hugo, líder do governo na Câmara, Bolsonaro avalizou a pernada em Guedes. Antes da rasteira, a pasta da Economia estimava que o envio das folhas federais, estaduais e municiais para o freezer resultaria numa economia de R$ 130 bilhões. Depois do tombo, R$ 43 bilhões.
A posição de Bolsonaro infectou os parlamentares com o vírus da generosidade. Vitor Hugo, o líder do Planalto, deu à jogada uma transparência de cristal: "Deste plenário, eu liguei para o presidente da República e me certifiquei de que essa era a melhor solução."
O deputado prosseguiu: "O presidente, dez horas da noite de ontem, falou: 'Vitor Hugo, faça dessa maneira e vamos acompanhar para privilegiar esses profissionais que estão efetivamente na ponta da linha. E assim aconteceu (...)."
O deputado arrematou: "...Foi uma determinação do presidente da República, cumprida pelo líder do governo na Câmara, uma vez que eu sou líder do governo e não líder de qualquer ministério."
Devolvido ao Senado, o projeto foi referendado por unanimidade. Como a porteira já estava aberta, o presidente da Casa, Davi Alcolumbre, empurrou os professores para dentro da lista de exceções ao congelamento.
Bolsonaro é um presidente que desconfia da própria alma. Guedes vai acabar percebendo que não convém confiar em quem não confia em ninguém. Para apressar o processo, o ministro talvez devesse levar Bob Dylan à vitrola: "Se você precisa de alguém para confiar, confie em você mesmo."
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