Programa Pró-Brasil aprofunda debate sobre uso de recursos públicos para investimento em infraestrutura
O debate sobre o uso de recursos públicos para obras de infraestrutura no pós-pandemia ganhou força com o lançamento do programa Pró-Brasil, coordenado pela Casa Civil da Presidência, na semana passada. Sob o apelido de Plano Marshall, em referência ao apoio à reconstrução da Europa depois da Segunda Guerra, o programa é tido, pelas alas política e militar do governo, como instrumento importante na recuperação da economia. Mas a iniciativa vem sendo alvo do bombardeio de economistas e da própria área econômica, liderada pelo ministro Paulo Guedes, pelo potencial destrutivo das contas públicas em momento em que os gastos estão concentrados no combate ao coronavírus e seus efeitos.
Embora seja desejável planejar investimentos setoriais para permitir aos investidores, por exemplo, calcular a taxa interna de retorno, há ceticismo entre economistas que seja possível tirar do papel número considerável de projetos em curto espaço de tempo. “Achar que o investimento em infraestrutura vai ser a base para a recuperação pós-pandemia, no contexto institucional do Brasil, esquece”, diz um economista.
A crítica faz referência à dificuldade do Brasil de executar obras no prazo e no custo originais ou, o que é pior, deixá-las incompletas por anos ou décadas a fio. Essa tradição, da qual ninguém pode se orgulhar, se explica por falta de planejamento, pelo desenho mal feito de concessões de obras públicas, por lacunas regulatórias e pela falta de bons projetos de engenharia. O Pró-Brasil prevê aportes de recursos públicos de R$ 30 bilhões até 2022 e a criação de 1 milhão de empregos no período.
Assim que foi apresentado, o programa expôs divergências entre um pensamento mais intervencionista, representado por políticos e militares do Planalto, e a ala liberal, comandada por Guedes. A área econômica do governo tem chamado a atenção para a necessidade de que gastos públicos que vão além do combate à pandemia respeitem as regras fiscais, entre as quais está o chamado teto de gastos, que limita as despesas não financeiras da União à inflação do ano anterior.
O economista Fabio Giambiagi diz que investimentos de longo prazo, como é o caso dos em infraestrutura, dependem de uma taxa de juros também longa, que subiu. Essa taxa, acrescenta, depende da percepção de solvência do setor público, da dívida pública, que é afetada em casos de “contabilidade criativa”. O termo, também chamado de “pedalada”, ficou conhecido do público no governo de Dilma Rousseff e se refere a operações que buscam garantir um ganho artificial para o resultado primário das contas públicas.
Em 2019, Gambiagi e Guilherme Tinoco, ambos economistas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), publicaram artigo no qual defendiam a revisão do teto do gasto público para preservar a capacidade do Estado de investir, e executar políticas públicas, sem deixar de lado o compromisso com a sustentabilidade fiscal. A proposta, hoje sepultada, foi feita em contexto muito diferente do atual, logo depois da aprovação da reforma da Previdência, que teve como um dos artífices o agora secretário do Desenvolvimento Regional do governo Bolsonaro, Rogério Marinho. Menos de um ano depois, Guedes e Marinho estão aparentemente rompidos, pois o ministro da Economia considera o deputado potiguar um dos mentores do Pró-Brasil, que aumenta os gastos públicos.
Um economista que participou do governo de Michel Temer entende, porém, que faz sentido promover um aumento no investimento público em infraestrutura, cujo retorno se dá pela ótica social. Já o investimento privado no setor olha o binômio risco-retorno. O problema, reconhece o técnico, é que não há espaço no Orçamento para mais despesas, o que vai levar a ampliar o déficit público. Mas isso não seria necessariamente um problema, na sua visão: “O custo-benefício para fazer obras com recursos públicos nunca foi tão barato”, argumenta. Na visão dele, não estaria se falando de “muito” dinheiro dada a baixa capacidade do Estado de executar os projetos de infraestrutura a cada exercício fiscal.
“As coisas demoram a acontecer no Brasil”, afirmou. Um exemplo dessa situação, segundo outro economista, é que as primeiras concessões do governo Bolsonaro começaram a ser preparadas na gestão Temer. A visão desses economistas é que o investimento privado em infraestrutura é pouco plausível agora e os desembolsos em concessões existentes serão unicamente os programados, com risco, inclusive, de prorrogação por causa dos efeitos da covid-19.
O BNDES tem em carteira projetos que somam R$ 188 bilhões (ver tabela) em investimentos, dos quais R$ 70 bilhões podem ser realizados em cinco anos, diz Fabio Abrahão, diretor de infraestrutura, concessões e PPPs do banco. São empreendimentos novos, em fase de modelagem, que vão estar prontos para ir a mercado até 2022. A participação do banco no financiamento dos projetos vai variar dependendo do ativo e do setor, diz Abrahão. O objetivo é envolver cada vez mais os bancos privados nas operações. “Se o BNDES, por meio de boa estruturação, conseguir emprestar menos, mas atraindo outros [bancos], vamos conseguir viabilizar mais projetos.”
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