Disputa na PF pode desencadear guerra de vazamentos
Quando o governo Bolsonaro começou, gerando altas expectativas sobre o combate à corrupção e às reformas estruturantes, predominava a percepção de que se sustentava sobre três pilares: os dois superministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia), e o núcleo militar.
Passados 16 meses, o primeiro pilar ruiu com a saída de Moro, símbolo da Lava-Jato, enquanto os outros dois entraram em processo de erosão.
Com o governo agora claudicante, Bolsonaro tenta se equilibrar sobre uma base tão sólida como areia movediça, formada pelo Centrão e um bloco de deputados sem partido, exilados no PSL, que aguardam o Aliança pelo Brasil.
Se o governo coxeia, Sergio Moro caiu de pé, como revelou a recente pesquisa digital da Consultoria Atlas Político, mostrando que sua popularidade continua mais alta que a do presidente.
O ex-ministro saiu atirando, guardou munição para o futuro e levou com ele uma ala expressiva da Polícia Federal, que não abdicará do combate à corrupção e não aceitará o risco de esvaziamento da Lava-Jato.
Esse recado foi transmitido pela Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), em carta aberta ao presidente Jair Bolsonaro. A entidade alertou que a exoneração de Maurício Valeixo e a demissão de Moro instalaram uma “crise de confiança”, e por isso, o próximo diretor-geral terá de demonstrar que assumirá para cumprir “missão politica”.
O pule de dez para o lugar de Valeixo, como já divulgado, é o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, que tem laços de amizade com Bolsonaro e seus filhos. Confrontado na rede social sobre essa relação, Bolsonaro desdenhou: “e daí?”
O desdém é arriscado como um salto de paraquedas. A associação dos delegados recordou que o último comandante da PF que assumiu o órgão em contexto semelhante “teve um período de gestão muito curto”. Escolha pessoal do então presidente Michel Temer - alvo de investigações da PF - o delegado Fernando Segóvia passou três meses no cargo.
A entidade também explicou ao presidente que as atividades da PF são sigilosas, somente os responsáveis em promovê-las acessam os documentos, e o mesmo se aplica aos relatórios de inteligência. Mas ontem Bolsonaro discordou da associação no Twitter: “A Polícia Federal... é parte do Sistema Brasileiro de Inteligência, que alimenta com informações o Presidente da República para tomada de decisões estratégicas”.
A se consumar a nomeação de Ramagem em meio à “crise de confiança”, pode desencadear uma disputa interna na Polícia Federal entre lavajatistas e bolsonaristas, com o risco de abalar ainda mais o governo, emparedado por três crises graves simultâneas: política, econômica e sanitária. A pandemia da covid-19 já fulminou quase cinco mil brasileiros - muitos sem acesso à infraestrutura, como respiradores ou leitos de UTI, que poderiam poupar vidas.
O embate interno na PF pode provocar uma guerra de vazamentos na imprensa, com a exposição de informações sigilosas que podem prejudicar o governo ou seus antagonistas. O primeiro tiro foi disparado: um dia após a saída de Moro, a imprensa veiculou a informação de que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) seria o “mentor” do esquema de notícias falsas impulsionadas nas redes sociais contra adversários do governo, segundo investigação da Polícia Federal no inquérito das Fake News em andamento no Supremo Tribunal Federal, sob a guarida do ministro Alexandre de Moraes.
Impossível inferir a origem do vazamento, mas foi um tiro de advertência. A presença de Carlos como investigado nesse inquérito, até então, era uma suposição. Há farto material de conteúdo político explosivo e suscetível de vazamentos sob a guarda da PF, do Ministério Público e do STF.
A técnica de vazamentos estratégicos na imprensa marcou a Lava-Jato e era considerada uma arma para conquistar o apoio da opinião pública. Moro já registrou que a tática, empregada na Operação Mãos Limpas, serviu a um propósito útil. “O constante fluxo de revelações manteve o interesse do publico elevado e os lideres partidários na defensiva”, argumentou, em artigo publicado em 2004.
Bolsonaro está convencido de que o inquérito das Fake News é artilharia do STF para abreviar o seu mandato. A tese não se confirma, mas o cerco judicial cresce em torno do governo.
Em uma semana, abriram-se duas novas investigações que, direta ou indiretamente, miram o presidente: a primeira, para apurar quem organizou e financiou os atos antidemocráticos do último dia 19, de que Bolsonaro participou. E a segunda, relativa às denúncias de Sergio Moro, de que Bolsonaro tentou interferir politicamente na PF. Essa investigação é considerada sensível para ambos os lados: se o ex-ministro não comprovar as acusações, pode responder por crime de denunciação caluniosa.
Em meio ao confronto com a PF, Bolsonaro agiu rápido para conter a escalada dos rumores de perderia outra perna do governo, com a iminente saída de Paulo Guedes. O “Posto Ipiranga” foi escanteado e desafiado diante do anúncio do Plano Pró-Brasil, apoiado pelo núcleo militar, que colocou em xeque o teto dos gastos públicos e o compromisso de ajuste fiscal.
“O homem que decide a economia é um só: chama-se Paulo Guedes”, ressaltou Bolsonaro ontem logo pela manhã, na porta do Alvorada. Foi a segunda vez em dois meses que Bolsonaro teve que sair em defesa de Guedes. Tanto empenho é alarmante por se tratar de um dos pilares de sustentação do governo.
Em fevereiro, o presidente disse ter a convicção de que Guedes fica com ele até o fim. “O Paulo Guedes não pediu para sair. Aliás, eu tenho certeza que, assim como ele é um dos poucos que conheci antes das eleições, ele vai continuar conosco até o último dia”.
Na outra ponta, emerge a ala militar, cada vez mais expressiva no primeiro escalão. Depois da saída de Moro, pelo menos um ministro do núcleo militar palaciano telefonou para alguns jornalistas para assegurar que os militares não abandonarão Bolsonaro. Estes auxiliares podem não sair, mas há representantes da cúpula das Forças Armadas que nunca entraram no governo, não o apoiam cegamente e não dão sinais de mudar de ideia.
Em suma, sem Moro, Bolsonaro fica sem uma das pernas do tripé original de sustentação do governo, mas pode perfeitamente caminhar com duas. Mas se perder Paulo Guedes, o governo Bolsonaro terá de pular como um saci.
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