O GLOBO/FOLHA DE SP - 29/04
Ministro poderá ser descartado com a mesma argumentação usada contra o ex-juiz
Fica combinado que "o homem que decide a economia" no Brasil é Paulo Guedes.
Afinal, Sergio Moro tinha carta branca e a política do toma-lá-dá-cá com o centrão era coisa dos passado. Cartas brancas não existem e as tais bancadas temáticas que substituiriam as negociações com os partidos eram um delírio.
Assustado com a ruína de seu governo, Bolsonaro bateu à porta do centrão. Repete Dilma Rousseff e Fernando Collor.
A fé de Bolsonaro em fantasias é inesgotável. Pena que a capacidade de Paulo Guedes de criar debates inconsequentes seja incontrolável.
Diante de uma epidemia, de uma recessão e do teatrinho do lançamento do Pró-Brasil, Paulo Guedes resolveu encrencar com os servidores: "Precisamos também que o funcionalismo público mostre que está com o Brasil, que vai fazer um sacrifício pelo Brasil, não vai ficar em casa trancado com geladeira cheia e assistindo a crise enquanto milhões de brasileiros estão perdendo emprego".
Boa ideia. Que tal um programa de sacrifícios gradativos, começando pelos magistrados e procuradores que embolsam acima de R$ 30 mil por mês? O general da reserva Augusto Heleno já disse que tinha vergonha do seu salário de R$ 19 mil líquidos.
Guedes tomou uma bolada nas costas e partiu do oficialismo a pecha de que ele é um "inimigo dos pobres". Teria surgido até uma banda "desenvolvimentista" no Planalto. Isso é falso por três razões.
Primeiro, porque o Pró-Brasil é apenas teatralista, como o foram seu pai, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e seu avô, o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND).
Também porque esse desenvolvimentismo seria encarnado pelo ministro Rogério Marinho. Como secretário para Previdência e Trabalho de Guedes, o doutor teve a ideia de taxar os desempregados que recebem um seguro do governo. Justificando a tunga, disse que com isso o desempregado continuaria na Previdência Social. Só não explicou por que a medida seria compulsória. Se fosse voluntária, tudo bem.
Finalmente, porque o teatrinho do Pró-Brasil nunca foi coisa nenhuma. Revela apenas um governo desorientado. Quando Bolsonaro diz que Paulo Guedes é "o homem que decide a economia", isso significa que, quando for o caso, poderá ser descartado, com a mesma argumentação usada para defenestrar Sergio Moro.
Até o mês passado, Paulo Guedes queria reformar a economia brasileira com 40 milhões de invisíveis e 11 milhões de desempregados.
Na segunda-feira, ele reafirmou a vitalidade de seu projeto e encrencou com a geladeira dos servidores.
Na recessão americana de 1929 o secretário do Tesouro Andrew Mellon também viu um renascimento a partir da ruína e propôs ao presidente Herbert Hoover: "Liquide os sindicatos, liquide o papelório, liquide os fazendeiros, liquide o mercado imobiliário. Isso purificará a podridão do sistema. (...) As pessoas trabalharão mais e levarão uma vida com mais moral". Felizmente, Hoover não o ouviu.
Em 1933, Franklin Roosevelt assumiu a Presidência, olhou para o andar de baixo e mudou a cara dos Estados Unidos.
Em tempo, o andar de cima americano nada tem a ver com o de Pindorama: Andrew Mellon doou ao povo o prédio da National Gallery de Washington e mais de mil peças de sua coleção. Coisa de dezenas de bilhões de dólares em dinheiro de hoje.
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".
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