GAZETA DO POVO - PR/The New York Times 06/07
Eu soube que era ela mesmo a quase um quarteirão de distância. Quando minha antiga amiga se moveu no meio da multidão, vi que estava com o telefone perto da orelha e senti uma sensação familiar de perda. Nós duas conversávamos o tempo todo, de casa e das nossas mesas minúsculas do primeiro emprego, em ruas movimentadas em momentos como esse. Mais de uma década se passou desde aquele tempo, e não tenho a mínima ideia de quem me substituiu do outro lado da linha. "Alô!", gritávamos, e engatávamos diálogos cheios de carinho. Nem ela nem eu parávamos de andar.
Nós nos conhecemos durante o ensino médio, em Nova York, e continuamos próximas ao longo da faculdade, mandando cartas para o dormitório uma da outra e, nos feriados, saíamos para comer dim sum na Pell Street ou espiar as araras da Canal Jeans. Quando voltamos para casa, depois de formadas, viramos um par inseparável, falando a linguagem de antigas piadas internas e uma levando a outra para todo lugar. Saíamos juntas com nossas mães, apresentávamos os pretendentes uma da outra para uma avaliação minuciosa, saíamos de férias juntas.
Foi em um telefonema que nossa amizade acabou, embora eu tenha levado algumas semanas para me tocar de que ela me abandonara. Estávamos batendo papo, a caminho do trabalho, quando ela disse que tinha de atender outra ligação e que me telefonaria de volta. E desapareceu. Deixei recados de voz, mandei torpedos. Chorei as pitangas para os amigos em comum. E me senti abandonada e desnorteada.
Amizade é coisa frágil, e a maioria não foi feita para durar para sempre. As circunstâncias mudam, os elos se enfraquecem
Quem sabe ela não tenha me dado uma explicação porque não tivesse nenhuma. O fato de não estar mais a fim talvez fosse razão mais que suficiente.
Amizade é coisa frágil, e a maioria não foi feita para durar para sempre. As circunstâncias mudam, os elos se enfraquecem. O fato de termos durado quase uma década foi uma façanha. Em 1999 e 2000, o sociólogo holandês Gerald Mollenhorst e seus colegas entrevistaram 1.007 pessoas, com idades entre 18 e 65 anos, sobre aqueles com quem conversavam regularmente e passavam algum tempo; quando procuraram os participantes para acompanhamento, sete anos depois, apenas metade das amizades ainda existia.
As regras que regem o amor romântico são mais claras. Com exceção dos mais aventureiros (ou adúlteros), vivemos nossos relacionamentos em uma sucessão distinta, como as contas de um colar. Encontramos um novo parceiro e nos tornamos íntimos até que um dos dois, ou ambos, termine a relação e prossiga para encontrar "a pessoa certa".
Para o filósofo francês do século 16, Michel de Montaigne, a amizade deveria funcionar de forma semelhante, uma companhia por vez, pois "na amizade perfeita cada um se dá ao outro tão integralmente que não sobra nada para dividir com outras pessoas", escreveu ele.
Hoje em dia, a amizade é mais parecida com o poliamor: começamos a nos relacionar com as pessoas na tenra infância e, a partir daí, o número só faz aumentar. Conforme a vida segue, fazemos amigos para todas as ocasiões – faculdade, trabalho, mães, academia, divórcio. Somos aconselhados, inclusive, a manter as relações antigas – talvez principalmente – quando formamos novas, para "estarmos presentes", por mais ocupados ou desinteressados que estejamos.
Acontece que nossa vida social nunca para, e mesmo as relações baseadas naquela ligação rara e profunda, como a que me sustentou no início da vida adulta, estão fadadas a enfraquecer. Novos parceiros românticos entram em cena, como também filhos, mudanças geográficas, vitórias e catástrofes não previstas. As prioridades pendem para novas direções.
E surgem novas amizades. Somos programados para buscá-las; segundo alguns estudos, ao lado de nossas companhias favoritas, o cérebro libera dopamina e oxitocina. Os primeiros estágios são como os de um romance; quando meu marido me vê ao telefone, absorvida em uma troca rápida de mensagens, sabe que a pessoa do outro lado invariavelmente é uma mulher fascinante que ainda estou conhecendo.
Há transgressões escandalosas e traições que podem acabar com a amizade, é verdade, mas, no geral, não há como especificar seu fim. É só o clima que muda; começa a surgir o senso de obrigação. Conversas que antes eram espontâneas passam para um território menos agradável, o de "pôr as novidades em dia". E dali para perceber que as redes sociais são a única coisa que mantém viva a relação é um pulo.
Graças ao milagre do Instagram, pude saber que minha antiga amiga tem uma família linda e continua uma cozinheira de mão cheia e apaixonada por fotos. O que não aparece no meu feed é o olhar vulnerável que lhe subia aos olhos quando andávamos de braços dados pela cidade, tarde da noite, ou o som de sua risada quando passávamos as tardes de domingo comendo queijos fedidos e assistindo às reprises de Seinfeld. Essas coisas não recuperarei jamais.
Minha antiga amiga finalmente me procurou, vários meses depois de ter desaparecido, afirmando não saber bem por quê, mas percebera que precisava de espaço, e que sentia muito. Fui honesta e disse que ficara magoada, mas que compreendia. Nós nos vimos algumas vezes depois disso, mas a coisa já estava diferente; tínhamos nos afastado.
Em respeito à santidade da amizade, quando a mágica diminui ou acaba, o melhor a fazer é se afastar. Quando vi minha antiga amiga da última vez, de relance na rua movimentada, não quis um relatório das novidades de dois minutos, nem a troca de promessas vazias de "nos vermos em breve". Nossa história gloriosa, e as jovens que éramos, merecem mais que isso. Passar batido uma pela outra foi mais instinto que decisão, mas foi a única maneira de honrar nossa amizade, que Deus a tenha.
Lauren Mechling é a autora do romance ainda inédito "How Could She"."
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