O presidente Jair Bolsonaro estaria tentado a participar dos atos de "protesto a seu favor" marcados para o dia 26. Vá se quiser. As palavras de ordem que mais circulam nas redes sociais sobre o evento resumem o espírito da coisa: fechamento do Congresso e do Supremo. Se o fizer — e a depender do que venha a se dar nas ruas —, estará cometendo mais um crime de responsabilidade, e agora no gênero barra-pesada. Lembro o que diz o Artigo 85 da Constituição:
São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
Um parágrafo único diz que esses crimes serão definidos em lei.A Lei existe: é a 1.079. Os itens 1 e 2 do Artigo 6º definem ser crime de responsabilidade contra o Congresso, entre outras práticas, "tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras" ou "usar de violência ou ameaça" contra representantes da nação para "coagi-los no modo de exercer o seu mandato". O item 6 especifica como crime de responsabilidade: "opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças". O resultado é o impeachment.
Chega de ruído! Se Bolsonaro for “impichado”, Mourão assume
A propósito: há um ruído por aí sobre o que pode acontecer se Bolsonaro for alvo de um processo de impeachment. Não! Não haverá nova eleição nem vai assumir o segundo colocado. A definição está nos Artigos 79 da Constituição:
Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.
Não cabe confundir com o que estabelece o Artigo 81:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§ 2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.
Se Bolsonaro e Hamilton Mourão fossem impedidos nos dois primeiros anos, haveria nova eleição direta em 90 dias para escolher o presidente; se nos dois últimos anos, eleição indireta em 30 dias. Em qualquer caso, o eleito apenas completaria o mandato do antecessor. Mas notem: até agora, Mourão se comportou nos limites da Constituição.
Faço este post apenas para esclarecimento. Volto à manifestação.
Novo lema é “Deus acima de todos, e os insanos acima de Deus”
"Frame" de um dos vídeos que convocam a manifestação; acima da imagem de Rodrigo Maia, a mensagem: "Os políticos sempre devem sempre obedecer o presidente"
"O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, e os insanos acima de Deus". Essa poderia ser a palavra de ordem dos que estão convocando a manifestação do próximo dia 26. Ainda que, agora, se tente dourar a pílula para afirmar que o "protesto a favor de Jair Bolsonaro não é um ato hostil ao Congresso e ao STF — pede-se o fechamento de ambos como quem diz "hoje é terça-feira" —, a verdade é que é esse o "leitmotiv" das convocações nas redes sociais. Vídeos, memes, convocações e demonizações têm como alvos ministros do Supremo, o Parlamento como um todo e, em particular, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Também David Alcolumbre (DEM-AP), que preside o Senado, está na mira.
Será que Bolsonaro vai? A hipótese é de tal sorte insana que me nego a acreditar que esteja mesmo flertando com essa possibilidade. Mas, pensando bem, por que não? Quem divulga o texto que ele divulgou, acusando os inimigos da pátria — nem os militares escaparam — e o vídeo de pastor oriundo do Congo e que prega na França, segundo quem é ele, Bolsonaro, o escolhido de Deus para nos guiar, convenham, pode muito bem ir a um ato que prega o fechamento do Congresso e do Supremo.
Resultado será ruim se protesto der certo ou errado
É claro que há um cálculo nesse troço todo — embora seja, para ser claro, o calculismo dos cretinos. Não há perigo de esse negócio dar certo. Se a manifestação for acanhada no cotejo com a do dia 15, Bolsonaro sai enfraquecido. Se for um sucesso retumbante, tanto pior porque está caracterizado um Congresso cercado. Caso, então, este passe a ceder à pressão da máquina de achincalhe movida pelo presidente da República e por aliados seus, desmoraliza-se; se age em sentido oposto, demonstrando que não se deixa intimidar, aprofunda-se o conflito. Em qualquer caso, ruim para o país.
Figuras de direita e extrema-direita chamadas de comunistas
A insanidade é tal que notórias figuras identificadas com uma pauta de direita — algumas, na verdade, de extrema-direita, que dão apoio ao decreto insano e ilegal de Bolsonaro sobre porte de armas — estão sendo chamadas de comunistas. Suas fotos estão sendo divulgadas nas redes sociais com o carimbo da foice e do martelo. Até a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo na Câmara, está a merecer essa classificação, imaginem vocês! E o que une todas essas figuras, mesmo de direita ou de extrema-direita, no ataque promovido por defensores do dito protesto? Ora, elas consideram, e não sem razão prática, que a manifestação pode ser ruim para o próprio governo.
A estupidez atinge o seu estado de arte. Chegou-se, enfim, a uma fórmula que já estava dada há tempos e que muita gente se negava a ver ou a reconhecer: afinal, quem são os comunistas? Ora, todos aqueles que seguidores de Olavo de Carvalho e a família Bolsonaro julgam ser comunistas. Lembra uma frase de líder nazista Hermann Göering: "Eu decido quem é judeu".
Observem: nem estou certo de que os que se opõem à convocação o façam porque reconhecem seu caráter essencialmente autoritário, de intenção obviamente disruptiva, que ignora fundamentos elementares de uma sociedade democrática. Não fossem tais fundamentos, trata-se, antes de mais nada, de algo contraproducente. Afinal, Bolsonaro tem, em tese ao menos, mais três anos e sete meses de governo. Será mesmo que os insanos imaginam que existe alguma possibilidade de ele se sustentar no poder afrontando permanentemente o Congresso e o Supremo Tribunal Federal? Será que imaginam que os dois Poderes da República lhe darão carta branca para agir à sua vontade? Sabe-se lá. O fato é que Bolsonaro e seus filhos estão, sim, na raiz dessa convocação. Em vez de o presidente se concentrar em governar o país, está empenhado em causar tensões políticas que, no fim das contas, ameaçam a sua própria posição.
Até Janaína Paschoal agora vira, vejam só!, uma “comunista”
Janaina Paschoal: por se opor a porra-louquices, deputada também vira "comunista"
A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), a parlamentar mais votada da história do país, cotada até para vice de Bolsonaro, também passou à condição de traidora nesses ambientes amalucados. Chegou a declarar que estuda deixar o PSL. É compreensível. Embora, reitero, tenha divergências enormes com ela, lembro, não obstante, que é uma professora de direito e conhece os fundamentos da Constituição. E, por óbvio, sabe que, dado o caráter do "protesto a favor" de Bolsonaro e contra Congresso e STF, haverá crime de responsabilidade se as digitais do presidente aparecerem na convocação ou organização. Sua presença, no ato, então corresponderia a uma assinatura.
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