Presidente não deve atacar os políticos de forma genérica, porque o Congresso é essencial à democracia
Em mais uma surpresa negativa vinda das redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro abriu um flanco para ser comparado a Jânio Quadros, o populista que chegou ao poder brandindo uma vassoura, a fim de jogar no lixo a corrupção e outros males brasileiros, mas que terminou renunciando. E comunicou ao país que não havia conseguido fazer o que desejava devido a “forças terríveis”. Mandou à Câmara a carta de renúncia, que foi prontamente aceita, frustrando seu projeto de voltar nos braços do povo, em cima de um tanque. A lembrança daqueles tempos veio em decorrência da desastrada decisão de Bolsonaro de compartilhar nas redes sociais texto de um servidor público federal, que afirma que o Brasil é “ingovernável” sem os “conchavos políticos”, devido ao Congresso e a “corporações”. Bolsonaro o distribuiu, e o paralelo com Jânio foi instantâneo. Mas se já não funcionou em 61, o que dirá agora, quando as instituições republicanas contam com mais músculos.
De forma benevolente, credite-se mais este escorregão ao uso descuidado que Bolsonaro e filhos fazem da internet. O presidente precisa participar do jogo da democracia, negociar projetos com o Congresso, ajudar a construir uma base parlamentar. Não se trata de fazer barganhas espúrias. Prejudicam o próprio governo, e a si mesmo, críticas genéricas como a feita ontem na Federação das Indústrias do Rio, a Firjan: “o grande problema do Brasil é a classe política”. À tarde, em Brasília, mudou o tom, o que não costuma compensar os danos.
O presidente precisa abandonar a agenda de extrema direita com a qual seu governo anima milicianos digitais, sem qualquer resultado positivo para o país. Vide a paralisia em que se encontra uma pasta estratégica como a da Educação, depois de ser entregue por Bolsonaro a radicais. Deveria perceber que os extremos, à direita e à esquerda, são minoritários, e, tanto quanto isso, que com eles é impossível executar políticas públicas sem crises.
Também não pode achar que as investigações sobre Flávio, o filho 01, senador — por causa de altas cifras movimentadas na sua conta, quando era deputado estadual — sejam um ataque a si. Podem ser usadas pela oposição, mas o caso de Flávio Bolsonaro é um entre vários que estão sendo vasculhados pelo Ministério Público fluminense na Alerj. Se o senador do PSL enfrenta dificuldades para explicar a origem dos recursos que passaram por sua conta bancária, e pela do braço direito Fabrício Queiroz, esta é uma outra história. Reações deste tipo de Bolsonaro terminam insuflando a ideia de que o Congresso pode executar reformas sem o Executivo. Um caminho ilusório cheio de acidentes institucionais de percurso.
São conhecidas as corporações que atuam no Congresso para manter privilégios inaceitáveis. Mas é parte dos embates democráticos. O apoio da sociedade, se ela for bem informada sobre de que se trata, será maciço para o fim dessas benesses. Preservados todos os direitos adquiridos, é possível dar um fim a elas. É imperioso, não só devido a razões fiscais, mas também éticas, do ponto de vista da justiça social.
Bolsonaro tem de assumir o mandato que lhe foi dado por uma diversificada composição de eleitores. Precisa dedicar-se a agendas de interesse amplo. Não ao sabor de slogans e delírios extremistas. Bolsonaro tem de ser presidente, e deixar de adotar posturas de chefe de grupo sectário.
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