Valor Econômico - 21/05
O presidente Jair Bolsonaro pode cruzar uma linha que levará o país a uma crise política permanente. Após divulgar pelos meios digitais um texto que considerou "leitura obrigatória", com críticas ao Congresso e ao Judiciário na sexta-feira, e no qual o Brasil é tido como "ingovernável" se não atender aos interesses das "corporações", Bolsonaro deu o sinal para que seus apoiadores marcassem para domingo manifestações de rua a favor do governo. Como já se tornou padrão em sua administração, o presidente engendra sem parar problemas para si próprio. É o caso das manifestações - que, legítimas, se forem bem ou mal-sucedidas igualmente pioram as condições de Bolsonaro governar.
Bolsonaro foi abalado pelas investigações que o Ministério Público realiza sobre as contas de seu filho, o senador Flavio Bolsonaro, e Fabricio Queiroz, que apontam para mau uso de dinheiro público e relacionamento com as milícias do Rio. O MP faz com Flavio o que fez com políticos do PT, do MDB e de outros partidos, e que sempre foi elogiado por Bolsonaro como ações firmes contra a corrupção. No caso de seu filho, considera perseguição. O Congresso se afasta rapidamente do Executivo, assim como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que já foi várias vezes criticado pelo presidente e seu clã. Com uma base parlamentar que se restringe aos 54 deputados de seu partido, Bolsonaro segue uma senda que logo inviabilizará seu governo.
O presidente não aprendeu a negociar, e talvez não queira aprender. Na sexta, ele mencionou estranhos presságios quando foi esfaqueado em Juiz de Fora: "O Sistema vai me matar". No domingo, postou vídeo de pastor estrangeiro que disse que Bolsonaro foi "escolhido por Deus". Na sequência o presidente afirma que "quem deve ditar os rumos do país é o povo". E, em nota oficial divulgada pelo porta-voz da Presidência, na sexta, disse que "a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que no passado se beneficiavam de relações pouco republicanas".
A rota que Bolsonaro está seguindo colide com as instituições com as quais ele terá de, em uma democracia, necessariamente conviver. De um lado, os xeques sob o poder do Executivo aborrecem o presidente, que já desabafou que "não nasceu" para ocupar este cargo e que a rotina da Presidência é um desfiar infindável de problemas. De outro lado, nada subjetivo, ele manifesta recorrentemente o desejo de afrontá-las. A carta de ex-candidato a vereador no Rio, que divulgou na sexta, presta-se a interpretações que coincidem com a do presidente. O texto diz que Bolsonaro "não serve para nada" se todas suas ações "são questionadas no Congresso e na Justiça". O presidente habitaria "um cárcere que começa a se mostrar sufocante", já que sua agenda não é do interesse das corporações e "pelo jeito, nem dos militares".
Ao episódio se atribuiu duas consequências: a renúncia ou o atrito incessante com as instituições. Mesmo decepcionado com o fato de que o Congresso não se curve à sua vontade, o presidente não parece que quer deixar o cargo. A segunda hipótese é da ala fervorosamente bolsonarista, que despreza os políticos, o Supremo Tribunal Federal e, muitos deles, a própria democracia. Bolsonaro quer manter a chama viva da franja radical das redes sociais, mesmo depois que as pesquisas de opinião mostraram que os que nele votaram para evitar a permanência do PT começam a se arrepender em massa.
O estímulo a manifestações de rua a seu favor tenderá a isolá-lo mais ainda. É perigoso a um governo medir forças com o Congresso apelando ao "povo", algo que antes os bolsonaristas condenavam como fruto das intenções "bolivarianas" do PT. Caso as manifestações sejam bem-sucedidas, terão de ser usadas com frequência, porque não se mudam sob pressão e facilmente os desígnios do Congresso e os caminhos da Justiça, que reagirão à tentativa de desmoralização. E como essa desmoralização é um dos objetivos das alas que organizam as manifestações, um fracasso agravará os males que pretendiam combater. Desgastam o presidente e o deixam sem força política para aprovar até mesmo parte da imprescindível agenda econômica, à qual Bolsonaro não dá a essencialidade que deveria, ao armar confusões em série.
Com menos de cinco meses de governo, Bolsonaro tem sido incapaz de dialogar e dar rumos à nação, o que se espera de um ocupante do Planalto. A história do país não reservou papel memorável aos presidentes que insistiram nesse caminho.
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