É impossível aumentar a produtividade sem enfrentar um dos demônios atávicos do país: o medo da competição
Ano passado, passei as férias com minha mulher em um país do Terceiro Mundo. Fiquei hospedado na casa de um casal de amigos, nossos anfitriões. Num dos passeios, nosso amigo estava dirigindo numa estrada e passou por um pedágio. Cem metros depois de pagar, fomos parados por um funcionário, a quem foi preciso mostrar o comprovante de que o pedágio tinha sido pago. Quando questionado por mim acerca da razão de algo tão esdrúxulo, a explicação foi: “Isso é uma forma que eles têm aqui de dar emprego para as pessoas”. É difícil pensar em algo mais idiota do que checar dois minutos depois se um ato impossível de burlar — pois, em caso de não pagamento, a barreira veda a passagem — foi levado a cabo. “Emprego” e “baixa produtividade” são dois fenômenos que caminham juntos. O problema é quem paga.
Nos 30 anos entre 1987 e 2017, o PIB brasileiro aumentou 89%, e o emprego, 66%. Isso significa que a produtividade por trabalhador ocupado cresceu apenas 0,4% ao ano. Para entender o que isso significa, projetemos alguns números para os próximos 30 anos, utilizando as estimativas populacionais do IBGE. Segundo estas, a população entre 15 e 59 anos crescerá até 2031 e depois começará a declinar. Enquanto isso, a população total aumentará ainda por algum tempo, a uma média 0,4% ao ano superior à trajetória do grupo de 15 a 59 anos em 30 anos. Se assumirmos este grupo como uma proxy da população empregada, isso significa que, se nos próximos 30 anos repetirmos o aumento da produtividade por trabalhador ocupado dos últimos 30, a renda per capita do brasileiro em 2048 será igual à de 2018. Estaremos lidando então não com uma “década perdida”, e sim com mais de meio século perdido. Seria uma tragédia.
Aumentar a produtividade deveria ser uma obsessão nacional. O problema é que é impossível alcançar isso sem enfrentar um dos demônios atávicos do país: o medo da competição. Pensemos em quatro casos/cenas diferentes, de diversas categorias.
Cena 1 (posto de gasolina). O cidadão vai a um posto encher o tanque. Conta quatro frentistas, mais um auxiliar, mais uma balconista da loja de conveniência e a atendente do caixa. Total: sete pessoas. Nos EUA, uma única pessoa tomaria conta de tudo, e o próprio motorista abasteceria o carro.
Cena 2 (turismo). Um turista europeu vem ao Brasil visitar lugares históricos numa cidade X. No ônibus, uma pessoa dirige e outra fala no trajeto. Chegando ao local, uma terceira explica o que estão vendo. Na Europa, é muito comum uma mesma pessoa fazer o papel de motorista, guia e historiador, explicando tudo aos passageiros enquanto dirige entre um lugar e outro.
Cena 3 (estaleiro). Um estaleiro brasileiro tenta vender navios para a Petrobras. Ele produz basicamente para o mercado nacional e um pouco para o mercado latino-americano, que depende de acordos de governo. Sua produtividade é apenas 40% do maior produtor mundial, uma empresa da Coreia que produz um número muito maior de unidades por ano e vende para o mundo inteiro por um preço muito menor.
Cena 4 (entidade empresarial). Uma pessoa visita a sede de uma das entidades empresariais mantidas com recursos parafiscais de arrecadação compulsória e destinação de recursos vinculados. Entrega a identidade na recepção a uma pessoa, para depois ser conduzida por outra ao elevador. Ali encontrará o segurança e depois o ascensorista. Ao chegar ao andar, será recebido por uma recepcionista que o conduzirá a uma sala, onde uma pessoa lhe oferecerá cafezinho. Antes de encontrar a pessoa com quem foi falar de algo específico, terá passado então por seis pessoas.
O leitor, em cinco minutos, identificará outras tantas experiências da sua vida pessoal em que terá se deparado com situações em que a ineficiência brota aos borbotões, com o emprego de um número muito maior que o necessário de pessoas para desempenhar atividades que poderiam ser feitas ocupando muito menos gente. Esse era um modus operandi de um país que pertence ao passado. Os versos de Antonio Machado (“Hay un español que quiere / Vivir y a vivir empieza / Entre una España que muere / Y otra España que bosteza”) se aplicam perfeitamente ao Brasil, cujo futuro, espremido entre o passado que morre e a modernidade que quer acordar, será definido nos próximos meses.
Fabio Giambiagi é economista
Ano passado, passei as férias com minha mulher em um país do Terceiro Mundo. Fiquei hospedado na casa de um casal de amigos, nossos anfitriões. Num dos passeios, nosso amigo estava dirigindo numa estrada e passou por um pedágio. Cem metros depois de pagar, fomos parados por um funcionário, a quem foi preciso mostrar o comprovante de que o pedágio tinha sido pago. Quando questionado por mim acerca da razão de algo tão esdrúxulo, a explicação foi: “Isso é uma forma que eles têm aqui de dar emprego para as pessoas”. É difícil pensar em algo mais idiota do que checar dois minutos depois se um ato impossível de burlar — pois, em caso de não pagamento, a barreira veda a passagem — foi levado a cabo. “Emprego” e “baixa produtividade” são dois fenômenos que caminham juntos. O problema é quem paga.
Nos 30 anos entre 1987 e 2017, o PIB brasileiro aumentou 89%, e o emprego, 66%. Isso significa que a produtividade por trabalhador ocupado cresceu apenas 0,4% ao ano. Para entender o que isso significa, projetemos alguns números para os próximos 30 anos, utilizando as estimativas populacionais do IBGE. Segundo estas, a população entre 15 e 59 anos crescerá até 2031 e depois começará a declinar. Enquanto isso, a população total aumentará ainda por algum tempo, a uma média 0,4% ao ano superior à trajetória do grupo de 15 a 59 anos em 30 anos. Se assumirmos este grupo como uma proxy da população empregada, isso significa que, se nos próximos 30 anos repetirmos o aumento da produtividade por trabalhador ocupado dos últimos 30, a renda per capita do brasileiro em 2048 será igual à de 2018. Estaremos lidando então não com uma “década perdida”, e sim com mais de meio século perdido. Seria uma tragédia.
Aumentar a produtividade deveria ser uma obsessão nacional. O problema é que é impossível alcançar isso sem enfrentar um dos demônios atávicos do país: o medo da competição. Pensemos em quatro casos/cenas diferentes, de diversas categorias.
Cena 1 (posto de gasolina). O cidadão vai a um posto encher o tanque. Conta quatro frentistas, mais um auxiliar, mais uma balconista da loja de conveniência e a atendente do caixa. Total: sete pessoas. Nos EUA, uma única pessoa tomaria conta de tudo, e o próprio motorista abasteceria o carro.
Cena 2 (turismo). Um turista europeu vem ao Brasil visitar lugares históricos numa cidade X. No ônibus, uma pessoa dirige e outra fala no trajeto. Chegando ao local, uma terceira explica o que estão vendo. Na Europa, é muito comum uma mesma pessoa fazer o papel de motorista, guia e historiador, explicando tudo aos passageiros enquanto dirige entre um lugar e outro.
Cena 3 (estaleiro). Um estaleiro brasileiro tenta vender navios para a Petrobras. Ele produz basicamente para o mercado nacional e um pouco para o mercado latino-americano, que depende de acordos de governo. Sua produtividade é apenas 40% do maior produtor mundial, uma empresa da Coreia que produz um número muito maior de unidades por ano e vende para o mundo inteiro por um preço muito menor.
Cena 4 (entidade empresarial). Uma pessoa visita a sede de uma das entidades empresariais mantidas com recursos parafiscais de arrecadação compulsória e destinação de recursos vinculados. Entrega a identidade na recepção a uma pessoa, para depois ser conduzida por outra ao elevador. Ali encontrará o segurança e depois o ascensorista. Ao chegar ao andar, será recebido por uma recepcionista que o conduzirá a uma sala, onde uma pessoa lhe oferecerá cafezinho. Antes de encontrar a pessoa com quem foi falar de algo específico, terá passado então por seis pessoas.
O leitor, em cinco minutos, identificará outras tantas experiências da sua vida pessoal em que terá se deparado com situações em que a ineficiência brota aos borbotões, com o emprego de um número muito maior que o necessário de pessoas para desempenhar atividades que poderiam ser feitas ocupando muito menos gente. Esse era um modus operandi de um país que pertence ao passado. Os versos de Antonio Machado (“Hay un español que quiere / Vivir y a vivir empieza / Entre una España que muere / Y otra España que bosteza”) se aplicam perfeitamente ao Brasil, cujo futuro, espremido entre o passado que morre e a modernidade que quer acordar, será definido nos próximos meses.
Fabio Giambiagi é economista
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