Albert Camus, o maior romancista francês de meados do século XX, teve a coragem de deixar o Partido Comunista, chocado com as atrocidades e a corrupção de Stalin
Recentemente observamos a evasão de intelectuais das bancadas de partidos ditos de esquerda. Uns saíram cabisbaixos, procurando não chamar a atenção. Pouquíssimos saíram apontando os erros, as distorções e, especialmente, a traição aos ideais do partido perpetrada por seus principais dirigentes.
Não é um fenômeno novo tal debandada no momento em que militantes descobrem a verdade nua e crua: dedicaram-se a estruturas e filosofias viciadas, corruptas e desumanas. Albert Camus, o maior romancista francês de meados do século XX, teve a coragem de fazer isso ao deixar o Partido Comunista, chocado com as atrocidades e a corrupção de Stalin. Sartre ficou pateticamente a repetir palavras de ordem de Moscou.
Há que se destacar que essa coragem de enfrentar o patrulhamento de ex-colegas de partido é tão digna quanto rara. Um intelectual a serviço de causa política e por ela fanatizado — ou preso por interesse/conveniência — é o que mais vemos por aí.
Esquecemos Platão. Este, estabelecido com sua Academia e reconhecido como o maior filósofo de Atenas, é atraído pelo convite de um amigo influente para se estabelecer na cidade de Siracusa, onde havia sido alçado ao poder um jovem tirano chamado Dionísio. Tal governante parecia muito aberto a se transformar no “rei-filósofo” que Platão preconizava em sua famosa obra “A república”.
Seduzido pela proposta, Platão vai a Siracusa por três vezes ao longo dos seguintes dez anos com a esperança de fazer de Dionísio a encarnação do rei-filósofo descrito em sua teoria ou, na pior hipótese, orientá-lo para que governasse com justiça. Em vão! O que Platão conseguiu foi reforçar em Dionísio seu caráter tirânico, “camuflando-o” com tintas filosóficas.
Contrariamente ao que fez Platão — que publicamente repudiou o horror que se tornara Siracusa sob o regime de Dionísio —, hoje intelectuais “profissionais” abraçam e defendem regimes totalitários, mesmo após a exposição pública das barbaridades cometidas, dos resultados adulterados e do seu legado tenebroso.
No seu excelente livro “A mente imprudente”, Mark Lilla constata que Dionísio ressurge ao longo da história. No século XX nós o vemos sob vários diferentes nomes: Lenin, Stalin, Hitler, Mussolini, Mao, Castro, Trujillo, Chávez, Maduro e outros. Eles existem em todas as variantes de socialismo, fascismo, comunismo, sempre amparados pela corrupção e pelo populismo. Naturalmente, cercados de seus intelectuais filotirânicos.
O Brasil não foge a esta regra, e nossa história é rica de tiranetes e seu séquito de intelectuais, que procuram ajudá-los a criar o respaldo retórico para a prática do mal (com a cínica e delirante justificativa que visam ao final alcançar o bem, e os fins justificam os meios ). Precisam ler mais Platão e ter a sua mesma honestidade intelectual.
São poucos os que têm a dignidade, como outrora Camus e, entre nós, Fernando Gabeira, de reconhecer erros e apontar caminhos. Ele, que no passado lutou contra o regime militar, reconhece que não era para instituir um regime democrático, como antigos colegas hoje, oportunisticamente, gostam de proclamar, mas sim para implantar outro tipo de regime tirânico, a “ditadura do proletariado”, de triste legado onde vicejou.
José Luiz Alquéres é conselheiro da Associação Comercial do Rio de Janeiro
Recentemente observamos a evasão de intelectuais das bancadas de partidos ditos de esquerda. Uns saíram cabisbaixos, procurando não chamar a atenção. Pouquíssimos saíram apontando os erros, as distorções e, especialmente, a traição aos ideais do partido perpetrada por seus principais dirigentes.
Não é um fenômeno novo tal debandada no momento em que militantes descobrem a verdade nua e crua: dedicaram-se a estruturas e filosofias viciadas, corruptas e desumanas. Albert Camus, o maior romancista francês de meados do século XX, teve a coragem de fazer isso ao deixar o Partido Comunista, chocado com as atrocidades e a corrupção de Stalin. Sartre ficou pateticamente a repetir palavras de ordem de Moscou.
Há que se destacar que essa coragem de enfrentar o patrulhamento de ex-colegas de partido é tão digna quanto rara. Um intelectual a serviço de causa política e por ela fanatizado — ou preso por interesse/conveniência — é o que mais vemos por aí.
Esquecemos Platão. Este, estabelecido com sua Academia e reconhecido como o maior filósofo de Atenas, é atraído pelo convite de um amigo influente para se estabelecer na cidade de Siracusa, onde havia sido alçado ao poder um jovem tirano chamado Dionísio. Tal governante parecia muito aberto a se transformar no “rei-filósofo” que Platão preconizava em sua famosa obra “A república”.
Seduzido pela proposta, Platão vai a Siracusa por três vezes ao longo dos seguintes dez anos com a esperança de fazer de Dionísio a encarnação do rei-filósofo descrito em sua teoria ou, na pior hipótese, orientá-lo para que governasse com justiça. Em vão! O que Platão conseguiu foi reforçar em Dionísio seu caráter tirânico, “camuflando-o” com tintas filosóficas.
Contrariamente ao que fez Platão — que publicamente repudiou o horror que se tornara Siracusa sob o regime de Dionísio —, hoje intelectuais “profissionais” abraçam e defendem regimes totalitários, mesmo após a exposição pública das barbaridades cometidas, dos resultados adulterados e do seu legado tenebroso.
No seu excelente livro “A mente imprudente”, Mark Lilla constata que Dionísio ressurge ao longo da história. No século XX nós o vemos sob vários diferentes nomes: Lenin, Stalin, Hitler, Mussolini, Mao, Castro, Trujillo, Chávez, Maduro e outros. Eles existem em todas as variantes de socialismo, fascismo, comunismo, sempre amparados pela corrupção e pelo populismo. Naturalmente, cercados de seus intelectuais filotirânicos.
O Brasil não foge a esta regra, e nossa história é rica de tiranetes e seu séquito de intelectuais, que procuram ajudá-los a criar o respaldo retórico para a prática do mal (com a cínica e delirante justificativa que visam ao final alcançar o bem, e os fins justificam os meios ). Precisam ler mais Platão e ter a sua mesma honestidade intelectual.
São poucos os que têm a dignidade, como outrora Camus e, entre nós, Fernando Gabeira, de reconhecer erros e apontar caminhos. Ele, que no passado lutou contra o regime militar, reconhece que não era para instituir um regime democrático, como antigos colegas hoje, oportunisticamente, gostam de proclamar, mas sim para implantar outro tipo de regime tirânico, a “ditadura do proletariado”, de triste legado onde vicejou.
José Luiz Alquéres é conselheiro da Associação Comercial do Rio de Janeiro
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