O ESTADÃO - 25/02
Há incerteza política, o investimento é baixo e pouco se cuida dos temas estratégicos
O bolo voltou a crescer mais que o número de comensais, em 2017, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Essa é uma das boas novidades – talvez a mais celebrável – trazidas pela nova edição do Monitor do PIB, um acompanhamento mensal das condições macroeconômicas. De acordo com o relatório, o produto interno bruto (PIB) por habitante aumentou 0,27% no ano passado e chegou a R$ 31.358. Foi um avanço muito pequeno, mas importante por ter sido a primeira variação positiva depois de quatro anos de quedas. Calculado a preços de 2017, o PIB per capita chegou ao máximo de R$ 34.471 em 2012 e em seguida caiu até 2016. Apesar do início de recuperação, o valor de 2017 ficou 9,03% abaixo do pico e – pior – ainda foi 5,19% inferior ao nível de 2010. A reação da economia apenas começou e, se as projeções do mercado estiverem certas, deve acelerar-se neste ano e prosseguir pelo menos até 2020, com velocidade em torno de 3%. Mas qualquer estimativa, nesta altura, envolve apostas muito inseguras quanto à evolução das contas públicas, às condições do mercado internacional e ao nível do investimento produtivo, por enquanto muito baixo.
A queda do PIB per capita começou dois anos antes do primeiro ano completo de recessão, 2015. Esse é mais um claro sinal de uma economia já em derrocada no meio do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. É mais um indicador, também, do longo caminho de recuperação ainda pela frente. Nem mesmo o caminho está bem definido, embora seja fácil, com algum conhecimento da experiência nacional e internacional e uma razoável informação econômica, esboçar as condições mínimas de uma estratégia. Mas o cenário permanece enevoado. Há incertezas derivadas do jogo eleitoral, do custoso presidencialismo de coalizão e da vocação paroquial exibida por boa parte dos congressistas.
Voltando aos números: o primeiro balanço oficial da economia em 2017 deve ser conhecido na próxima quinta-feira, data prevista para a divulgação das contas nacionais pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não se pode eliminar a hipótese de alguma surpresa. Mas o Monitor da FGV tem oferecido uma boa antecipação dos dados do IBGE. Pode servir de base, portanto, para uma razoável avaliação de conjuntura.
Segundo o Monitor, o PIB cresceu 1,04% em 2017. Economistas do setor financeiro e de consultorias têm apostado em algum número entre 1% e 1,1%. A taxa calculada pelo pessoal da FGV fica no intervalo. Tiveram desempenho positivo, de acordo com o balanço, a indústria de transformação, a extrativa mineral e a agropecuária. Nos serviços, o comércio e os transportes cresceram, mas no conjunto o setor ainda recuou. As famílias, como já se havia observado com base em dados do IBGE, aproveitaram a melhora da renda real para reforçar o consumo de bens, deixando para mais tarde os gastos com outros serviços.
Embora animadora, a recuperação até agora registrada na produção industrial, no consumo interno e no comércio exterior pouco informa sobre como poderão evoluir os negócios e o emprego nos próximos anos. O País saiu da UTI, mas falta saber como e quanto poderá andar ou correr depois da convalescença. A reativação da indústria e de outras atividades urbanas foi baseada principalmente na ocupação de uma ampla capacidade ociosa acumulada nos últimos anos – de fato, desde antes da recessão.
O crescimento neste ano, estimado por especialistas na faixa de 2,5% a 3%, ainda será facilitado pelo uso de meios de produção parcialmente ociosos. Mas o avanço da economia nos anos seguintes dependerá da expansão e da modernização da capacidade produtiva.
O crescimento exigirá, portanto, mais investimentos em máquinas, equipamentos e construções, tanto particulares quanto públicas. Estas serão especialmente importantes, por causa da insuficiência e do mau estado da infraestrutura. Esses problemas são facilmente visíveis na chamada malha de transportes, mas também é preciso cuidar da geração e da transmissão de energia, do saneamento e do abastecimento de água, da ampliação e da melhora da rede hospitalar pública, e assim por diante.
O Monitor confirmou alguma reação do investimento produtivo, baseada principalmente na compra de máquinas e equipamentos. O setor de construção, como haviam indicado outras fontes, ganhou algum dinamismo apenas no último trimestre. Apesar desses dados positivos, o valor investido no ano ainda foi, segundo o Monitor, 1,9% menor que o de 2016. Isso se explica pelo recuo de 6,5% da construção, já que o componente de máquinas e equipamentos avançou 5,8%.
No balanço geral, o investimento, calculado como formação bruta de capital fixo, ficou em 15,69% do PIB, muito abaixo do pico de 20,45% registrado em 2013. Taxas em torno de 20%, raras no Brasil, são muito inferiores às necessárias para um crescimento parecido com o de outros emergentes. Padrões de investimento iguais ou superiores a 24% do PIB são observados na América Latina e ainda mais facilmente na Ásia.
Não basta, no entanto, investir mais em capital fixo. É preciso levar em conta a produtividade do capital convertido em recursos físicos. Além disso, é urgente retomar a discussão, muito mais frequente em outras épocas, sobre a estratégia de formação de recursos humanos. Gastou-se muito dinheiro, especialmente neste século, para ampliar a distribuição de matrículas e diplomas, enquanto pouco se cuidou da formação e da distribuição de competências.
Em muitos países nem seria necessária uma eleição presidencial para assuntos como esses ganharem destaque no debate público. No Brasil, nem a campanha eleitoral garante uma boa discussão desses e de outros grandes temas. Pior: esse debate poderá fazer bocejar boa parte do eleitorado. Subdesenvolvimento é muito mais que uma coleção de deficiências medidas por indicadores econômicos.
*Jornalista
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