ESTADÃO - 15/02
Passado o susto da recessão, os consumidores aos poucos vão concretizando suas intenções de consumo
Este carnaval foi o mais festejado dos últimos anos. Ruas cheias e associações ligadas ao turismo celebrando o sensível aumento de movimento.
Passado o susto da recessão, os consumidores aos poucos vão concretizando suas intenções de consumo. O movimento ainda não é disseminado e vem em etapas, o que já era esperado tendo em vista a difícil situação financeira de empresas e trabalhadores. A crise foi mais séria do que as anteriores.
O mercado de trabalho é variável chave para determinar a velocidade da recuperação. O medo do desemprego é ainda muito elevado, segundo a CNI, o que afeta as decisões de consumo. Não à toa a recuperação da confiança do consumidor está atrasada em relação à confiança do empresário, que caminha mais rapidamente para o campo otimista. A boa notícia é que a geração de empregos com carteira já começou.
A recuperação começou nos bens duráveis (automóveis, eletrodomésticos), de maior valor. Era razoável que os bens não-duráveis (alimentos), de menor valor, liderassem o movimento, ainda que moderadamente, uma vez que sua demanda é menos sensível ao comportamento da renda e dos preços (no jargão dos economistas, a demanda é menos elástica). No entanto, a combinação de elevada demanda reprimida por duráveis e volta do crédito, sem contar a liberação das contas inativas do FGTS, fez este setor despontar primeiro. Esse movimento pode ter limitado a recuperação dos demais setores, por sobrar menos renda disponível para aquisição de outros bens.
O turismo parece ganhar força. O aumento de gastos com viagens no carnaval indica a economia ganhando tração e sinaliza uma perspectiva de crescimento mais disseminado do consumo adiante. Trata-se de um movimento mais sólido e duradouro do que aquele transitório decorrente da liberação do FGTS, pois é fruto da queda da inflação e do corte de juros.
Outra revelação do carnaval é sobre o sentimento dos eleitores.
As ruas cheias no carnaval contrastam com a apatia em relação a eventos da política. Tivemos o escândalo do JBS, o apartamento com R$ 51 milhões e a condenação do ex-presidente Lula envolta em controvérsias e questionamentos da classe jurídica. Mesmo assim, quase não houve manifestações espontâneas nas ruas.
A razão para isso pode estar, em boa medida, na economia. Apesar da fragilidade do momento atual, com desemprego elevado, a volta da economia é concreta.
Como já identificado por pesquisas qualitativas, o principal anseio da nova classe média é consumir e planejar seu consumo. Isso retorna aos poucos, o que ajuda a melhorar o humor dos indivíduos, que preferem “cuidar da vida” a protestar.
O País vive hoje o reverso do clima em 2014. Muitos devem se lembrar da apatia dos brasileiros até a véspera da Copa do Mundo em 2014. Demorou para os torcedores se animarem, mesmo com o mundial ocorrendo no Brasil. O clima era de protesto e de apreensão com a inflação elevada e a economia estagnada. Como reflexo, a confiança do consumidor estava em queda.
Uma possível reflexão sobre este ano é que talvez as eleições só entrem no radar dos eleitores com o início da campanha eleitoral, após a Copa do Mundo. Os interesses são outros. E levando em conta o sentimento de desconfiança dos eleitores, pesquisas de intenções de voto não ajudarão muito. Essas indefinições irão, provavelmente, impactar as estratégias dos partidos, que tendem a adiar a decisão de candidatura à Presidência.
Aqui um parêntese. Os partidos irão escolher os candidatos a presidente a dedo. Poderão ser poucos, em função das novas regras de financiamento privado de campanha e as cláusulas de barreira, como apontado pelo jornalista Raymundo Costa. Este quadro reforça a hipótese de que muitos partidos poderão demorar para se posicionar.
O aparente desinteresse do eleitor pode ser contrapartida à melhora da confiança. Quem sabe teremos uma campanha menos agressiva e radicalizada em comparação à de 2014, que nos fez tão mal.
O carnaval passou e deixou boas notícias: mais um sinal de volta consistente do consumo e, possivelmente, de uma sociedade mais confiante.
*ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS
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