Cem anos já se passaram desde aquele dia de outubro de 1917 em que, na Rússia, os bolcheviques, marxistas ortodoxos, assumiram o poder, depuseram o czar e organizaram a Guarda Vermelha, dando início à implantação do comunismo no país, sob o lema de “paz, terra e pão”.
Ainda hoje, a despeito do desfecho sem aplausos daquele regime na Rússia, há pessoas (não muitas, é verdade) que se mostram empolgada pela sedução marxista, sobretudo no ponto em que prometia a destruição de tudo o que é mesquinho, egoísta e indigno, sendo substituído por justiça, liberdade e harmonia.
Com paixão e sabor literário, Karl Marx (1818-1883) oferecia mesmo um sonho ao homem, isso num momento em que na Europa, saindo de sangrenta guerra, a maioria das pessoas enfrentava humilhação, fome e miséria. O grande erro de Marx em sua utopia talvez tenha sido prometer que, com a destruição do capitalismo, desapareceriam não só as diferenças de classe, mas também as nacionais, de tal forma que os homens viveriam como irmãos, sem fronteiras.
Ele parece não ter desejado o Estado totalitário em que se converteu a Rússia com a implantação do comunismo. Sob esse regime, a submissão absoluta imposta à população fez nascer um Estado rico constituído por famílias pobres, muito pouco melhor do que nos 300 anos de império dos Romanov. A igualdade forçada entre pessoas que não são iguais expurgou a riqueza e negou a irmandade e harmonia sonhada por Marx.
A defesa do ideário político marxista refletia influência de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1779-1831), filósofo prussiano que sustentava estar a vida em constante fluxo e que o momento da criação dá início a um processo que termina com dissolução e morte. Hegel acrescentava que toda ideia (tese) é inevitavelmente contrariada por um conceito oposto (antítese) e de sua luta surge a síntese. E que a História é impulsionada em seu curso pelo inexorável conflito de ideias, que levaria, ao final, àquilo que, para ele, seria o Estado.
Esse processo recebeu o nome de dialética, ou seja, o caminho em que a vida segue e deve continuar a seguir. Contaminado por essas ideias, Marx passou a pregar como essencial a presença de luta em todo estágio de desenvolvimento, de tal forma que o novo sempre substituiria o velho, assim como o capitalismo venceu o feudalismo e socialismo substituiria o capitalismo.
Naquele mês de outubro de 1917 a Rússia vinha de três séculos de escravidão sob o domínio dos Romanov, com a vergonhosa exploração dos homens do campo e atraso no processo industrial em relação à Alemanha, à França e à Inglaterra.
Nada indica que Marx tenha desejado um Estado totalitário de trabalhadores, tão arbitrário e opressivo nos seus métodos de governo quanto o fascismo. Ele chegou a falar em “ditadura do proletariado”, mas constituída da classe operária sobre os remanescentes da burguesia.
Quem de fato instituiu a ditadura de uma elite, de uma minoria selecionada sobre a maioria, foi seu seguidor Lenin, que desenvolveu a filosofia do bolchevismo. Marx acreditava que na maioria dos casos a revolução seria necessária, mas parecia inclinar-se mais a deplorar o fato do que a aplaudi-lo. Lenin pensava e fez o contrário.
Sob o bolchevismo, a manufatura e o comércio privados foram abolidos, fábricas, minas, estradas de ferro passaram a ser propriedade exclusiva do Estado e a agricultura foi completamente socializada, ou seja, impedido o lucro que move as pessoas.
Os bolchevistas ainda toleraram o cristianismo, mas as igrejas ficaram impedidas de qualquer papel beneficente ou educacional. Na implantação forçada de uma nova ética, imposta de cima para baixo, o Partido Comunista passou a exigir que todos os seus membros fossem ateus – isso num país que vivera grande religiosidade ao longo de séculos.
Aquele momento extraordinário da revolução na Rússia repercutiu em todo o planeta, num misto de entusiasmo, entre os intelectuais, e de medo, entre aos empresários. O Brasil viveu desde o início forte repulsa ao comunismo e aos comunistas, a ponto de a ditadura militar iniciada em 1964 proibir e combater a existência de agremiações políticas com essa característica.
Era tão grande a obsessão contra os comunistas naqueles tempos que prevaleceu a impressão de serem muitos, muitos mesmo, mas depois se viu que em número eram insignificantes. Por serem estridentes, pareciam ser muitos, mas, ao ser autorizada a criação e atuação do Partido Comunista em solo brasileiro, viu-se que eram e continuaram a ser um grupo numericamente pouco expressivo.
Os comunistas, para não serem presos ou perseguidos, precisavam disfarçar suas convicções, inscrevendo-se em outros partidos políticos. Os militares no poder pareciam ver comunistas até debaixo das camas, mas ao final da ditadura, quando se tornou legal a criação do Partido Comunista, viu-se que seus adeptos eram poucos, muito poucos.
O malogro do regime comunista na Rússia, e também em vários outros países europeus sob o seu domínio, parece ter ocorrido por não reconhecer o valor primordial do individualismo e impedir o lucro no trabalho. Mais espertos que os russos, os chineses somente cresceram economicamente a partir do momento que o líder Deng Xiaoping, décadas atrás, passou a remunerar melhor os trabalhadores que produzissem mais.
Aquele líder comunista chinês percebeu que a igualdade da democracia é uma igualdade de diferenças, e não de uniformidades. A China pagava a todos os seus trabalhadores o mesmo salário, mas Deng, esse incrível visionário, “descobriu” o lucro, ou seja, passou a remunerar melhor os que mais produziam e com isso seu país se tornou a segunda maior potência econômica da atualidade.
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