Proposta de adotar o IVA é posicionamento que expõe de alguma forma uma condição de inferioridade do país frente a outras economias
Alguns políticos e economistas acreditam que, desde que o Brasil começou a debater uma reforma tributária ampla no início dos anos 90, o momento mais propício para ela avançar é agora. Nesse cenário, surgiram novamente os defensores do projeto que pretende criar um grande Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal no país, uma proposta burocrática que pode aperfeiçoar nosso obsoleto sistema de impostos e contribuições, como satirizou há quase 20 anos Roberto Campos quando a Câmara dos Deputados já ensaiava instituí-lo.
Os adeptos do IVA dizem com frequência que esse é o modelo a ser adotado pelo Brasil porque ele é usado pelos países mais “relevantes” do mundo. É algo como se dissessem que, se é bom para eles, também será para nós. É um posicionamento que expõe de alguma forma uma condição de inferioridade do país frente a outras economias. A situação nos remete ao chamado “complexo de vira-lata", expressão criada por Nelson Rodrigues.
Em relação à ideia de que o Brasil tem que sair copiando o que os outros fazem, cabe destacar o que disse o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel no artigo “O equívoco da reforma tributária”, publicado em 5 de outubro último no “Estado de S.Paulo”. O autor afirma que “não se pode esquecer da nossa imorredoura vocação para copiar modelos de outros países construídos em circunstâncias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias”. Seu raciocínio avança especificamente para o aspecto tributário quando complementa dizendo: “O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o IVA”.
O artigo de Everardo Maciel segue destacando um ponto importante no debate a respeito da reforma tributária, que é a pouca ênfase que se dá à burocracia que reina no país. Ele a inclui entre os problemas mais graves dizendo: “...pouca ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidades tributárias: o burocratismo, a indeterminação conceitual e o processo tributário”. Considerando a questão burocrática, que dá margem a fraudes que só no ICMS, um IVA estadual, ultrapassam os R$ 110 bilhões, conforme estima o Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional, é difícil imaginar que o IVA federal, cuja alíquota se aproximaria de 25%, seja a solução para uma das nossas anomalias mais gritantes, que é a evasão de arrecadação. Oportunamente, Maciel finaliza seu texto recorrendo a Albert Einstein, que dizia: “É insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.
A ideia de que países “relevantes” adotam o IVA, e o Brasil tem que fazer o mesmo, não pode deixar de ser confrontada com fatos observados nas duas principais economias do planeta. Nos Estados Unidos, esse imposto não existe. Eles jamais se aventuraram nessa forma de tributação. O outro caso se refere à Europa, onde esse tributo se tornou um problema por conta de sua característica marcante, que é a burocracia, abrindo brechas para fraudes de toda ordem. No fim de setembro deste ano, a Comissão Europeia divulgou um comunicado à imprensa dizendo que o IVA gerou perdas de 152 bilhões de euros para os países-membros daquela comunidade em 2015.
A cultura nacional e a nossa estrutura econômica nos impõem um modelo tributário próprio. Insistir no IVA fará com que, num prazo não muito distante, o tema reforma tributária esteja novamente na agenda do país. Marcos Cintra é professor da Fundação Getulio Vargas e presidente da Finep.
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