ESTADÃO - 15/10
Adiamento das mudanças no regime previdenciário para depois das eleições de 2018 seria um grave erro
A recuperação da economia do Brasil parece assegurada, após a pior recessão das últimas décadas. Felizmente, com o impeachment de Dilma, foram criadas as condições para uma gestão econômica responsável, com orientação pró-mercado e comprometida com as reformas. Mas precipita-se quem acha que o País já teria entrado numa rota de crescimento econômico sustentável. Ainda há muito que fazer, notadamente no campo fiscal, em que a reforma da Previdência é urgentemente necessária para evitar o colapso das contas públicas em futuro próximo.
Como se sabe, o enfraquecimento político do governo Temer após a delação dos irmãos Batista descarrilou a tramitação da reforma da Previdência no Congresso Nacional, no que foi a pior consequência do episódio para o cenário econômico. No entanto, o adiamento das mudanças no regime previdenciário para depois das eleições de 2018 seria um grave erro.
Cálculos conservadores indicam que, na ausência da reforma previdenciária, o teto constitucional para o crescimento das despesas do governo tornar-se-á letra morta em pouco tempo. Nas projeções da Tendências Consultoria, o ritmo de corte das despesas discricionárias em termos reais teria de ser acelerado no biênio 2018-2019 para que o teto não seja estourado já no final de 2019. Mas isso parece algo de difícil consecução, tendo em vista as pressões crescentes por liberação de gastos discricionários (inclusive para investimentos) que se mantêm reprimidos desde 2016. Na realidade, a cada ano que passa, há um volume relativo menor de despesas discricionárias disponíveis para sofrer a ação da tesoura.
Contudo, pior que a violação do teto constitucional de crescimento dos gastos, a dívida pública seguiria subindo em trajetória que, em poucos anos, conduziria a uma crise fiscal de graves proporções. Projetando uma redução gradual do déficit primário nos próximos anos, que seria compatível com o cenário macroeconômico de recuperação da atividade e gestão austera das despesas discricionárias, somente a partir de 2021 o País voltaria a exibir um resultado primário positivo. Neste cenário, e com a premissa de taxas reais de juros em torno dos 4% ao ano, a dívida bruta ainda se manteria em crescimento, chegando a patamar acima dos 80% do PIB em 2021.
Vale lembrar que os países que se dão ao luxo de ter, sem maiores dificuldades, endividamento em níveis maiores do que 80% têm uma riqueza financeira privada como proporção do PIB bem acima da observada no Brasil. O ideal, portanto, seria reduzir gradualmente aquele porcentual nos anos seguintes, o que exigiria manter o superávit primário entre 2% e 3% do PIB ao longo da próxima década.
Porém, sem a reforma da Previdência, nem mesmo um cenário de modesta recuperação fiscal seria possível, haja vista a rigidez de grande parte das despesas – entre as quais se destacam os benefícios previdenciários – e o pouco espaço para aumento da carga tributária. Com isso, o endividamento público seguiria aumentado nos próximos anos, até configurar uma severa crise fiscal, cuja “solução” cobraria da sociedade brasileira custos elevadíssimos, provavelmente sob a forma de inflação e de prolongada recessão econômica.
Por tudo isso, o uso da crise política como pretexto para abandonar a proposta de reforma da Previdência seria um desserviço das lideranças políticas ao País. A pasteurização adicional da proposta inicial do governo para facilitar sua aprovação tampouco seria uma solução. Preocupa especialmente a intenção de alguns líderes de deixar de fora a previdência dos funcionários públicos. Se nada for feito neste campo, a maioria dos Estados se manterá em situação de falência crônica nas próximas décadas, sem a menor condição de atender às mínimas necessidades de sua população, como ocorre hoje no Rio de Janeiro.
Não há tempo a perder. A calmaria dos mercados é passageira. Logo as incertezas do processo eleitoral começarão a pesar mais fortemente nas decisões dos agentes econômicos. A aprovação da reforma da Previdência antes das eleições de 2018 seria a melhor maneira de ancorar as expectativas na travessia, ao tornar menos incerto o futuro.
* SÓCIO DA TENDÊNCIAS, FOI PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL
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