ESTADÃO - 20/10
O perigo para a Lava Jato é a não conclusão das investigações, sem a produção de provas robustas
Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a necessidade de o Congresso autorizar a aplicação de medidas cautelares contra parlamentares e, principalmente, depois da votação no Senado sobre o destino do senador Aécio Neves (PSDB-MG), vem sendo difundida a ideia de que “os políticos” – assim, no plural, sem especificar, como se os parlamentares formassem um corpo único – estão conseguindo barrar a Lava Jato. Segundo essa versão dos fatos, a famosa operação estaria sendo tolhida, com a complacência do Supremo, justamente quando a Justiça começa a atingir “os políticos”.
A prova cabal dessa tese, dizem, é o tratamento dado pela Câmara dos Deputados às denúncias contra o presidente Michel Temer. A primeira acusação foi rejeitada pelo plenário da Casa e tudo indica que a segunda receberá o mesmo destino.
Essa teoria da conspiração tenta explicar os recentes acontecimentos do País, já que se encaixa perfeitamente no sentimento de suspeita que parcela significativa da população nutre em relação ao futuro da Lava Jato. Achava que era uma operação perfeita demais para ser verdade e que em algum momento ela seria sabotada pelos corruptos. Pois bem, a desconfiança de todos esses anos parece agora corroborada pela alegada virada de mesa que “os políticos”, com a cooperação de alguns ministros da Suprema Corte, estariam fazendo.
Ainda que possa parecer muito perspicaz, é falsa a tese de que o Supremo e o Congresso estão bloqueando a Lava Jato. Em primeiro lugar, a decisão do STF reconhecendo que a Constituição confere ao Congresso a última palavra sobre o afastamento de parlamentares está em absoluta sintonia com a Lava Jato. O grande mérito da operação foi mostrar que todos, absolutamente todos, devem cumprir a lei. Não importa o cargo ou o poder econômico, todos estão submetidos ao que determina a lei. E essa foi a decisão do plenário da Suprema Corte: também os ministros do STF devem obediência à Constituição.
Na verdade, a teoria de que tudo conspira contra a Lava Jato enfraquece a operação, em vez de reforçá-la. Por exemplo, quando se tenta relacionar o tratamento dado pela Câmara às denúncias contra o presidente Michel Temer a uma suposta manobra de bloqueio das investigações, comete-se um grave equívoco. Os deputados não estão julgando o trabalho da Lava Jato. Eles estão avaliando o trabalho de Rodrigo Janot – e há aqui uma abissal diferença.
Os reconhecidos méritos da Lava Jato não são provenientes do ex-procurador-geral da República. Basta ver, por exemplo, que em Curitiba não houve nada semelhante ao imbróglio da delação da JBS, que ainda precisa ser esclarecido. O bom desfecho da Lava Jato virá justamente da capacidade de a operação não se contaminar com o que se viu na Procuradoria-Geral da República nos tempos de Janot, tanto nos três anos e meio de inexplicável lentidão na condução dos casos envolvendo autoridades com foro privilegiado como no semestre em que, deixando a lei processual de lado, optou por seguir suas idiossincrasias.
A obediência à lei sempre foi a verdadeira força da Lava Jato, que tanta admiração despertou na população brasileira. É hora de continuar no bom caminho, que necessariamente leva à conclusão das investigações. O grande risco para a operação não são “os políticos”. Afinal, eles não mandam no Poder Judiciário nem no Ministério Público.
O perigo para a Lava Jato – aquilo que realmente pode afetar o seu bom término – é a não conclusão de suas investigações. Como se sabe, inquéritos e procedimentos abertos indefinidamente alimentam a impunidade. Bravatas e delações escandalosas não incomodam os verdadeiros culpados. O que lhes põe medo é um trabalho investigativo bem feito, capaz de produzir provas robustas. O resto é fumaça, que intoxica o ânimo dos brasileiros.
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