O GLOBO - 20/10
Ainda às voltas com a saída do pavoroso atoleiro em que foi metido, o País se vê, agora, a menos de 12 meses de uma eleição presidencial que terá importância crucial na configuração do seu futuro.
Com base em disputas presidenciais anteriores, não se pode descartar a possibilidade de que, mais uma vez, tenhamos uma campanha eleitoral escapista, em que os candidatos se permitam passar solenemente ao largo de questões que de fato importam. Resta, contudo, a esperança de que, desta vez, a gravidade da crise não deixe espaço para tanto escapismo.
Idealmente, deveriam ser contrapostas, na disputa eleitoral do ano que vem, não só visões alternativas sobre a melhor forma de superar a crise, mas também diferentes narrativas sobre como o Brasil se meteu em tamanha enrascada. Sem um mínimo de clareza sobre as verdadeiras razões do desastre econômico e social que se abateu sobre o País, seria difícil para os eleitores avaliar diferentes propostas de superação da crise.
É natural que a perspectiva de ter de lidar com esse confronto de narrativas venha assustando o PT. Já há meses têm aflorado na mídia evidências de um movimento revisionista, empenhado em recontar a deprimente história recente do País, para tentar aliviar, em alguma medida, o ônus político da responsabilização dos governos petistas pelo descalabro econômico e social que hoje se vive.
No exíguo espaço deste artigo não seria possível explorar todas as nuances desse movimento revisionista mais amplo. A atenção ficará aqui restrita à parte desse esforço de reinterpretação da história recente que, para conter danos, vem tentando atribuir toda a culpa do descalabro à ex-presidente Dilma Rousseff, para que o ex-presidente Lula possa ser eximido de qualquer responsabilidade pelo ocorrido.
De forma simplificada, o que vem sendo defendido é que a política econômica dos governos Lula teria sido súbita e radicalmente desvirtuada por sua sucessora. Na verdade, não houve descontinuidade alguma. O descarrilamento da política econômica petista foi um longo processo, cujo início remonta a março de 2006, com a substituição do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por uma figura inexpressiva que, confirmada no cargo no segundo mandato de Lula, abriria espaço para inédita preponderância da Casa Civil na condução da política econômica.
A política econômica do segundo governo Lula foi em boa medida a política de Dilma Rousseff. O que se presenciou, especialmente a partir de 2008, quando, afinal, a bandeira da “nova matriz econômica” pôde ser ostensivamente desfraldada, foi o inexorável desenrolar do desastre, como num grande acidente ferroviário filmado em câmera lenta.
Como bem esclareceu a própria ex-presidente Dilma, em entrevista à Folha de S.Paulo de 28/7/2013, ela e Lula eram “indissociáveis”. “Eu estou misturada com o governo dele total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 (quando ela assumiu a Casa Civil) até ele sair do governo.”
Mesmo que as políticas econômicas de Dilma e de seu antecessor tivessem sido completamente diferentes e “dissociáveis”, Lula ainda teria de ser politicamente responsabilizado por ter patrocinado, contra tudo e contra todos, a ascensão à Presidência de pessoa tão flagrantemente despreparada para o exercício do cargo.
Em longa entrevista publicada em livro de 2013, o próprio Lula relatou, com muita franqueza, as resistências que teve de enfrentar, dentro do PT, à escolha de Dilma como candidata a presidente. “Eu sei o que eu aguentei de amigos meus, amigos mesmo, não eram adversários, dizendo: Lula, mas não dá. Ela não tem experiência, ela não é do ramo. Lula, pelo amor de Deus” (http://flacso.org.br/?publication=10-anos-de-governos-pos-neoliberais-no-brasil-lula-e-dilma).
De qualquer ângulo que se olhe, não há como deixar de responsabilizar Lula pela longa e colossal crise por que vem passando o País. E é isso que atormenta o PT.
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