sexta-feira, junho 02, 2017

O conforto da fantasia - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 02/06

É difícil encontrar o que não seja ficção no plano de petistas e associados para a economia


O lugar escolhido para o lançamento do “Plano Popular de Emergência”, proposto pela Frente Brasil Popular para “restabelecer a ordem constitucional democrática, defender a soberania nacional, enfrentar a crise econômica, reverter o desmonte do Estado e salvar as conquistas históricas do povo trabalhador”, não poderia ser mais apropriado: um teatro.

É difícil encontrar o que não seja ficção ou encenação nos 76 itens do tal plano, apresentado no Tuca, o teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na noite de segunda-feira passada. Mas não havia o menor risco de que alguém ali cometesse a indelicadeza de lembrar que tudo o que consta do plano contraria a realidade. Afinal, a plateia, formada por representantes de diversos movimentos sociais, estava ali para aplaudir a farsa.

Refugiados nas suas fantasias, os petistas e seus associados, mesmo depois de tudo o que protagonizaram desde 2003, quando Lula da Silva chegou ao poder e deu início a essa era trevosa cujos efeitos ainda se fazem sentir um ano depois de encerrada, consideram-se aptos a apresentar soluções para resolver os graves problemas econômicos, políticos e morais que eles mesmos criaram. Seria uma comédia se não fosse uma tragédia – pois ainda há quem acredite nesse teatro do absurdo.

No “Plano Popular de Emergência” da Frente Brasil Popular – um consórcio de gângsteres sindicais, agitadores profissionais, baderneiros em geral e inocentes úteis a serviço do PT – lê-se que seu objetivo é “inverter, no mais curto espaço de tempo, os indicadores econômicos, sociais e políticos que resultaram do interregno golpista”. Isto é, para esses bufões, a profunda crise em que o País está metido é obra do atual governo, que tem apenas um ano, e não dos governos petistas, que ficaram longuíssimos 13 anos no poder.

Mas a afronta à realidade não termina aí. Depois de ter ajudado o governo petista a arruinar a economia nacional, a trupe que se apresentou naquele palco garante ser capaz de “implementar um projeto nacional de desenvolvimento que vise a fortalecer a economia nacional” e promover “o desenvolvimento autônomo e soberano”. Para isso, em primeiro lugar, eles defendem “a revogação de todas as medidas de caráter antipopular, antinacional e antidemocrático aprovadas durante o governo usurpador” – justamente as ações que reduziram o ritmo de destruição das contas públicas e restituíram um pouco de credibilidade à administração federal, depois de anos de pedaladas, contabilidade criativa e política econômica doidivanas.

No faz de conta da Frente Brasil Popular, tudo é muito simples. Basta adotar “uma nova política econômica, tendo como vetor o desenvolvimento, adequando as taxas de juros, o câmbio e a política fiscal à realidade da economia brasileira e dentro de padrões internacionais, buscando elevar os investimentos a 25% do PIB no prazo de quatro anos”. A menção à “realidade”, aqui, é apenas um “caco” – isto é, uma palavra introduzida pelo ator em sua fala para gerar efeito cômico. Pois todo o resto do tal “plano de emergência” é um compilado da política dolosamente irresponsável de Lula da Silva e de Dilma Rousseff.

Lá estão os mesmos erros fundamentais da “nova matriz econômica” petista, desde “a adoção de um plano de desenvolvimento industrial que articule investimentos estatais, política cambial, créditos de bancos públicos e incentivos à iniciativa privada” até a “expansão e barateamento do crédito para produção e consumo (...) em movimento comandado pelos bancos públicos”, passando pelo “restabelecimento das regras de conteúdo nacional na indústria de petróleo e gás, extensiva ao setor elétrico e minerário”, sem falar, é claro, da “expansão de gastos e investimentos sociais”.

Não se pode subestimar a capacidade que essa trupe tem para angariar simpatia, pois eles sabem muito bem vender suas miragens. Em tempos de crise aguda, como o atual, é muito mais confortável acreditar nos desvarios dessa gente inconsequente do que aceitar a aridez do mundo como ele é.

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