O demagogo patológico é um louco que pensa que é são; é um mentiroso contumaz sem qualquer limite moral: se preciso for, vende a mãe, penhora a tia e entrega a avó
A realidade está posta: a classe política que aí está não resolverá os graves e urgentes problemas que afligem os brasileiros. Uma vez feito o diagnóstico, nasce a possibilidade da cura. A jornada, todavia, é longa e não está imune a riscos. Aqui, antes de respostas rápidas, devemos procurar a consciência do pensamento reflexivo.
A vida ensina que sistemas complexos, quando governados por gente despreparada e incompetente, tendem ao caos. Ilustrativamente, basta olhar para o Brasil de ontem: um desgoverno corrupto nos colocou na maior recessão de nossa história, implodindo com as contas públicas e condenando mais de 14 milhões de pessoas à orfandade do desemprego. É triste ver o que foi feito, mas, sem a coragem de ver o que se é, torna-se impossível chegar àquilo que se pode.
Objetivamente, no ambiente plural e aleatório da política, o equilíbrio possível da governabilidade requer a especial capacidade de criação de consensos mínimos em instáveis situações dinâmicas. Por assim ser, a atividade política moderna não é mais um espaço para amadores nem charlatães. A época dos papagaios de auditório acabou. E acabou porque as pessoas não toleram mais ser enganadas pela mentira cínica de gente desonesta e corrupta.
A mentira é o porta-estandarte do cinismo demagógico
No superado modelo político patrimonialista, bastava mentir e enganar copiosamente o povo. O enredo é conhecido por todos nós: quando a safadeza saía de controle, bastava o palaciano de plantão vir a público, prometer mudanças vãs e criar expectativas de reformas. Em vez de soluções, recebíamos placebo. Com isso, o tempo passava, os ânimos se acalmavam e tudo ficava exatamente como estava.
Sabidamente, a mentira é o porta-estandarte do cinismo demagógico. Aliás, nossa demagogia, além de cínica, é patológica. O demagogo patológico é um louco que pensa que é são; é um mentiroso contumaz sem qualquer limite moral: se preciso for, vende a mãe, penhora a tia e entrega a avó. No cair do sol, como a verdade tem gosto de água benta, prefere a cachaça da falsidade cotidiana. E, assim, se mantém inebriado em seu personalismo narcisista, criando um mundo fantasioso no qual pensa ser um anedótico rei onipotente.
Em tempo, o Brasil está mudando. A democracia na fronteira tecnológica não tolera mais inverdades públicas e repudia a farsa democrática. No entanto, o processo de renovação da vida pública nacional exige a dedicação de um civismo transformador. Além de enfrentar a desesperada resistência da estrutura viciada, a construção de um projeto político virtuoso pressupõe respaldo parlamentar e consistente apoio das ruas. Logo, além de novas lideranças políticas, precisaremos de uma cidadania engajada e persistente na defesa de medidas necessárias ao desenvolvimento brasileiro.
As transições históricas, além de potencializar ansiedades, trazem consigo os riscos de retrocessos. Ao olhar para o mundo em 1932, a visão superior de Paul Valéry enxergou longe: “Nunca a humanidade reuniu tanto poder com tanta desordem, tanta preocupação, tanta irresponsabilidade, tantos conhecimentos e tantas incertezas. A inquietude e a futilidade dividem os nossos dias”. Poucos anos depois, a inquietude foi transformada em guerra mundial e a futilidade virou violência descontrolada.
É preciso, portanto, aprender com o passado, deixando que as cinzas da história se transformem em cores de um futuro promissor. Se deixarmos as mudanças que queremos entregues ao vácuo, corremos o risco de reviver um trágico populismo radical. Embora possa mudar de nome, os males humanos seguem substancialmente os mesmos. Logo, a era da pós-verdade também é o tempo do pós-totalitarismo. No fim, como sempre, só a democracia salva, apesar de imperfeita.
Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado.
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