Se há um trabalho fácil, deve ser elaborar o Orçamento federal. Afirmação algo injusta, reconheço, mas me concedam um par de parágrafos e prometo tentar esclarecê-la.
O Orçamento apresenta duas características cruciais. A primeira é seu tamanho: em 2017 os gastos federais (sem contar transferências a Estados e municípios) devem superar com folga a marca de R$ 1,2 trilhão, correspondente a cerca de 20% do PIB. A segunda, tão importante quanto, é a extraordinária rigidez do gasto.
Algo como 80% do Orçamento consiste de gastos obrigatórios, dentre os quais as rubricas mais relevantes referem-se ao INSS (40% do gasto, ou 8% do PIB) e pessoal (20% do gasto, 4% do PIB). É nesse sentido que a elaboração do Orçamento é uma tarefa fácil: regras determinam quase todo o gasto, não os envolvidos na discussão da proposta orçamentária.
O restante, 20%, é denominado gasto discricionário, porque, em tese, caberia ao Executivo (ao formular o Orçamento) e ao Legislativo (ao aprová-lo) a discussão política sobre a destinação dos recursos públicos. Mas apenas em tese.
De fato, pouco mais da metade desse dispêndio corresponde a mais uma "jabuticaba": o "gasto discricionário não contingenciável", isto é, despesas sobre as quais, na prática, o governo não detém controle, como o gasto mínimo em saúde e educação, que representa quase 10% do Orçamento, ou 2% do PIB.
Posto de outra forma, a margem de manobra do Orçamento, ou seja, o espaço para a discussão política dos recursos públicos, é ínfima: menos de 2% do PIB.
Sabendo disso não pude conter uma gargalhada ao ler a coluna de Marcos Nobre no "Valor Econômico" afirmando que, ao aprovar o teto do gasto (PEC 241) "o sistema político está abrindo mão de arbitrar essas margens de manobra que, no final das contas, são a sua própria razão de ser, o fundamento de seu poder".
Nada mais distante da realidade: esta margem desapareceu há tempos e encolherá ainda mais caso a PEC 241 não seja aprovada. As prioridades do Orçamento de 2017 (ou 2018, 2019, 2020...) são ditadas, em larga medida, pelas prioridades do constituinte de 1988 (e demais emendas a partir de então), este sim completamente descrente da capacidade do mundo político de atender as demandas da sociedade brasileira, recorrendo ao engessamento do gasto em proporção inédita.
É bom que se diga que a PEC 241, embora ataque a primeira propriedade do Orçamento (o tamanho do gasto), ainda que em ritmo glacial, não tem qualquer efeito, por si só, na segunda.
A rigor, ela apenas explicita limites à despesa pública, que, na ausência de uma discussão adicional e mais profunda sobre a rigidez do gasto, condenam a própria existência do teto.
Na verdade, sem reformas que atenuem este problema, não é difícil concluir que a redução do Orçamento federal relativamente ao PIB, somado à expansão do gasto previdenciário e à rigidez dos demais gastos obrigatórios só pode levar a dois resultados.
Caso o teto perdure, o governo federal se reduziria a uma agência de pagamento de salários e pensões. No caso oposto o gasto continua a crescer e o teto sumirá; assim a inflação fará disfarçadamente o que o Congresso se recusar a fazer.
O caminho da responsabilidade fiscal começa com a PEC 241, mas, de forma alguma, terminará nela.
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