SÃO PAULO - Qualquer coisa de ruim que aconteça à candidatura de Donald Trump é bem-vinda. Embora eu não esteja entre os que acham que uma eventual vitória do magnata significaria o fim da civilização —as instituições dos EUA são sólidas o bastante para impedi-lo de cumprir suas promessas mais mirabolantes, como o veto à entrada de muçulmanos—, Trump representa o que de pior a democracia pode produzir. Ele é despreparado, populista e instável, atributos que não caem bem no detentor do cargo mais poderoso do planeta.
Isso dito e considerando que haveria um número quase infinito de meios de ele se dar mal, não gosto da ideia de que sua candidatura naufrague por causa da gravação, feita sem o seu conhecimento, de uma conversa privada que ocorreu mais de dez anos atrás. É verdade que o conteúdo do diálogo é perturbador, e sua divulgação de algum modo revela informações relevantes sobre a personalidade do candidato, que o eleitor deve ter o direito de conhecer. Ainda assim, fico com um pé atrás.
O que me deixa apreensivo não é o que possa ocorrer com Trump, mas o fato de que passamos a viver num mundo que já não dá espaço para indiscrições, comentários impertinentes —para a intimidade, enfim. Trump não é a primeira vítima. O embaixador Rubens Ricupero perdeu o cargo de ministro da Fazenda devido a observações de bastidores que foram inadvertidamente transmitidas pela TV. Um diálogo entre Dilma Rousseff e Lula precipitou a queda da ex-presidente. Cidadãos particulares vivem se metendo em saias justas e até encrencas legais por causa de comentários em redes sociais.
Não acho que seja possível nem desejável abrir mão da tecnologia que devassa nossa privacidade. Mas vale lembrar que não muito tempo atrás pessoas podiam dar-se ao luxo de dizer o que pensavam sem risco de ficarem marcadas para sempre. É um espaço de liberdade que se fechou.
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