ESTADÃO - 13/09
Com um discurso planejadamente morno, próprio talvez de uma ex-aluna de colégio interno, aplicada e chegada aos clássicos e à poesia, a nova presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, abriu espaço para que o decano da Corte, ministro Celso de Mello, desse todos os recados políticos com o calor e a contundência que o momento merece e as barbaridades havidas exigem. Enquanto Mello falava, a ilustre palestra fazia um silêncio sepulcral.
Ao lado do também ex-presidente José Sarney (que nomeou Mello para o STF), Luiz Inácio Lula da Silva (autor da nomeação de Cármen Lúcia) ouviu calado, quase sem se mexer, não fosse o tique de cofiar o bigode. Na terceira poltrona, o governador de Minas, Fernando Pimentel. Na mesa de honra, o presidente do Senado, Renan Calheiros. Mais adiante, o ex-ministro Edison Lobão. O que não faltou na posse da nova presidente do Supremo foi político enrolado de alguma forma com a Justiça.
Celso de Mello não se fez de rogado, nem de diplomata: “Os cidadãos desta República têm o direito de exigir que o Estado seja dirigido por administradores íntegros, por legisladores probos e por juízes incorruptíveis”. E advertiu: “Que deste tribunal parta a advertência, severa e impessoal, de que aqueles que transgredirem tais mandamentos expor-se-ão (...) à severidade das sanções criminais, devendo ser punidos (...) esses infiéis da causa pública e esses indignos do poder”.
Os recados foram de uma coragem rara, de uma clareza inquestionável e para alvos evidentes, bem ali, a poucos metros. Segundo Mello, “impõe-se repelir qualquer tentativa de captura das instituições de Estado por organizações criminosas para dominar os mecanismos de ação governamental, em detrimento do interesse público e em favor de pretensões inconfessáveis”. Ainda mais direto, referiu-se a “uma estranha e perigosa aliança entre determinados setores do poder público, de um lado, e agentes empresariais, de outro, reunidos em imoral sodalício (confraria)...”.
Esse, segundo o decano, é um “contexto de criminalidade organizada e de delinquência governamental”. E citou Ulysses Guimarães, ainda hoje um exemplo de político, enquanto a Câmara se preparava para cassar Eduardo Cunha: “A corrupção é o cupim da República. (...) Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública”.
A cerimônia – considerada a posse mais concorrida, no mínimo uma das mais, em 25 anos – teve ainda discurso do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, lembrando o quanto o País precisa mudar e saudando: “Parabéns, ministra Cármen Lúcia, o Brasil precisa mais do que nunca do seu caráter”.
No encerramento, a nova presidente circundou o protocolo para começar seu discurso saudando não o presidente Michel Temer, ali ao seu lado, ou qualquer outra das muitas autoridades presentes, mas, sim, “Sua Excelência, o povo brasileiro”. E é em nome desse povo que ela tem proferido seus votos de vanguarda, a favor, por exemplo, das biografias não autorizadas, das células-tronco embrionárias, da união homoafetiva.
Na guerra das redes sociais, não faltaram os que condenaram a presença de Lula e o convite a Fernando Collor, mas esse foi mais um recado de ontem, nessa nova fase do Supremo: Cármen Lúcia, mesmo nomeada por Lula, mantém-se distante da política partidária, da polarização PT-PSDB. Pronta, portanto, para mais um momento histórico – e inédito – do STF e da vida nacional: o da investigação, julgamento e eventual condenação dos políticos na Lava Jato. Republicana, ela convidou para sua posse os ex-presidentes da República e do Supremo, mas, “amizade, amizade, negócios à parte”. Ou “convite, convite, julgamentos à parte”.
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