‘Equivalência bélica’ levou a uma progressão do poder de letalidade dos criminosos: começaram a usar granadas, lança-foguetes e armas de perfuração de blindados
Temos acompanhado, com preocupação, recentes declarações de autoridades de segurança, no sentido de pleitear autorização para aquisição e emprego, pelas polícias, de armas de fogo com ainda maior potencial destrutivo, como panaceia para o combate ao aumento da criminalidade violenta.
Toda crise de aumento criminal, ou de casos emblemáticos de violência, acaba reavivando essas velhas discussões, com as suas “soluções” simplistas: acolhimento de execuções extrajudiciais, instituição da pena de morte, aumento genérico das penas para todos, banalização do porte de armas e, inevitavelmente, permissão para a utilização de armas mais lesivas pelas autoridades policiais. Sem adentrar no mérito do conjunto das discussões, destacamos uma que nos parece absolutamente despropositada: a corrida armamentista.
O Estado do Rio de Janeiro, por 40 anos, foi um caso paradigmático de como a corrida armamentista, dotando as polícias de armas de guerra, não se mostrou solução eficaz para a redução da criminalidade ou para fazer frente ao poderio bélico dos marginais. Ao contrário, a chamada “equivalência bélica” (conceito de guerra) levou a uma progressão do poder de letalidade dos criminosos, em espiral: começaram a utilizar granadas, lança-foguetes e armas de perfuração de blindados, porque, infelizmente, pela ausência de políticas consequentes de controle fronteiras, todas essas armas chegam a todos os lugares do Brasil, com muita facilidade.
A criminalidade deixou de recrudescer somente quando a gestão de segurança do Rio decidiu apostar na “desbanalização” dos fuzis (que não podem ser totalmente abandonados, mas utilizados com racionalidade e especialização), trocando-os por armas com suficientestop power, contudo adequadas ao uso urbano policial, com seus cenários habitados majoritariamente por cidadãos pobres e honestos. Parou de crescer também quando resolveu-se apostar no investimento em treinamento, em inteligência e no gradiente do uso da força, a partir das armas não letais, até chegar às letais adequadas. Ou ainda quando adotou uma estratégia mais abrangente e científica, com polícia de proximidade, retomada de territórios, com subsequente pacificação e instalação de postos avançados. Infelizmente, por questões de gestão e orçamento, tal política não se fez acompanhar das necessárias ações sociais de educação (não apenas da população atendida mas, inclusive, dos contingentes policiais), saúde, renda, trabalho e imagem institucional. Hoje, tende a agonizar.
Assim, pleitear a utilização de armas de guerra, para serem usadas em meio a densos contingentes populacionais humildes e indefesos, vai contra o bom senso que clama pela redução da letalidade, pela superação da barbárie, pela diminuição das “balas perdidas” e da morte de inocentes (inclusive de muitos heroicos policiais).
O Estado de São Paulo é, por exemplo, referência para o país e o mundo na utilização de armas e munições não letais e na redução da letalidade. Basta comparar números de ocorrências para ver que, embora ainda haja graves casos de violência institucional, esta não é uma constante estatística. Apelar à utilização de armas de grosso calibre, seja por demagogia, seja por desespero, é retroceder em avanços que não deveriam ter volta. Isso não resolverá o problema do combate ao crime e somente criará uma falsa e efêmera sensação de poder estatal, que desembocará, fatalmente, em ações mais violentas e letais dos bandidos.
A violência e o crime sempre diminuem quando se criam e se articulam políticas públicas com o cérebro e os neurônios e sempre aumentam quando o Estado se permite “pensar” com o fígado e a bílis. À população cabe pagar a conta dos espetáculos e das aventuras.
Ricardo Balestreri é presidente do Observatório do Uso da Força e foi secretário nacional de Segurança Pública
Temos acompanhado, com preocupação, recentes declarações de autoridades de segurança, no sentido de pleitear autorização para aquisição e emprego, pelas polícias, de armas de fogo com ainda maior potencial destrutivo, como panaceia para o combate ao aumento da criminalidade violenta.
Toda crise de aumento criminal, ou de casos emblemáticos de violência, acaba reavivando essas velhas discussões, com as suas “soluções” simplistas: acolhimento de execuções extrajudiciais, instituição da pena de morte, aumento genérico das penas para todos, banalização do porte de armas e, inevitavelmente, permissão para a utilização de armas mais lesivas pelas autoridades policiais. Sem adentrar no mérito do conjunto das discussões, destacamos uma que nos parece absolutamente despropositada: a corrida armamentista.
O Estado do Rio de Janeiro, por 40 anos, foi um caso paradigmático de como a corrida armamentista, dotando as polícias de armas de guerra, não se mostrou solução eficaz para a redução da criminalidade ou para fazer frente ao poderio bélico dos marginais. Ao contrário, a chamada “equivalência bélica” (conceito de guerra) levou a uma progressão do poder de letalidade dos criminosos, em espiral: começaram a utilizar granadas, lança-foguetes e armas de perfuração de blindados, porque, infelizmente, pela ausência de políticas consequentes de controle fronteiras, todas essas armas chegam a todos os lugares do Brasil, com muita facilidade.
A criminalidade deixou de recrudescer somente quando a gestão de segurança do Rio decidiu apostar na “desbanalização” dos fuzis (que não podem ser totalmente abandonados, mas utilizados com racionalidade e especialização), trocando-os por armas com suficientestop power, contudo adequadas ao uso urbano policial, com seus cenários habitados majoritariamente por cidadãos pobres e honestos. Parou de crescer também quando resolveu-se apostar no investimento em treinamento, em inteligência e no gradiente do uso da força, a partir das armas não letais, até chegar às letais adequadas. Ou ainda quando adotou uma estratégia mais abrangente e científica, com polícia de proximidade, retomada de territórios, com subsequente pacificação e instalação de postos avançados. Infelizmente, por questões de gestão e orçamento, tal política não se fez acompanhar das necessárias ações sociais de educação (não apenas da população atendida mas, inclusive, dos contingentes policiais), saúde, renda, trabalho e imagem institucional. Hoje, tende a agonizar.
Assim, pleitear a utilização de armas de guerra, para serem usadas em meio a densos contingentes populacionais humildes e indefesos, vai contra o bom senso que clama pela redução da letalidade, pela superação da barbárie, pela diminuição das “balas perdidas” e da morte de inocentes (inclusive de muitos heroicos policiais).
O Estado de São Paulo é, por exemplo, referência para o país e o mundo na utilização de armas e munições não letais e na redução da letalidade. Basta comparar números de ocorrências para ver que, embora ainda haja graves casos de violência institucional, esta não é uma constante estatística. Apelar à utilização de armas de grosso calibre, seja por demagogia, seja por desespero, é retroceder em avanços que não deveriam ter volta. Isso não resolverá o problema do combate ao crime e somente criará uma falsa e efêmera sensação de poder estatal, que desembocará, fatalmente, em ações mais violentas e letais dos bandidos.
A violência e o crime sempre diminuem quando se criam e se articulam políticas públicas com o cérebro e os neurônios e sempre aumentam quando o Estado se permite “pensar” com o fígado e a bílis. À população cabe pagar a conta dos espetáculos e das aventuras.
Ricardo Balestreri é presidente do Observatório do Uso da Força e foi secretário nacional de Segurança Pública
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