Mesmo que sejam aparentemente amadores, os presos ontem acusados de ações preparatórias de possíveis atos terroristas durante a Olimpíada não poderiam ser deixados livres, sob pena de as autoridades encarregadas da Segurança serem acusadas de negligência mais adiante, caso algum atentado real fosse praticado.
Temos inúmeros exemplos no mundo de pessoas que estavam sendo monitoradas e, consideradas não prioritárias, vieram a praticar atos terroristas devastadores nos EUA ou na Europa. A negligência em Nice fez com que a Promenade des Anglais não tivesse barreiras severas para carros, o que permitiu que o terrorista jogasse o caminhão sobre a multidão.
As agências de Segurança internacionais alegam, com razão, que não podem vigiar todos os suspeitos ao mesmo tempo e para sempre, e se dedicam só aos que aparentam maior periculosidade. No Brasil ainda não temos, até onde sabemos, uma proliferação de seguidores do Estado Islâmico, e por isso ainda dá para monitorar os grupos amadores, ou porra-loucas como os definiu o ministro da Defesa, Raul Jungman, certamente lembrando-se de seus tempos de política estudantil.
A divulgação das prisões pode ter sido exagerada, como disseram ministros do próprio governo, mas certamente o tom não foi por acaso. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e os setores de Segurança devem ter decidido que fazer alarde da atuação tranquilizaria a população e os governos de países que virão com suas delegações para a Olimpíada.
O ato de ter tentado comprar um fuzil AK 47 pela internet mostra o amadorismo dos supostos guerrilheiros, mas também que não se pode deixar que um terrorista virtual se transforme em real por negligência.
É sabido que até mesmo se aluga armamento pesado nos morros do Rio ou na periferia de SP, das mãos dos integrantes das muitas facções criminosas. O mercado negro de armas, aliás, está com muita oferta na nossa região devido ao fim das ações guerrilheiras das Farc na Colômbia e à crise econômica na Venezuela.
Assim como aconteceu no fim da União Soviética, quando os próprios militares vendiam armamentos das Forças Armadas no mercado negro, também agora o preço dos fuzis e armamentos de maneira geral está até caindo devido à liquidação feita.
A ação dos órgãos foi eficiente neste caso, mas a coordenação dos trabalhos após a divulgação pareceu confusa, com várias autoridades falando, às vezes se desdizendo em detalhes, o que pode ser sintoma de coisa pior.
O coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, tinha críticas antes mesmo do caso de ontem. Segundo ele, é impossível se pensar num sistema de inteligência com representantes de 106 países, como anunciei em coluna sobre as medidas que estão sendo tomadas.
“Essa torre de Babel não é funcional”, analisa. Sintoma de fragilidade operacional é o sistema de radiocomunicação, “outra torre de Babel com tipos diferentes de sistemas e frequências que simplesmente não se conversam”.
Vicente cita relatório da Segurança francesa sobre os ataques que causaram 120 mortes, no qual é enfatizada “absurda disputa de autoridades e vaidades institucionais que melaram a reação coordenada de três forças”. Ele teme que, no nosso caso, com tantas forças e ministérios, a vaidade seja “ingrediente que escorrerá em cascata e pode comprometer a coordenação. Quem manda, quem vai aparecer, que vai dar ‘chave de galão’ para ingressar indevidamente nas praças de jogos?”.
Ele diz que ninguém conhece os focos críticos da Segurança como o secretário José Beltrame, “mas ele está sob uma montanha de autoridades federais que comandam, mas não conhecem as sutilezas do panorama carioca”. Vicente acha que, se tivéssemos acumulado adequadamente a experiência do Pan e da Copa, “poderíamos estar numa patamar diferente do de hoje. Essa estrutura colegiada deveria estar dando suporte à declinante condição da Segurança do Rio. Perdemos a chance de nos prepararmos melhor para o inesperado”.
Esclarecimento
Na coluna em que tratei das dificuldades para aprovar as medidas contra a corrupção, é preciso fazer um esclarecimento, segundo o criminalista Cosmo Ferreira: “Propor ações ilegais a suspeitos” configura flagrante preparado, que não se confunde com a conduta “de forjar flagrante”. No primeiro caso, a instigação do agente público busca esclarecer a autoria de crimes, prática lícita, desde que adotadas as cautelas necessárias. A súmula 145 do STF trata do tema, no que toca ao instigado: “Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. Já o flagrante forjado constitui uma conduta criminosa.
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