FOLHA DE SP - 22/07
Nos últimos cinco anos, a operadora de telefonia Oi levou 6.271 processos ao Supremo Tribunal Federal, noticiou o jornalista e colunista da Folha Elio Gaspari. Em média, mais de três processos por dia.
No universo de cerca de 10 mil decisões proferidas em todos esses processos, apenas 7 foram favoráveis à Oi. Ou seja, 0,07% de sucesso, segundo dados do projeto Supremo em Números, desenvolvido pela Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas.
Recorde mundial, com certeza. Inédito. Uma só empresa ocupa a mais alta corte de seu país com três processos por dia. Fato digno de registro no livro "Guinness".
Acesso ao Supremo deve ser raro e de interesse da nação. Algo está errado. Isto é bullying, assédio processual. É abusar do Supremo.
Para a Oi, inexiste a natural incerteza sobre a decisão judicial. Ao contrário, existe certeza. Perderá. E esse perder lhe é conveniente. Cerca de 20% dos processos referem-se a disputas sobre impulsos telefônicos. E 23% sobre assinatura básica mensal.
Além da judicialização da política, vemos agora a judicialização da ineficiência empresarial, já que os consumidores reclamam, e o Judiciário lhes dá razão.
Não é lógico, diriam, recorrer ao Supremo para perder. Por mais estranho que pareça, é sim. Basta que o custo de adiar o pagamento ao consumidor seja menor do que o de financiar investimentos para oferecer serviços eficientes e de qualidade.
Alguns dirão ainda: a Oi possui 70 milhões de consumidores. Não será um indicador de sucesso ter somente 6.271 processos? Não, não é.
A Oi, antes Telemar, foi pioneira nessa política empresarial de judicialização. O grupo econômico vencedor da privatização da telefonia, em 1998, não tinha recursos financeiros suficientes para o que se obrigara. A política de judicialização teve efeito cascata nas outras empresas reguladas ou concessionárias. Abriu caminho.
Ações sobre direito do consumidor são das que mais crescem no Judiciário. No Tribunal de Justiça de São Paulo, as empresas de telefonia perdem em mais de 80% dos casos, por exemplo.
Não existe ação judicial grátis. Abusar do acesso à Justiça, recorrendo para perder, impõe, unilateralmente, custos ao consumidor e ao orçamento público. Salários de juízes, procuradores, defensores, serventuários, aposentadorias, despesas com imóveis, custeio de tecnologias e por aí vamos.
Esses custos aumentam o deficit público e são, indiretamente, transferidos aos contribuintes. Mais um fator que ajuda a explicar a crescente irritação e desilusão popular com a qualidade dos serviços públicos, a apropriação privada da política e a lentidão da Justiça.
A judicialização até o Supremo é desmobilizadora. A mensagem aos consumidores é clara: você irá ganhar, mas vai demorar muito e será muito caro ir até Brasília.
Estamos diante de um paradoxo. O atual modelo de privatização estimula o abuso empresarial do acesso à Justiça e provoca a obstrução da mesma para milhões de cidadãos.
A atual janela de oportunidades, que tem sido usada para revigorar a economia, poderia tentar criar um novo modelo de privatização dos serviços públicos, considerando o custo das externalidades judiciais que provoca. Como preveni-las e evitá-las?
As privatizações, para empresas e políticos, devem fazer dos consumidores e juízes seus principais aliados.
JOAQUIM FALCÃO,,71, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e doutor em educação pela Universidade de Genebra, é professor da
Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas
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