O Estado de S. Paulo - 07/07
A educação é investimento em capital humano. Este, ao contrário do capital financeiro e em ativos reais, como imóveis, não pode ser separado do ser humano e, assim, tem esse nome. A educação aumenta seu valor e credencia a pessoa a maiores ganhos por seu trabalho. Um famoso economista, Alfred Marshall, afirmou: “O mais valioso de todos os capitais é aquele investido em seres humanos”. Foi o melhor investimento que fiz e recebi em toda a minha vida.
O acesso à educação impacta a distribuição de renda entre pessoas e cabe ao Estado facilitá-lo criteriosamente. E de modo mais forte na infância e na juventude, quando a escolha entre estudar ou não é feita por pais, que podem falhar, até por falta de recursos.
Pobres iniciam a vida em desvantagem, como em nutrição e cuidados com a saúde. Têm muitos lares de mães precoces e em casa e no seu entorno predomina um ambiente que material e culturalmente prejudica a educação. Além de chamar a atenção dos pais para a importância da educação própria e dos filhos, cabe oferecer a esse grupo amplo número de creches e de escolas infantis em tempo integral, para que milhões de crianças nelas ingressem. E também para que durante boa parte do dia deixem seus lares precários, até mesmo para se alimentarem melhor, além de liberarem as mães para o trabalho e/ou o estudo fora deles. Quanto mais cedo esse processo começar, tanto melhor.
Ele deve seguir no ensino fundamental. Mas perto do seu final, com o início da adolescência, é importante que os jovens, em particular os pobres, tenham a uma formação profissional que aumente suas chances de logo se ocuparem no mercado de trabalho, como aprendizes ou efetivos.
Passei por cursos profissionalizantes nesse nível de ensino e no médio, e foi ótimo. Minha família tinha o conforto básico, mas com oito filhos o orçamento era apertado. Contudo havia boas escolas públicas. Mas por volta dos meus 15 anos a carência de recursos apertou, pois nessa idade são muito importantes a inserção e a afirmação social, que têm seus custos. Então, numa escola técnica de comércio concluí um curso que me credenciou como auxiliar de escritório e consegui emprego de seis horas diárias. Foi uma glória, tanto pela satisfação pessoal como por me sentir integrado ao meio social. Oportunidades como essa deveriam ser disseminadas, em particular para estudantes pobres, também para não se perderem por maus caminhos.
Isso deve seguir no ensino médio. Nele passei aos cursos noturnos, cuja ampliação também defendo, para facilitar a combinação entre trabalho e estudos. Mas ela só funciona bem se o trabalho não tomar mais que seis horas diárias ou se houver horários mais flexíveis em geral.
Saí como técnico de contabilidade e com um emprego melhor, também de seis horas diárias. Ainda no noturno, cursei Economia na USP e ao final da graduação recebi bolsas para a pós em tempo integral. Só então entendi e aproveitei o que era estudar para valer. Antes de escolher o curso vi que não podia seguir Medicina ou Engenharia, cujos horários eram incompatíveis com o do meu trabalho. Mais bolsas de estudo podem contornar a necessidade de trabalhar.
Essas ideias vêm da minha vivência estudantil e profissional, inclusive como professor. Sei que levá-las adiante não é fácil, e tanto assim é que a realidade educacional brasileira padece de males que elas poderiam aliviar. Muitos educadores são apegados a essa ou àquela filosofia educacional, não estão sempre focados nos alunos, em resultados e em qualidade, e no setor público há muita gente voltada para interesses corporativos. Os políticos costumam ter prioridades eleitoreiras. Também faltam mais recursos.
Passando a propostas mais provocativas, a educação pública, até o nível médio, deveria ser progressivamente tocada por organizações sociais, de livre escolha pelos pais, que receberiam vouchers do governo para pagá-las.
Nas universidades públicas, houve um exagerado crescimento das federais, que o governo promoveu forte e demagogicamente, de olho nos votos de estudantes e seus pais. Mas sem o mesmo empenho pelas crianças. Elas não votam...
E mais: é preciso acabar com a falácia do ensino universitário “gratuito”! Há sempre quem pague a conta. Aí, há no Brasil um dos sistemas mais iníquos do planeta, pois os recursos correspondentes vêm de impostos predominantemente indiretos, que proporcionalmente oneram mais os pobres, cujos gastos de consumo absorvem maior parcela de seus orçamentos.
Nas universidades públicas estaduais isso é até mais evidente, pois são custeadas por um imposto, o ICMS, sobre a aquisição de mercadorias em geral e vários serviços. Como resultado, até mendigos, que consomem 100% de sua “renda”, contribuem para pagar a educação superior de quem poderia fazer isso de seu próprio bolso. Quem vai encarar o desafio de corrigir essa enorme injustiça? Nem o PT, só em tese socialista, nem os vários partidos que se dizem social-democratas tiveram a coragem de aliviar a enorme iniquidade desse sistema.
A cobrança pela capacidade de pagamento isenta as famílias comprovadamente sem condições de pagar. Estudantes de cursos com dedicação integral receberiam bolsas de estudo para só estudarem. Seria o estudante pago, como fui durante um dos períodos mais gratificantes de minha vida.
O total arrecadado seria dividido em três partes iguais: uma para bolsas, outra para as próprias universidades e a terceira para as já mencionadas ações voltadas para a base da pirâmide educacional.
Este artigo integra série sobre uma estratégia para o País diante da crise atual. O primeiro é de 19/11/2015 e todos são encontrados em opiniao.estadao.com.br/artigo-de-opiniao/, na primeira e terceira quintas-feiras de cada mês, com títulos iniciados pela palavra estratégia.
*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard) e consultor econômico e de Ensino Superior
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