O GLOBO - 19/07
Era para ser uma sutil manobra de bastidores. Deu tudo errado e acabou na fragmentação oposicionista, com isolamento do PT e múltiplas críticas a Lula
Era para ser uma sutil manobra de bastidores. Bem-sucedida, submeteria Michel Temer a uma derrota humilhante na Câmara dos Deputados, usando a tropa parlamentar do governo.
Deu tudo errado. Acabou no desastre de uma fragmentação oposicionista, com visível isolamento da sua nave-mãe, o Partido dos Trabalhadores. E, desde então, seguido por vigoroso crescimento das críticas a Lula, principal liderança petista.
Na manhã de quarta-feira passada, Lula desembarcou de um sofisticado jato Gulfstream G-200, alugado, no aeroporto de Caruaru (PE). Sem comitiva de recepção, teve tempo para se concentrar em telefonemas a Brasília.
Era dia de eleição do presidente da Câmara. Na madrugada, conduzira seu partido e aliados pelo labirinto de um jogo pragmático. Vetara candidaturas como as de Maria do Rosário (PT-RS) e Luiza Erundina (PSol-SP), entre outras. Queria a vitória por aliança, ainda que o preço fosse a união com o DEM — o “demo”, como costuma definir —, abreviatura de Democratas, partido que Lula prometera “extirpar da política brasileira” em comício de 2010 para eleição de Dilma Rousseff, em Joinville (SC).
Antes de embarcar no jato PR-WTR rumo a Caruaru, atropelara essa nota de rodapé de sua biografia e decidira o apoio do PT ao candidato do DEM, o deputado fluminense Rodrigo Maia.
No agreste pernambucano Lula soube da montagem de uma alternativa dentro do PMDB de Temer, com o discreto respaldo de uma fração do PCdoB empenhada em impedir a aliança com Maia, reconhecido adversário da deputada Jandira Feghali na política carioca.
Sugeriram Marcelo Castro (PMDB-PI), ex-ministro da Saúde de Dilma. Por ter votado contra a abertura do processo de impeachment, em abril, era personagem conveniente à retórica contra o “golpe”. O líder do PT topou, em novo atropelo da própria biografia.
Trinta e oito anos atrás, Lula ouvira, incrédulo, o ferramenteiro Gilson Menezes descrever a preparação de uma greve na Scania. O que veio a seguir mudou a história política brasileira, a vida de Lula e está na raiz do Partido dos Trabalhadores. Naquele maio de 1978, três mil quilômetros ao norte, um médico piauiense recebia como presente uma vaga de candidato a deputado pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do regime militar instaurado em 1964. Não se elegeu.
Por ironia da História, quarta-feira passada Lula, o PT e aliados transformaram esse antigo soldado do esteio parlamentar do regime de 64 num porta-bandeira da retórica contra o “golpe” — como se referem ao processo constitucional de impeachment.
Somaram 70 votos. Multiplicaram a desunião, antes de perceber que Castro, desde o início, constava na planilha do PMDB como adversário preferencial no segundo turno contra o predileto do ex-presidente Eduardo Cunha para sua sucessão na Câmara, Rogério Rosso (PSD-DF). Essa percepção, tardia, motivou 75% dos parlamentares do PT e PCdoB a votar no segundo turno em Rodrigo Maia, expoente do DEM que Lula pretendia exterminar.
Restaram estilhaços. A dimensão dessa fragmentação cresce à medida em que os protagonistas percebem que atravessaram os 27 anos parasitando um único líder competitivo nas urnas: Lula.
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