FOLHA DE SP - 30/07
Independentemente do seu resultado, o pleito municipal de outubro ficará marcado na história pelo elevado nível de judicialização. Em face da proibição de contribuição financeira oriunda de pessoas jurídicas, candidatos e partidos, todos, estarão previamente sob suspeita.
STF e Câmara convergiram nessa iniciativa, que, a pretexto de moralizar as eleições –e evitar práticas que a Lava Jato exibiu em profusão–, acabará por operar o oposto: a propagação daquelas distorções.
As fontes de financiamento vigentes são três: o fundo partidário, a cessão de horário gratuito no rádio e na TV e as doações de pessoas físicas.
Quanto à primeira, é insuficiente para as exigências de uma campanha, pois atende, em regra, a manutenção da estrutura partidária.
A segunda cobre precariamente a apenas um quesito da campanha, a propaganda. Com 35 partidos, a visibilidade dos milhares de candidatos será sempre insuficiente. Nada substituirá, como jamais substituiu, o corpo a corpo com o eleitor, que, num país-continente, adquire muitas vezes a dimensão de um empreendimento épico.
Quanto à terceira, o financiamento restrito a pessoas físicas, em até 10% de sua renda declarada, não tem raízes na tradição política brasileira. O eleitor não tem essa prática, nem essa cultura –nem muito menos meios. A população, para além dos 12 milhões de desempregados, é pobre e mal dispõe para seu próprio sustento. E ainda: com tantos partidos e candidatos, as eventuais contribuições serão pulverizadas. O que teremos então? De um lado, o favorecimento de candidatos ricos, autofinanciáveis, variações caboclas de Donald Trump; de outro, os que têm apoio de corporações –sindicatos, ONGs etc.
Impossível ignorar que, entre os inúmeros temas a serem tratados numa reforma eleitoral, é preciso priorizar a aprovação de uma cláusula de desempenho partidário (como forma de assegurar a própria governabilidade em todas as esferas) e o fim das coligações para as eleições realizadas sob o sistema proporcional (vereadores, deputados estaduais, distritais e federais).
Isso sem olvidar, por outro lado, a necessidade de rediscussão do financiamento da política, estabelecendo regras objetivamente claras para permitir, mediante condicionantes e limites legalmente definidos, as doações de pessoas físicas e jurídicas.
Enquanto a discussão desses temas –os quais reputo como os mais importantes da reforma eleitoral– for adiada pelo Congresso, veremos alguns expedientes nem previstos em lei, como é o caso da cobrança, pelo PT, de um percentual do salário de funcionários comissionados. Sendo certo que, depois de mais de 13 anos no poder –e tendo aparelhado as máquinas administrativas sob seu comando–, dispõe a agremiação de um contingente contributivo que os demais partidos não têm.
O mesmo se diga em relação à modalidade, inaugurada por José Dirceu para pagar sua multa no mensalão e recém-adotada por Dilma Rousseff, a pretexto de financiar viagens aéreas: pedir dinheiro pela internet. Os crowdfunding, nome dado a essa modalidade contributiva, são geralmente usados para bancar trabalhos artísticos, ações de voluntariado, pequenos negócios e coisas afins. Não há precedentes de seu uso em campanhas eleitorais, o que é preocupante por não haver regulamentação nem meios de controlar a fidelidade de sua origem.
Em todas essas modalidades, há amplo espaço para fraudes –as conhecidas e as inéditas: caixa dois, uso de CPFs de sindicalizados e de membros de ONGs para diluir contribuições graúdas e dar-lhes aparência de individuais, além, claro, da vaquinha digital.
Persiste o fato de que não se faz campanha sem verba –e, havendo campanha, verba há de haver. A transparência continua sendo uma meta, fora do alcance. E o único ganho será demonstrar o quão inútil é apelar a lances de ilusionismo ético. Além de aético, um desserviço ao eleitor.
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